O Brasil de Fato CE entrevistou o professor Newton de Menezes Albuquerque, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), para falar sobre o caso de perseguição que ele estaria sofrendo com outros quatro colegas professores por parte do atual reitor, Cândido Albuquerque, e pelo diretor da Faculdade de Direito, Maurício Benevides. Confira.
Brasil de Fato – Professor Newton, vamos falar sobre o caso de perseguição sofrido por você e outros professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) por parte da reitoria e da direção da Faculdade de Direito. Na sua opinião, por que essa perseguição teve início?
Newton – Inicialmente queria saudar o jornal Brasil de Fato, um órgão de grande importância para os trabalhadores do campo, para trabalhadores nacionais que arrosta essa falsa unanimidade da mídia do capital. Em relação ao nosso problema, na verdade o que justificou a invertida última do grupo do senhor Cândido Albuquerque e Maurício Benevides, reitor e diretor respectivamente da instituição foi o fato de nós não termos nos dobrados a uma determinação arbitrária.
A universidade através do seu órgão máximo que é o Conselho Universitário (Consuni), através de uma resolução, a resolução nº 8, no início da pandemia definiu que as atividades remotas, que não são propriamente aula no sentido presencial, e é uma coisa um tanto quanto mais aberta, menos determinada, elas seriam facultativas aos professores. Essa é a resolução que deve nortear o conjunto da universidade. Pois bem, então o diretor da Faculdade de Direito, num assomo legiferante, achou por bem, através de portaria que deveria apenas dar concreção a determinação presente na resolução exorbita das suas funções e resolve transformar as atividades remotas, ora facultativas, em obrigatórias e foi exatamente isso que nós não aceitamos.
Procuramos a vice-diretora, ou seja, diretoria para manifestarmos a nossa surpresa, eles reafirmaram, ratificaram o seu entendimento e isso nos levou então obrigatoriamente a buscar aquele órgão que é o custódio da constituição e da lei que é o Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal, portanto, terminou entrando em contato com o diretor, mandou um ofício, o diretor foi advertido na necessidade de modificar a sua portaria, ele o fez, então o Ministério Público após a modificação do ato do diretor arquivou, portanto, a representação.
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Você poderia descrever pra nós como foram os atos dessa perseguição?
Logo depois, o diretor entrou com um conjunto de medidas contra nós. Quais foram essas medidas? Primeiro, ações indenizatórias na justiça de pequenas causas. Depois, entrou aí com anuência, com a participação do reitor, Cândido Albuquerque, abriu processos administrativos com pedido de demissão dos cinco professores: eu, no caso, Newton de Menezes Albuquerque; a professora, Cynara Mariano; a professora, Beatriz Xavier; o professor, Gustavo Cabral e o professor, Felipe Albuquerque, sob a alegativa um tanto quanto estranha de que nós estaríamos agindo de maneira insubordinada, de que nós estaríamos quebrando a hierarquia da universidade.
Primeiro que nós não estamos agindo de maneira insubordinada, se alguém agiu, assim o fez em função da transgressão das normas básicas da universidade, e foi o próprio diretor. Segundo porque universidade não é quartel. Uma questão que a gente precisa enfrentar nesses tempos do bolsonarismo e dos seus agentes, querer militarizar, querer perseguir os que pensam diferente, especialmente aqueles que eles consideram os seus maiores inimigos, que são os professores, os intelectuais, os artistas e, é claro, também, os movimentos sociais, especialmente as demandas dos trabalhadores. Então foi isso que eles fizeram e continuam fazendo.
Os professores perseguidos, incluindo você, moveram alguma ação judicial para tentar barrar os resultados dessa perseguição?
Nós, no momento, estamos aguardando sermos notificado, estranhamente ainda não o fomos, não sei se é em função da pressão intensa que a sociedade civil, através das suas organizações imprimiu, né? Quer dizer... Vamos, obviamente, responder a todas essas questões. Já estamos preparados pra isso com nossas defesas e vamos depois de respondido pensar exatamente o que fazer.
Vocês ganharam muito apoio pela internet. Queria que você falasse um pouco sobre esses apoios recebidos.
Mas o que é importante, e aí eu destacaria e agradeceria a solidariedade apresentada por vários segmentos: sociedade civil, partidos de esquerda, sindicatos, centrais sindicais, intelectuais, associações dos docentes, associações de funcionários técnicos administrativos, associações ou entidades dos estudantes, de diversos lugares do país, daqui do estado do Ceará, e inclusive solidariedade internacional.
