Passava das 11h do dia 31 de julho de 2019, quando o casal Aparecida da Silva Sousa Santos e José Carlos Bispo Santos foi expulso do assentamento Jaci Rocha, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que fica no município de Prado, no sul da Bahia. A decisão foi tomada após assembleia realizada pelos assentados da área. A exclusão marca o início de uma longa batalha que culminou no envio da Força Nacional de Segurança Pública para a região, na última quarta-feira (2).
Os motivos apontados para a exclusão de Santos e Aparecida da área estão apontados na ata da assembleia, são eles: não residir com sua família no assentamento, após a conclusão das moradias; ausentar-se por mais de 30 dias do assentamento, sem autorização ou motivo justificado; porte de arma de fogo no assentamento; e não comparecimento de três dias consecutivos e seis dias alternados ao trabalho coletivo.
As razões que não constam na relação da ata, mas que se tornaram preponderantes para a decisão, são o envolvimento do casal com o tráfico de drogas no sul da Bahia e o roubo de gado dos produtores rurais da área. De acordo com assentados, algumas substâncias ilícitas começaram a circular no assentamento e pessoas que não eram conhecidas dos moradores passaram a circular pelo território.
Desde a expulsão, o casal Santos tentou retornar à área por diversas vezes e ameaçou outros assentados. Na última sexta-feira (26), Bispo e Aparecida apareceram no Jaci Rocha acompanhados da Polícia Militar. O assentamento é considerado território federal e as forças de segurança estaduais não podem acessá-lo, somente as nacionais, como a Polícia Federal.
Sabendo disso, os policiais militares que foram até o assentamento afirmaram que no comboio de carros que os acompanhava estava um representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que necessitava de escolta. Porém, quando os assentados pediram a identificação do servidor, os agentes não a mostraram.
No dia 27 de agosto, o casal Santos, com mais 13 pessoas, foi até o local para tentar retomar a área novamente. Após conversas com a direção do movimento, desistiram. Sem êxito, teriam, de acordo com membros do MST, ateado fogo em dois lotes e a um trator, na madrugada do dia 28. O veículo e uma das áreas pertenciam ao casal antes da expulsão.
Força Nacional
Na última quarta-feira (2), o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, publicou, no Diário Oficial da União (DOU), a Portaria Nº 493, determinando o uso da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) nos municípios de Mucuri e Prado, onde o MST mantém assentamentos.
A decisão do governo de Jair Bolsonaro surpreende e tem sido encarada por representantes do movimento como desproporcional, por conta da dimensão do problema ser reduzida. A justificativa apresentada na portaria é auxiliar o Incra “nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado”.
Em nota, o Incra se manifestou. “Em respeito às famílias dos nossos assentados que vivem no local e para assegurar a defesa ao patrimônio público, caso fique comprovado o envolvimento de beneficiários da reforma agrária no crime, o Incra adotará as providências administrativas e judiciais necessárias – respeitando o devido processo legal – a fim de promover o cancelamento dos contratos de concessão de uso dos assentados envolvidos e a exclusão dos mesmos no Programa Nacional de Reforma Agrária, independente das demais medidas legais eventualmente cabíveis contra os acusados.”
Repercussão
Os deputados federais Helder Salomão (PT-ES), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, e Valmir Assunção (PT-BA) enviaram um ofício ao ministro André Mendonça solicitando mais informações sobre o envio da FNSP à Bahia.
“Considerando que não há informações de que o Governo do Estado tenha solicitado a presença da FNSP, considerando que se trata de pedido do Ministério da Agricultura e considerando o histórico de conflitos agrários no Brasil, solicitamos que Vossa Excelência esclareça a motivação da Portaria e a que, precisamente, se destinarão ‘as atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio’”, afirmam os parlamentares no documento.
João Paulo Rodrigues, da direção nacional do MST, criticou a portaria. “Bom dia, como todos sabem, ontem fomos surpreendidos com o envio da Força Nacional aos municípios de Prado e Mucuri, na Bahia, para intervir em nossas áreas, a pedido do Incra. Nós, do MST, repudiamos essa decisão absurda. Nós queremos crédito e terra”. Para o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), “Bolsonaro usa a força nacional ilegalmente para fazer política e enfrentar o MST.”
Histórico
O MST ocupou a área em Prado no ano de 2010. Somente em abril de 2015, o acampamento Jaci Rocha foi reconhecido como assentamento pelo Incra e as moradias começaram a ser construídas. Desde então, os assentados aguardam o Contrato de Concessão de Uso (CCU) dos lotes.
Outro lado
O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Os órgãos não responderam até o fechamento desta matéria.
Edição: Rodrigo Durão Coelho