A determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) em restringir as operações das polícias Militar e Civil no Rio de Janeiro não impediu as corporações de atuarem.
Desde o início das restrições, a partir de 5 de junho, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que 71 ações policiais foram justificadas pelas corporações e autorizadas pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais.
As ações policiais em plena pandemia têm ido na contramão do cenário otimista registrado após a determinação do ministro Edson Fachin, ampliada pela corte no último 17 de agosto, dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635.
Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, indicaram que o número de pessoas mortas pela polícia reduziu 76% no estado em relação a junho e julho do ano passado.
"Em grande parte das operações, eles (policiais) falaram que patrulhavam algum lugar, receberam tiros e foram revidar. A gente sabe que isso é mentira, porque monitoramos, os moradores nos relatam. Não faz sentido", relata Thainã Medeiros, que atua no Coletivo Papo Reto, no Complexo do Alemão.
Segundo o ativista, mesmo com a diminuição nas mortes e os avanços com a pouca presença de caveirões e helicópteros, é perceptível a retomada de “uma rotina de conflitos” no Complexo do Alemão.
"O que a gente tem observado é que o governo tem usado essa situação da ADPF 635 quando convém. Ontem teve um baita tiroteio na matinha, que é bem dentro do Complexo do Alemão. Para ter tiroteio ali é impossível a polícia estar passando e tomar tiro. Não. A polícia estava lá dentro”, explica, Medeiros, argumentando que o local do tiroteio é distante de onde os policiais fazem patrulhamento.
Na última semana, o governador Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), culpou a decisão do Supremo pelo aumento nos conflitos envolvendo facções criminosas e afirmou que a atuação da polícia está "limitada por decisão judicial".
Jaqueline Muniz, professora do Departamento de Segurança Pública, da Universidade Federal Fluminense (UFF), contesta o discurso de Witzel e relata que as operações nas favelas nunca chegaram a ser proibidas pelo SPF.
"O que o STF faz. Ele reproduz a doutrina internacional de polícia no uso da força: operações só devem ser usadas em caráter excepcional durante a pandemia. Portanto, ele não impediu a polícia de agir, não algemou a polícia. Fazer pirraça, bico, bater pé, mimimi, ou coitadismo porque tem que definir o que é excepcionalidade é no mínimo surpreendente, porque o que uma polícia tem que fazer é definir os modos de emprego de sua força em situações convencionais, ordinárias, cotidianas e em situações de excepcionalidade, que justificam a necessidade de unidades operacionais e táticas” explica Muniz, uma das principais vozes no debate sobre a segurança pública no Brasil.
No fim de maio, o alto índice de letalidade policial em plena pandemia foi o que motivou o pedido enviado ao Supremo por uma Coalizão de Entidades da sociedade civil.
Dados da Rede de Observatórios da Segurança indicaram que nos meses de abril e maio, as Polícias do Rio de Janeiro superaram o recorde de 1.810 mortes provocadas em 2019. Só em abril, o aumento de óbitos por intervenção policial foi de 57,9%.
Para Muniz, quanto mais se emprega operações, menos fôlego a polícia tem de produzir controle sobre territórios, o que abre espaço para o domínio por parte de milícias e pelo Comando Vermelho nas comunidades.
“A impressão que dá é que policiamentos no Rio foram sendo leiloados e privatizados de forma clandestina e ilegal. A polícia foi abandonando sua razão de ser, que é produzir controle sobre território e sobre a população, e passam a ingressar no território para ações pontuais, cujo efeito é limitado no tempo e no espaço”, define.
Questionado sobre os pontos abordados nesta matéria, o Instituto de Segurança Pública do RJ não respondeu até o momento da publicação.
Edição: Rodrigo Durão Coelho