Temos recebido de professores da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), de professores da Inglaterra, de professores da Argentina, do Chile, de Portugal, do professor Boaventura de Sousa Santos, que soltou uma nota do seu grupo de estudo de episdemiologias do sul e isso tem retemperado nossa força e nossa energia pra enfrentar todos esses ataques, que não são ataques isolados, não são ataques somente às nossas pessoas individuais, são ataques a um conjunto de princípios que foram erigidos em empecilhos por esse governo para a viabilização do seu projeto de morte, para o seu projeto de destruição neofascista e são os princípios relacionados à autonomia universitária, liberdade de cátedra, a democracia, a liberdade de expressão, é isso que nós sabemos, que encarnamos.
Então toda essa campanha empreendida pelo senhor Cândido e pelo senhor Maurício é bastante emblemático nesse sentido. Quer dizer, como é que alguém que pertence a uma instituição universitária persegue os seus próprios colegas, não só seus colegas de universidade, mas seus colegas de faculdade? É porque na verdade o fito, a razão de ser da sua atuação é exatamente essa, buscar criminalizar colegas, derrotar à universidade a realização do seu ethos comprometido com o livre debate, com a busca de saídas para o país, enfim, todas essas questões que não são caras. Importante lembrar que a universidade é uma construção histórica, é uma conquista do povo brasileiro.
Em assembleia geral convocada pela Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC), realizada no dia 25 de setembro, foi aprovada a criação do Observatório do Assédio Moral. Queria que você comentasse sobre a importância dessa iniciativa, professor.
Queria destacar também a importância da iniciativa da ADUFC de fazer um Observatório de Assédio Moral, denunciando os casos que tenham ocorrido na UFC, mas também em outras instituições aqui como a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) que nós somos solidários a professores que têm sido perseguidos pela atual direção da universidade como também em outros lugares. É importante essa iniciativa. Ela traz consigo a participação também do Ministério Público Federal no sentido de ser custódio da legalidade, ser custódio da constituição e da tutela indispensável que esses direitos merecem, especialmente o direito da liberdade de cátedra, a autonomia universitária tem sido fustigadas por esse governo de morte. Então é uma iniciativa louvável, é uma iniciativa que tem tudo pra frutificar e constitui-se em um elemento importante de resistência aos que intentam sob todos os modos constranger professores, os funcionários, os alunos, constranger enfim a universidade pública brasileira na realização das suas responsabilidades, dos seus compromissos fundamentais.
Professor Newton, você gostaria de deixar alguma mensagem aos nossos leitores?
Eu queria deixar primeiro o meu agradecimento mais sincero em meu nome e em nome dos meus companheiros e companheiras, ora perseguido por esses senhores e também deixar minha mensagem de otimismo, né? Quer dizer, que a nossa luta, não só porque nossa luta é justa, porque ela é sincera, porque ela está fundada nos melhores argumentos e razões, mas porque ela também é semente de outras lutas que virão. Nós não pudemos nos curvar perante os atos de arbitrariedade que se sucedem neste país.
Desde 2016 nós vivemos sob a turva ação de golpistas que derrubaram uma governante legitimamente eleita, que atentaram contra a constituição e seus valores centrais, basta lembrar a emenda do fim do mundo, de 95 e que agora, com a eleição desse governo atacam de maneira agressiva, de maneira inaudita as organizações operárias e populares, todos aqueles que fazem frente aos aspectos anticivilizatórios trazidos ou ressignificados por esse governo neofacista, neoliberal.
É importante que nós saibamos que estamos todos juntos. A nossa luta, ela se confunde com a luta dos sindicatos por melhores condições de vida, contra a reforma trabalhista, ela se confunde com a luta daqueles que lutam por reforma agrária, contra a perseguição ao Movimento Sem Terra (MST) que nós vemos hoje, infelizmente, acontecendo, contra aqueles que lutam e resistem contra a judicialização da política trazida a lume pela cúpula judiciária do país, e contra tudo aquilo que traduz-se numa nova intenção de reconstruir uma acumulação crimitiva de capital contra os trabalhadores e contra o povo. Precisamos lutar por nossos direitos, precisamos modificar essa correlação de forças, precisamos, enfim, nos agrupar para fazer frente a todos esses ataques que nós estamos sofrendo e que continuaremos a sofrer sob a ação do governo fascista e de seus diferentes agentes distribuídos nas instituições.
Relembre como foi o processo e eleição de Cândido como reitor da UFC
Cândido Albuquerque foi nomeado reitor da UFC pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 19 de agosto de 2019, mesmo sendo o menos votado na consulta pública feita com professores, estudantes e servidores. Cândido obteve 610 votos, ficando em terceiro lugar. Já o mais votado, com 7.772 votos, foi Custódio Luís Silva de Almeida. E mesmo com essa diferença na quantidade de votos, Bolsonaro contrariou o resultado da consulta escolhendo Cândido como novo reitor. Vale lembrar que desde 2003, cinco professores ocuparam o cargo de reitor da UFC e em todos esses casos foi respeitada a votação da consulta feita pelos três segmentos acadêmicos.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Monyse Ravena