COVID-19

Vírus pode ter se tornado mais transmissível e menos letal no Maranhão

Cerca de 40% da população do estado já foi infectada; pesquisadores cogitam mutação

Brasil de Fato | Imperatriz (MA) |

Ouça o áudio:

Um novo inquérito será realizado em outubro, para acompanhar o comportamento e a prevalência da doença no estado. - Reprodução

Cerca de 2,8 milhões de pessoas foram infectadas pelo novo Coronavírus no Maranhão, o equivalente a 40% da população, segundo polêmico inquérito sorológico. A estimativa gerou muitos questionamentos, por se tratar da maior prevalência no país e uma das maiores do mundo, acompanhada ainda de uma das menores taxas de letalidade – 0,17%.

Estudos similares indicam taxas de prevalência abaixo de 20% em outras regiões brasileiras. Pelos dados já divulgados, a segunda maior estimativa seria a da cidade de São Paulo, onde o inquérito do Projeto SoroEpiMSP, referente a julho, aponta cerca de 1,2 milhões de habitantes infectados (17,9%), com letalidade de 0,5%.

No estado do Espírito Santo a estimativa de junho é de 9,61% de infectados, o equivalente a 386.193 habitantes e letalidade média de 3,19%. Entre os dez países mais populosos do mundo, a taxa de letalidade em junho estava em torno de 1,3% (Rússia) e 11,7% (México). O Brasil apresenta taxa média de 4,9% de letalidade. 

Método

Os dados maranhenses foram apresentados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), a partir de inquérito sorológico realizado em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O trabalho foi feito por 30 membros e cerca de 200 auxiliares, que entrevistaram e coletaram amostras de sangue de 3.156 pessoas, no período entre 27 de julho a 08 de agosto.


Além da coleta de sangue, inquérito consiste em entrevista com perguntas socioeconômicas e cuidados de saúde. / Reprodução

Para o coordenador do inquérito, o pós-doutor em epidemiologia Antônio Augusto Moura da Silva, a alta prevalência no estado leva a questionar os dados de outros estudos similares no país.

“A pesquisa traz alguns recortes surpreendentes, como a prevalência muito alta. Explicar isso é uma dúvida: será se tem outros locais com a prevalência alta e isso não foi observado ainda porque a maior parte dos outros trabalhos tem usado testes rápidos? Nós coletamos sangue, fizemos a eletroquimioluminescência, que sabemos que é melhor, mas será que é tão melhor assim que os testes rápidos que têm sido usados? Essa é uma dúvida”, questiona Moura.

Mutação genética

Sobre a letalidade, Moura explica que uma das hipóteses consideradas para o baixo índice é a possibilidade de uma mutação genética que tenha tornado o vírus mais transmissível e menos letal estar em circulação no Maranhão.

“A gente sabe que vírus, normalmente, quando ele tem muita passagem tende a ficar menos letal e mais transmissível, o que é uma vantagem. É a seleção natural. O vírus vai sobreviver melhor se ele transmite rápido, e não mata”. Moura alerta que “são apenas possibilidades” que estão sendo colocadas, mas que precisam ser apuradas.

Uma mutação genética do Sars Cov-2 com essas características já vem sendo estudada a nível global, é a chamada mutação D614G.

Essa variante ganhou destaque após divulgação de um estudo na revista científica Cell. De acordo com o estudo, a mutação teria aumentado a capacidade do microrganismo de se replicar, mas sem elevar sua letalidade. Além disso, avaliou que antes de 1º de março, a variação só era encontrada em 10% das sequências genéticas pesquisadas, mas a partir de março, já estava em 78% delas.

Outro estudo sobre a mesma variação do vírus, divulgado posteriormente pela revista Lancet em agosto, aponta que apesar de mais transmissível, a mutação parece ser menos agressiva e letal.

Demora para receber auxílio

Outro ponto levantado para o alto índice de espalhamento do vírus foi a falta de isolamento social, piorado pela demora e dificuldades em garantir o auxílio emergencial às famílias mais pobres.

“Aqui tem uma população mais pobre, que precisou continuar saindo para conseguir dinheiro e comprar comida. Sabemos que o programa do governo federal, do auxílio emergencial, tem ajudado bastante, mas demorou um pouco a chegar. No mês de pico da pandemia as pessoas não tinham o auxílio em mãos, não conseguiram garantir o distanciamento. Talvez explique a prevalência maior aqui, a doença teve maior facilidade de espalhar por conta disso”, explica Moura.  


Demora e dificuldade para receber auxílio pode ter contribuído para disseminar o vírus no estado. / Reprodução

Somente no dia 27 de abril foi liberado o auxílio emergencial às famílias sem contas em banco. Em São Luís, a data foi marcada por longas filas desde a madrugada.

Amontoadas e com poucas esperanças, 398 mil pessoas amargam os índices de desemprego no estado, segundo levantamento feito entre os meses de junho e julho durante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, que analisa o impacto da pandemia na economia. Ainda de acordo com a pesquisa, 65,8% dos domicílios maranhenses receberam algum auxílio emergencial relacionado à pandemia.

Estabilidade

Em coletiva realizada na sexta-feira (4), o governador Flávio Dino reforçou a tendência de estabilidade dos casos ativos no estado e incentivos à prevenção. O estado mantém o nível de estabilidade há mais de 80 dias e, em razão da baixa procura por atendimentos, desativará o Hospital de Campanha da capital no dia 17 de setembro.

Como incentivo aos municípios, Dino anunciou o prêmio“Vencendo o Coronavírus, que premiará, no valor de R$ 6 milhões, aqueles que melhor executarem ações de vigilância epidemiológica, atenção básica à saúde, com controle e monitoramento da doença.


Com redução da procura por atendimentos, hospital de campanha da capital será desativado dia 17 de setembro. / Governo do Estado

“O prêmio Vencendo o Coronavírus impulsiona esse esforço preventivo, sobretudo. Temos um patamar mais baixo do Coronavírus, precisamos agora intensificar as ações preventivas e as ações de controle, de vigilância epidemiológica e de atenção básica, que compete aos municípios. Nós vamos premiar e faremos esse monitoramento com dados quantitativos, que constam das bases de dados da secretaria de estado da saúde e dados qualitativos”, explica Dino.

Monitoramento

Apesar da estabilidade, Moura aponta a possibilidade de novos surtos e a importância de continuar o monitoramento no estado. Para isso, um novo inquérito será feito em outubro, com foco no município de Imperatriz, segunda maior cidade do estado e que tem apresentado aumento na procura por atendimentos e ocupação de leitos de UTI nas últimas semanas.

“A gente ainda está sujeito a ter alguns surtos da doença, por isso temos que continuar bastante atentos. Por conta da volta da doença em Imperatriz, vamos repetir o inquérito em outubro e vamos estudar especificamente, com mais detalhes, a situação de Imperatriz para entender o que aconteceu lá”.

Edição: Rodrigo Durão Coelho