Cerca de 70% dos trabalhadores e trabalhadoras dos Correios entraram em greve, desde a última sexta-feira (21), depois que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), derrubou uma decisão de 2019 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que garantia direitos trabalhistas para os funcionários até outubro de 2021.
A ação dos trabalhadores junto ao TST no ano passado foi uma medida alternativa, já que, segundo as entidades que representam as categorias de funcionários, não havia disposição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para negociar direitos. Mesmo sem reajuste salarial, a medida foi contestada pelo governo federal.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares do Rio de Janeiro (Sintect-RJ), Ronaldo Martins, disse que o STF tem uma agenda liberal e trabalha pela aceleração da privatização dos Correios, por isso a Corte acatou o pedido de Bolsonaro.
"Lamentamos a postura do STF, que fez mais um julgamento político do que propriamente legal, desrespeitando outro tribunal. É uma decisão para facilitar a privatização, já que o governo pretende entregar para o setor privado uma empresa sem nenhum tipo de direito e benefício para o trabalhador. Assim, fica mais barato", afirma Martins.
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Entre as mais de 70 cláusulas derrubadas, das 79 que compõem o acordo de 2019, estão direitos como o que aumentava de 20% para 60% o adicional noturno; o que dividia a participação de custos de planos de saúde entre os Correios e os trabalhadores; a manutenção do vale cultura e do auxílio creche, entre outras conquistas.
"O presidente dos Correios tem salário de R$ 47 mil e outro salário de R$ 24 mil como general. Mas ele sustenta que os trabalhadores dos Correios, que ganham R$ 1,9 mil, querem manter privilégios. Esses direitos que teríamos até o ano que vem eram para aliviar as nossas contas, já que nosso salário não é alto", critica Martins.
Pandemia
Para o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (ADCAP), Marcos César Alves, a pandemia da covid-19 agravou uma situação que já era crítica há anos para os trabalhadores. A falta de concursos desde 2011 e a negação do governo federal para chamar aprovados se tornaram uma bomba-relógio no contexto da doença.
"Apesar do volume de cartas estar diminuindo, aumentou muito o volume de encomendas em razão do comércio eletrônico. Com encomendas mais pesadas, aumentou o trabalho do carteiro, por exemplo. Mas sem reposição de vagas e com trabalhadores em casa por terem sido infectados, o trabalho ficou ainda mais acumulado", conta Alves.
Na linha de frente do trabalho nas ruas, o presidente do Sintect-RJ revelou que até recentemente a empresa não fazia higienização regular das agências e não disponibilizava todos os EPIs (equipamentos de proteção individual) para evitar a infecção. Esse direito, segundo ele, teve que ser reivindicado na justiça. "Entramos com liminar porque vimos companheiros morrendo por falta de proteção", lamenta Ronaldo.
Privatização
Aos 357 anos, sendo um dos serviços públicos mais antigos do Brasil, os Correios entraram na mira do plano de privatização de estatais de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo a ADCAP, os poucos países que privatizaram o serviço passam agora por problemas de custo para o consumidor e alcance das entregas.
"Em nenhum lugar em que houve privatização dos correios o serviço postal ficou mais barato ou teve maior abrangência. É exatamente o contrário: toda vez que privatizou, ficou mais caro e houve redução de atendimento. Aconteceu na Alemanha, em Portugal, na Inglaterra e na Argentina", afirma Marcos Alves, da ADCAP.
Para o presidente do sindicato da categoria no Rio de Janeiro, a extensão continental do país vai dificultar a entrega se apenas empresas privadas assumirem o serviço. Os Correios não têm nenhum tipo de monopólio ou exclusividade no Brasil, mas acabam fazendo um trabalho que muitas vezes as empresas privadas se recusam a fazer.
"Como você vai privatizar uma empresa que tem lucro ano após ano e que chega aos mais de 5.500 municípios do Brasil? Sabe como as empresas de entrega privada, que só querem trabalhar nas capitais, fazem quando precisam entregar uma encomenda no interior do país? Elas postam nos Correios", sintetiza o presidente do Sintect-RJ.
Marcos Alves, da ADCAP, acrescenta que o plano de privatização não beneficia ninguém, com algumas poucas exceções: "Quem ganhará com este processo serão apenas as consultorias e bancos de investimento, que cuidarão dos estudos, e os investidores que comprarem um ativo valioso a preço de banana, como quer vender o atual governo, que não poupa esforços para depreciar os Correios".
Dados sobre correios no mundo:
As tarifas de cartas no Brasil estão entre as menores do mundo, apesar da extensão territorial do país;
No mundo, apenas 8 países têm correios totalmente privados e a soma da área de todos esses países é menor que o estado do Mato Grosso. São eles: Aruba, Singapura, Grá-Bretanha, Líbano, Malásia, Malta, Países Baixos e Portugal;
Alemanha e Japão têm o serviço de correios com capital aberto, mas com forte papel do Estado.
Números dos Correios no Brasil:
Não há monopólio dos Correios para o serviço de encomendas;
Os Correios são líderes de mercado para encomendas de até 30 kg;
Os Correios estão presentes nos 5.570 municípios brasileiros;
1,2 milhão de encomendas entregues por dia;
Quase 12 mil agências de atendimento;
300 toneladas de cargas aéreas transportadas por dia;
300 mil empregos diretos e indiretos, considerando quadro próprio (99,5 mil), franqueados, transportadores e fornecedores;
24 mil veículos próprios (1 milhão de quilômetros rodados por dia).
Fonte: ADCAP
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse