O Brasil aprofundou o racismo no índice de assassinatos em seu território, conforme dados do Atlas da Violência 2020, apresentados nesta quinta-feira (27). O levantamento mostra que a taxa de homicídios de negros cresceu 11,5%, de 2008 a 2018, enquanto a de não negros caiu 12%.
O conceito de negro é o mesmo adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que considera a soma de pretos e pardos. Os não negros, segundo o IBGE, são brancos, amarelos e indígenas.
O estudo é elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e tem como base de dados os números apresentados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS).
Ao todo, os negros somam 75,9% dos brasileiros assassinados na década analisada, ainda conforme os números mostrados. Na comparação entre as taxas de homicídio de 2018, o Atlas aponta que para cada indivíduo não negro morto, 2,7 negros foram assassinados.
“Os dados reafirmam uma tragédia brasileira, que é algo que a gente vem reiterando e vem ganhando contornos cada vez mais acentuados, que é uma sobrerrepresentação de jovens e negros vítimas de violência letal”, afirma a coordenadora do Atlas, Samira Bueno.
Os estados que concentraram as maiores taxas de homicídios contra pessoas negras estão nas regiões Norte e Nordeste, com destaque para Roraima (87,5 mortos para cada 100 mil habitantes), seguido por Rio Grande do Norte (71,6), Ceará (69,5), Sergipe (59,4) e Amapá (58,3).
“O que me chama mais a atenção é perceber que essa política que tem sido implementada, seja ECA, Estatuto do Desarmamento, ou nos territórios, por prefeitos e governadores, tem sido capazes de prevenir a morte de pessoas não negras, mas, quando a gente olha para a taxa na população negra, no mesmo período, parece que estamos falando de países diferentes, tamanha a disparidade”, comenta Samira.
Segundo o pesquisador Dennis Pacheco, a violência policial é um dos fatores para a disparidade entre os mortos negros ou não. “A ideia do negro perigoso é uma ideia que muitas vezes existe em várias polícias no Brasil. O uso da força diferenciada entre negros e não negros ainda existe muito”, ressalta.
Ele destaca que não há como separar, nos dados do governo, os assassinatos cometidos por policiais e os por outros criminosos. No entanto, ele aponta que o índice de negros mortos é semelhante nos dois casos.
“A gente sabe que existe uma convergência entre os mortos pela polícia e os outros, em geral. Os negros estão entre 70% em ambos. Tem uma relação forte de como a política pública de segurança é ineficaz, ineficiente. Quando há investimento em soluções ostensivas e não preventivas, é esse é o resultado que temos em um país racista”, comenta Dennis.
Jovens e mulheres negras lideram
Em 2018, os homicídios foram a principal causa das mortes da juventude masculina brasileira, representando 55,6% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos, 52,3% daqueles entre 20 e 24 anos e 43,7% dos que estão entre 25 e 29 anos.
“É uma geração inteira que estamos matando e que não nos sensibiliza mais, infelizmente. São sujeitos descartáveis que não nos mobilizam como deveria”, avalia a coordenadora do estudo.
No mesmo ano, 4.519 mulheres foram mortas no Brasil, o que significa que uma mulher morreu assassinada a cada duas horas no país - 68% delas são negras. A taxa é praticamente o dobro na comparação com não negras.
A disparidade racial entre as mulheres assassinadas é a soma de vulnerabilidades ainda mais evidentes do que quando se trata de homens, aponta a pesquisadora Amanda Pimentel.
“No caso dos homens, são muito mais relacionadas à falta de acesso que os homens têm a serviços e políticas públicas. Mas entre as mulheres negras há uma tripla vulnerabilização: racial, de gênero e de classe”, afirma.
Para Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a única saída para a disparidade racial é a implementação de políticas voltadas especificamente para a população negra.
“Há a necessidade de os estados começarem a desenvolver políticas específicas. Não dá mais para a gente falar só em homicídios, quando a gente tem perfis tão claros de segmentos que são vitimados. Não basta um projeto geral, é preciso que sejam medidas específicas”, analisa.
Edição: Rodrigo Durão Coelho