Coronavírus

Mulheres negras são as mais afetadas pelas condições impostas pela pandemia

Para a professora do IFCE, Rafaella Florencio, isso se dá pela condição de vida da população negra

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Para Rafaella, a pandemia só agravou uma desigualdade que é social, a doença desvela as desigualdades, o machismo e o racismo. - Foto: Governo do Estado do Rio de Janeiro

“Penso que é muito simbólico o fato da primeira brasileira a morrer no Brasil por conta da covid-19 ter sido uma mulher negra que era empregada doméstica”. Quem traz a reflexão é a professora do Instituto Federal do Ceará (IFCE) e ativista do movimento Negro, Rafaella Florencio. 

“A patroa vai à Europa, volta com a covid-19, não tem os cuidados devidos. A patroa sobrevive, entretanto, a empregada doméstica falece por conta da covid-19 e isso nos traz de imediato algumas reflexões que partem de uma perspectiva histórica, mas que são desafios da contemporaneidade, que é o lugar da mulher negra no mercado de trabalho”, diz a ativista ao relembrar o caso.

Segundo Rafaella, é possível dizer que o coronavirus afetou mais a vida das mulheres do que dos homens e a justificativa para isso, de acordo com ela, está na própria forma como a nossa sociedade se organiza a partir de uma perspectiva patriarcal, na qual recai sobre as mulheres a tarefa do lar, a tarefa do cuidado, seja com os filhos, seja com os mais velhos, seja com os companheiros.

“Se a gente pegar os dados sobre a pauperização no Brasil, no que diz respeito à saúde, à educação, à assistência social, qualquer que seja o dado, nós vamos observar que o elo mais frágil dessa sociedade, que é tão desigual, é sempre composto, na sua grande maioria, por mulheres negras. Na grande maioria das vezes elas são também chefes das suas famílias”.

A ativista explica que a covid-19 e, especificamente o isolamento social, mostrou o quanto a nossa sociedade é desigual e o quanto a essa população negra, em especial as mulheres negras, há uma fragilização das garantias mínimas. “As pessoas voltaram a passar fome, as pessoas voltaram a morrer na porta dos hospitais, o que é um retrocesso histórico na verdade”.

De acordo com Rafaella, há um boletim epidemiológico da Secretaria de Vigilância e Saúde, de 2017, que diz que entre os grupos que podem ter índices de propensão para determinadas doenças, os negros vão ter os piores índices. São doenças como: hipertensão, diabetes, doenças cardíacas e asmas. Essa propensão, de acordo com ela, se dá pelo estilo e pela condição de vida, “ou seja, pelos próprios trabalhos que ocupam, pela própria cultura alimentar muito pobre na grande maioria das vezes em proteínas e muito rico em carboidrato. Está muito ligado a essa questão do acesso e da cultura alimentar”.

A professora lembra que os quadros de hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e asma são considerados pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS) como quadros de riscos da covid-19. “Portanto, a população negra brasileira compõe muito mais esse grupo de risco do que a população branca, dado seu histórico alimentar e de trabalho, de condição de vida”.

Outros dados que Rafaella apresenta são de um estudo, de março deste ano, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que diz:  no que diz respeito às condições de vida, na questão de saneamento, de condições estruturais, as mulheres negras são na grande maioria das vezes mais prejudicadas. De acordo com ela, 40% das mulheres negras não têm acesso a esgoto. Esses são fatores que vão influenciar no número de óbitos causados pelo coronavírus.

Rafaella também apresenta alguns dados que mostram como as mulheres são tratadas dentro dos equipamentos de saúde. “Existe uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2007 que mostra que as mulheres negras em atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, recebem menos atenção, menos medicação”. 

“O que a gente pode perceber, na verdade, é que o número de pessoas negras que morrem, o número de mulheres negras, pois é um número expressivo de mulheres negras que morrem em decorrência da covid-19, é fruto também de um processo de exclusão social, ou seja, também é fruto do racismo”, acrescentou a professora.

Para ela, a pandemia só agravou uma desigualdade que é social, a doença desvela as desigualdades, o machismo e o racismo. “Pensar sobre a mulher negra e o impacto pela covid-19 é necessariamente pensar na própria estrutura do Brasil e como essa mulher negra vem sendo posta. Qual é lugar que lhe é dado dentro desse processo histórico”.

Covid-19 no Ceará

Segundo os dados da plataforma IntegraSUS, o estado do Ceará já acumula um total de 8.364 óbitos devido ao coronavírus, uma média de 54,31 óbitos por dia. Desse total, 3.389 foram de mulheres.  A maior incidência de mortes entre as mulheres foi na faixa etária de 80 anos ou mais, com 1.221 mortes. Já sobre os casos confirmados, o Ceará registra 210.636 casos. As mulheres somam 115.295 casos, com maior concentração entre 30 e 34 anos, com um total de 12.624.

A plataforma IntegraSUS também divide a quantidade de números confirmados de covid-19 pode raça e cor. Os maiores números de casos confirmados são de pardos, com 115.902, seguido por brancos, com 31.721, e, em terceiro lugar, aparece amarela, com 25.758. Em seguida, preta, com 4.541, e indígenas com 891. 

Fonte: BdF Ceará

Edição: Monyse Ravena