ESTADO MÍNIMO

PL de Doria que extingue 10 empresas públicas de São Paulo tem votação adiada

Sem passar por comissões e com 623 emendas vetadas, projeto extingue autarquias e demite funcionários em meio à crise

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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Governador culpa pandemia e manobra para extinguir empresas públicas; oposição consegue barrar votação por dois dias seguidos - Wilson Dias/Agência Brasil

Na proposta, o fim de 10 autarquias públicas, a entrega de 9 parques para o setor privado, e a interferência na receita das três principais universidades do estado. Tudo para ser executado até o início do próximo ano. Esta é a síntese do Projeto de Lei 529/2020, que o governador João Doria (PSDB) tenta implementar com regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

Após o adiamento da votação convocada para segunda-feira (28), resultado de uma manobra da oposição para barrar o PL, a sessão extraordinária de votação desta terça-feira (29) também foi encerrada por falta de quórum.

"Antes, os liberais vendiam empresas públicas. Doria não vai fazer nem isso. Ele vai fechar, demitir os servidores, e extinguir o serviço prestado para a população. Entre as empresas que ele quer extinguir algumas são superavitárias. O que isso significa? Elas têm orçamento próprios e geram recursos para a União", avalia Mônica Seixas, da Bancada Ativista do PSOL na Alesp. 

Entre as empresas que correm o risco de extinção, a fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), responsável pela implementação da política agrária e fundiária do estado desde 1991, surge como um alerta a mais de 9 mil famílias rurais e 36 comunidades remanescentes de quilombo, que podem deixar de ser assistidas em meio ao aumento da violência no campo e das mortes pela covid-19.  

Além do Itesp, o PL também extingue as seguintes autarquias públicas: Fundação Parque Zoológico de São Paulo; Fundação para o Remédio Popular (FURP), Fundação Oncocentro de São Paulo (FOSP); Instituto Florestal; Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU); Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo S. A. (EMTU/SP); Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN); Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC), Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP).

"No estado de São Paulo, tem cerca de 500 mil hectares de terras públicas que o Itesp auxilia a Procuradoria do Estado de São Paulo na regularização para transformar em áreas de reforma agrária. Então, nós estamos falando de deixar grandes quantidades de terras públicas que, em vez de servir a interesses públicos, ficam agora a disposição de grileiros que vão para essas áreas para plantar cana, criar gado, fazer queimadas", analisa David Zamory, da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em São Paulo

Sem o Itesp, além da demissão de 500 funcionários, ficam ameaçados mais de 75 mil imóveis em processo de regularização fundiária, muitos localizados no Pontal do Paranapanema e no Vale do Ribeira, regiões de extrema vulnerabilidade social. O alerta foi feito pela Associação de Funcionários do Itesp (Afitesp). 

Marcelo Pedroso Goulart atuou como promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo por 34 anos, com ênfase na questão fundiária, em especial na região de Ribeirão Preto, onde assentamentos resistem em meio à hegemonia do agronegócio no Estado.

Para ele, o objetivo da política de Doria é justamente contribuir para desarmar o aparato jurídico e governamental que garante os direitos sociais básicos, na contramão da Constituição de 1988. 

"É muito triste sobretudo para a minha geração que viveu sob a ditadura, que lutou contra a ditadura, que participou das constituintes seja em âmbito federal ou estadual, porque a constituição estadual também prevê a intervenção forte do Estado de São Paulo na implementação das políticas fundiárias e agrárias, por isso que foi criada a fundação Itesp."

A tramitação

Enviado à Alesp por Doria em agosto, o PL 529 tramita com regime de urgência, o que reduz o tempo de apreciação a 45 dias. Assim que o prazo foi concluído, o deputado governista Cauê Macris, presidente da casa, colocou o projeto em votação, em duas sessões extraordinárias ocorridas na noite desta segunda-feira (28), ambas encerradas por falta de quórum. 

Na história do poder legislativo, a tramitação do projeto é algo sem precedentes. A proposta teve 623 emendas sugeridas pelos deputados e todas vetadas pelo relator Alex de Madureira, do PSD, incluindo dez feitas pelo próprio relator. 

Primeiro o governo precisa provar qual é o tamanho do rombo se é que ele existe.

Nesta terça-feira (29), a proposta que deveria passar por três comissões permanentes para ser discutida e estudada, voltou à pauta da casa, mas a votação foi novamente adiada por falta de quórum.

A justificativa do governo é a pandemia, e um suposto rombo de cerca de R$ 10 bilhões no caixa de São Paulo.

"Até abril que foi o último dado que a gente conseguiu trazer sobre a arrecadação de ICMS o Estado tinha batido o recorde histórico de arrecadação. Compreendo que tenha caído a arrecadação nos meses de quarentena, mas primeiro o governo precisa provar qual é o tamanho do rombo se é que ele existe. Todas as empresas listadas nas 69 páginas do projeto são temas que já estavam sob ataque do Doria como plataforma eleitoral. Doria pautou o estado mínimo", analisa a  deputada Mônica Seixas.

"Além da questão fundiária, o PL extingue a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo, responsável pelas moradias sociais no estado, e a Fundação para o Remédio Popular (Furp) , que produz remédios de baixo custo para a população paulista desde 1968", completa. 

Outro lado

Em resposta ao Brasil de Fato,  o governo de São Paulo afirma que “o projeto propõe a extinção de 10 empresas, autarquias e fundações estaduais deficitárias”, mas que “nenhum serviço será prejudicado, pois serão absorvidos e oferecidos por outros órgãos estaduais, com uma estrutura mais eficiente”.

Quanto a Itesp, afirma que atualmente o orçamento da Fundação é da ordem de R$ 65 milhões e que suas receitas registradas em 2019 foram de apenas R$ 2,8 milhões. Além disso, relata  que “nenhum assentamento rural ou comunidade quilombola vai ficar sem atendimento” e que o serviço será feito por  “uma estrutura mais enxuta da Secretaria de Agricultura e Abastecimento”. 

Já sobre a regularização fundiária, o governo responde que ela já é realizada pela Secretaria de Habitação, sem a necessidade da  “coexistência de uma fundação para realizar este trabalho”.

Edição: Rodrigo Chagas