AGRICULTURA

Bolsonaro veta 17 dos 20 artigos do auxílio emergencial para agricultura familiar

“Ameaças de fome foram agravadas com os vetos do presidente”, afirma Leomarcio Araujo, da coordenação do MPA/Bahia

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Leomarcio Araujo ressalta o papel da agricultura familiar na alimentação do povo brasileiro - Arquivo pessoal

Aprovado na Câmara e no Senado, o Projeto de Lei (PL) 735/20, de apoio a agricultores familiares durante a pandemia da covid-19, foi quase integralmente vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na semana passada. A lei, sancionada no última sexta-feira (24) pelo Executivo, exclui 17 dos 20 artigos previstos no projeto. A proposta volta para análise do Congresso Nacional, que ainda pode derrubar os vetos.

Entre os pontos não aprovados estão: o auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 pagos em cinco parcelas (nos moldes do auxílio concedido aos trabalhadores urbanos), recursos para compras públicas pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), renegociação e adiamento de financiamentos, e linhas de crédito emergenciais. Todas elas medidas consideradas essenciais pelos agricultores.

Na justificativa, Bolsonaro alegou não haver previsão financeira para as ações. No entanto, concedeu benefícios ao agronegócio, como: facilidades de acesso a crédito e financiamento de dívidas de grandes produtores e desoneração do segmento em contribuições à Seguridade Social.

O Brasil de Fato Bahia conversou sobre o tema com Leomarcio Araujo da Silva, da Coordenação Estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) da Bahia. Leomarcio ressalta o papel da agricultura familiar na alimentação do povo brasileiro, algo que “não é a preocupação do agronegócio, que mesmo tentando retirar o termo ‘negócio’ do nome, e intensificando a propaganda em torno do ‘agro’ nos últimos anos, não perdeu e jamais perderá sua essência que é do negócio, da mercadoria”.

Para ele, enquanto a Agricultura Familiar Camponesa, através do Mutirão contra a Fome, pauta apoio para “garantir o povo de bucho cheio”, o agronegócio pauta “para manter cheios os bolsos de alguns poucos”.

Brasil de Fato Bahia: Como os pequenos agricultores têm sido afetados pela pandemia na Bahia?
Leomarcio Araujo: Antes de falar da Bahia é importante contextualizar que, no cenário nacional, os pequenos agricultores tiveram prejuízos com fortes impactos em suas economias, nas suas vidas, o que, sem dúvida, repercutiu e repercutirá com mais intensidade nos próximos meses na vida de quem está nas pequenas e grandes cidades. Vai ter uma falta crescente dos produtos do campesinato na mesa do brasileiro. Importantes ações de valorização da produção camponesa, que construíram caminhos que garantissem seu escoamento - como os programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e  Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) -, estão sofrendo um esvaziamento financeiro, que precariza e os torna políticas “desnutridas”.

Com a pandemia aumenta a gravidade, na medida em que, por exemplo, as feiras são fechadas, isso impacta diretamente milhares de famílias que além de produzir tocavam suas barraquinhas nas feiras em praticamente todas as cidades do interior e também nas grandes cidades. Em Salvador, já tínhamos funcionando na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) uma Feira Agroecológica com produtos vindos de várias comunidades da região metropolitana. As feiras livres, para além do aspecto de encontro, fazem girar a economia das famílias agricultoras. Os prejuízos se deram pela perda de produção, pela redução da oferta que implicou na carestia dos preços, pela evolução rápida no preço de produtos básicos antes encontrados na região. 

Mesmo com todos os esforços e com as orientações de movimentos sociais, como o MPA, pedindo para que os agricultores não recuassem em seus processos produtivos, a falta de perspectiva de muitas famílias que vivem em regiões mais distantes e com maior dificuldade de logística reduziu sua plantação. Além disso, houve uma redução na área cultivada, por que faltou insumo, faltou crédito. Com isso, teremos uma redução maior ainda na colheita de 2021. Temos receio que, mesmo aqueles que em tese contribuíram para a Soberania e Segurança Alimentar, corram risco de também passar fome frente ao abandono da agricultura familiar.

O presidente sugere que o agricultor deveria solicitar o auxílio aprovado para trabalhadores informais como “autônomos”. Seria possível? Como ficariam outras especificidades?
Há em curso uma tentativa de “confundir” os sistemas. Ao cruzar dados, misturam-se as categorias e, com isso, negam-se direitos adquiridos ao longo de muitos anos de luta e organização. Existe uma má gestão, temos dúvida se por incompetência ou por maldade. É pior quando num só governo se percebem as duas coisas juntas. São os riscos que estão colocados aos agricultores que não têm seu lugar reconhecido em uma ação “auxiliar”, isso implicará no aumento do desabastecimento alimentar e no crescente empobrecimento não só das cidades, mas também do campo.

Com quais condições será comprado 1 kg de carne pelo pobre, no próximo mês, custando mais de R$ 40,00? Como trocar um botijão de gás com o preço superior a R$ 80,00 pelo interior da Bahia? A aprovação sem vetos ao PL 735 não se trata de nenhum ato de heroísmo, senão de gerir com prudência inclusive o controle das inflações nos preços dos alimentos. No entanto, as ameaças de fome foram agravadas com os vetos do presidente. Além de negar o auxílio, nega também aporte a programas como o PAA, que cumpriu uma função fundamental na economia das famílias camponesas, na organização das comunidades, na aproximação entre quem produz e quem consome. Temos a responsabilidade de levar este debate para as organizações urbanas, para que compreendam que defender a Agricultura Familiar, os Fundos de Pasto, a Reforma Agrária, a Regularização dos Quilombos, os pescadores, as marisqueiras, é defender seu alimento. Não são lutas apenas de quem vive no campo, é uma luta de todos que têm o mínimo de responsabilidade com o futuro.

Como será a luta para derrubar os vetos?
Que o Brasil está em situação de crise financeira não se tem dúvida. A grande questão é: para quem é transferida esta responsabilidade? Como se diz no ditado popular a “corda só quebra do lado mais fraco”. Seguimos cientes do grande desafio que nos cabe enquanto organizações e movimentos sociais que não só negam no discurso, mas praticam, constroem e fortalecem todas as ações de solidariedade que o povo brasileiro carrega consigo, firmando lutas pela redução dos riscos à fome. São ações que requerem apoio e uma reação crescente dos povos das cidades, da roça, das águas e das florestas junto aos parlamentares e senadores.
 

Fonte: BdF Bahia

Edição: Elen Carvalho