Segundo denúncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tratores têm avançado ilegalmente contra áreas do Acampamento Quilombo Grande, em Campo do Meio (MG), que não estão previstas na reintegração de posse executada no dia 14 de agosto em favor do fazendeiro Jovane Moreira de Souza, dono da falida Usina Ariadnópolis.
Vídeos gravados pelos agricultores nesta segunda (24) mostram o maquinário arando um perímetro fora do limite determinado no despejo, conforme os sem-terra, a mando de Jovane.
Marcada pela truculência da Polícia Militar, a reintegração que ocorreu em meio à pandemia ganhou repercussão nacional e afetou diretamente 14 famílias que vivem no local há mais de 20 anos e são referência na produção agroecológica do Café Guaií.
Nos dias seguintes à ação, as famílias já haviam afirmado que a área reintegrada em favor de Jovane era maior do que os 52 hectares previstos na decisão judicial. Tuíra Tule, coordenadora estadual do MST, afirma que o fazendeiro continuou expandindo a área de forma ilegal mesmo após o fim do despejo.
“Fomos com algumas famílias e impedimos que o trator avançasse. Não estão cumprindo o mapa do processo de reintegração. Fizeram outro mapa e descumpriram qualquer limite”, critica Tule.
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Segundo a dirigente, além de adentrar o lote de duas famílias acampadas, o maquinário invadiu também terras adjacentes do assentamento Nova Conquista.
Letícia Souza, advogada do movimento, explica que a área da sede da Usina - onde ocorreu a reintegração de posse - corresponde a aproximadamente 363 hectares dos quase 4 mil que integram a área total do Quilombo Campo Grande.
No entanto, 300 desses hectares foram adjudicados pela União e desapropriados para fins de reforma agrária devido às dívidas de Jovane, local onde foi criado o assentamento Nova Conquista. Sendo assim, a reintegração de posse do processo corresponde apenas a 52 dos 63 hectares restantes.
Ainda de acordo com a advogada, o fazendeiro também avança em áreas que envolvem um segundo processo de reintegração em nome da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), da qual ele Jovane é o principal acionista, e que envolve o restante dos quase 4 mil hectares de terras.
Ela ressalta, porém, que não há nenhuma decisão ou determinação judicial de reintegração envolvendo a totalidade da área onde vivem 450 famílias sem-terra. A Capia era a antiga administradora da Usina Ariadnópolis.
“Qualquer ação voluntária do Jovane é totalmente ilegal e absurda. Ele sabe, claramente, que existe um processo que está em andamento e que aquela área está ocupada há mais de 20 anos. É uma tentativa de ameaça para os acampados como sempre fez e como ele quer continuar fazendo, para tomar à força as áreas ocupadas pelos trabalhadores”, afirma Souza.
A defesa do MST estuda ações no âmbito judicial para denunciar para denunciar a situação.
"Mesmo após promover 56 horas de tensão e violações de direitos humanos, a covardia e violência sobre as famílias do acampamento Quilombo Campo Grande segue seu curso. Não bastou realizar um despejo violento em meio à pandemia e usar o aparato da PM para fazer a manutenção desse processo. A ilegalidade continua, não há limites para a covardia do governo Zema e seus aliados, que continua demonstrando o seu descaso com o povo e mostrando sua face criminosa", disse a organização dos trabalhadores sem-terra, em nota.
Interesses particulares
O empresário Jovane de Souza tenta reativar a usina falida para cumprir um acordo comercial com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda, de João Faria da Silva, considerado um dos maiores produtores de café do país e vizinho do acampamento.
O documento firmado entre Jovane e Faria prevê o arrendamento de parte dos 4 mil hectares da terra do Acampamento para o plantio de café, enquanto outra parcela seria destinada ao cultivo da cana-de-açúcar.
Reportagem do De Olho nos Ruralistas mostrou que João de Faria, diretamente beneficiado pelo despejo, tem dívida total calculada em R$ 1,8 bilhão após o grupo Jodil também ter entrado em recuperação judicial em 2019.
Somente no processo que tramita no Judiciário paulista, em Campinas, estão cadastrados 358 credores. Entre eles, além de bancos e cooperativas de crédito, oito cooperativas de produtores de café e funcionários em busca de seus direitos trabalhistas.
Dívidas trabalhistas também pesam contra Jovane de Souza. Isso porque, ao decretar falência em 1996, a Usina Ariadnópolis não pagou os devidos direitos aos funcionários. Conforme o site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), são R$ 1,2 milhão em multas trabalhistas. O valor em relação ao não pagamento de FGTS ultrapassa R$ 1,5 milhão.
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Dois anos depois da falência, em 1998, ex-funcionários e outros agricultores ocuparam a área da Usina e deram início à produção agroecológica do Quilombo Campo Grande, que conta com 11 acampamentos organizados.
Para Tuíra Tule, da coordenação estadual do MST, é preciso denunciar como diversos atores são responsáveis pelo ataque às famílias sem-terra do sul de Minas Gerais.
"O que denunciamos é o conluio. O João Faria é um financiador desse processo mas em conluio com o próprio Judiciário. Temos o poder municipal, a Comarca de Campos Gerais, a própria polícia militar. É um conluio desse modelo do agronegócio no sentido mais amplo.”
A reportagem do Brasil de Fato não conseguiu contato com o empresário e aguarda posicionamento da Prefeitura de Campo do Meio e do Governo de Minas Gerais sobre a denúncia.
Retaliação?
Um dos acampados do Quilombo Campo Grande, o Pastor Otelino, foi detido pela política de Campo do Meio nesta segunda (24) após tentar abrir um Boletim de Ocorrência para denunciar a ilegalidade da ação a mando de Jovane, e, para a surpresa das famílias, foi preso devido a um processo antigo.
“É uma prisão política. É uma denúncia contra ele, de desmatamento, em 2008, que já prescreveu e que era mentira. Colocaram fogo na mata, fomos apagar e eles fizeram um boletim de ocorrência contra nós. Citaram nominalmente o Seu Otelino, vizinho da área”, explica Tuíra.
Ela reforça que o Pastor Otelino, que no mesmo dia foi transferido para o município de Botelhos, é agricultor orgânico certificado e integrante da cooperativa Camponesa que produz há pelo menos 15 anos na região.
Após pressão e atuação dos advogados do Movimento, o agricultor foi liberado na última quarta (26) e encontrasse em casa.
*Matéria atualizada em 28/08 para atualização da soltura do Pastor Otelino
Edição: Rodrigo Durão Coelho