Em uma história rocambolesca, o empresário João Faria da Silva, do interior de São Paulo, é o principal beneficiado pelo despejo do Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG).
A fazenda Ariadnópolis pertencia à massa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), antiga administradora da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A. A empresa quebrou nos anos 90 e os funcionários, sem receber salários e verbas indenizatórias, acabaram permanecendo na terra.
A massa falida da empresa pediu a reintegração de posse em 2011, mas o processo ganhou força a partir de 2016, quando foi anexado um plano de recuperação judicial que incluía o arrendamento de parte dos 3.195 hectares da Fazenda Ariadnópolis para a Jodil Agropecuária e Participações Ltda.
O contrato de parceria para exploração agropecuária firmado em 2016 entre a massa falida da Capia e a Jodil Agropecuária é válido por sete anos.
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A Jodil é uma das empresas de Faria, dono também da Jodil Participações, da Terra Forte Exportação e Importação de Café e de um quarto CNPJ em seu nome completo, como produtor rural em Garça (SP). Faria também é dono da Campneus, maior revendedora brasileira da Pirelli, que não faz parte do pedido de recuperação, assim como bens pessoais. Ele já foi capa de uma revista chamada Gente Muito Importante.
Desde o ano passado, a história ganhou mais um ingrediente judicial. O grupo empresarial entrou em recuperação judicial. Sua dívida total é calculada em R$ 1,8 bilhão. No processo que tramita no Judiciário paulista, em Campinas, estão cadastrados 358 credores. Entre eles, além de bancos e cooperativas de crédito, oito cooperativas de produtores de café, além de funcionários em busca de seus direitos trabalhistas.
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Com dívida bilionária, o patrimônio de Faria tende a ficar uma casa decimal abaixo. Só em Campo do Meio são duas fazendas de produção de café, que somam mais de 1.600 hectares e estão avaliadas em mais de R$ 100 milhões, em valor de mercado. A Terra Forte é uma das maiores comercializadoras de café no Brasil, exportando 2,5 milhões de sacas por ano, equivalentes a 6,5% de todo o café exportado pelo Brasil.
O grande produtor e exportador ameaça um projeto de café orgânico de qualidade, produzido por famílias assentadas: o Guaií (“semente boa”, no idioma guarani). O processo de produção foi iniciado há oito anos, abolindo o uso de insumos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas. O café é produzido por uma cooperativa de vinte famílias, em sistema de mutirão. A colheita anual é de 510 toneladas.
Empresário é citado na operação Rosa dos Ventos
Faria também foi citado, assim como a Jodil Agropecuária, em um relatório complementar da Operação Rosa dos Ventos, da Polícia Federal, produzido em 2018. A operação investigava o empresário Miceno Rossi Neto, flagrado em esquema de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal em Campinas.
Faria é citado no relatório por causa da sociedade que detém, junto à Jodil Agropecuária, na empresa Voar Participações, criada em 2014, de compartilhamento de aeronaves.
A empresa operava um jato executivo Bombardier Learjet 45, pertencente a Rossi Neto, e um helicóptero Helibrás Esquilo AS-350, de Faria. No acerto da sociedade, Faria ficou com 40% da empresa, em razão de o avião ter um valor maior de mercado.
O nome de Miceno, no entanto, não aparece entre os sócios. Em seu depoimento à PF, Faria diz que foi usada uma offshore, a Victory Ltd, administrada pelo piloto da aeronave, Marcos Antonio Lauria, funcionário de Miceno. Segundo o relatório da PF, Lauria tinha uma procuração da Victory para firmar contratos, constituir sociedades e abrir contas bancárias.
Junto à procuração havia um manuscrito, também apreendido, que lista algumas empresas da organização criminosa com pendências a serem sanadas, como a BioAgro, Capital Brasil, Denver, Usina São Paulo e AD Importação e Exportação, todas do grupo de Miceno. Ligado ao setor de combustíveis, Miceno é dono de usinas sucroalcooleiras no interior paulista.
Faria aparece no processo criminal a respeito do caso, que tramita na Justiça Federal em Campinas, quando tentou liberar o jato de um confisco judicial. Mas o pedido não deu certo e a aeronave acabou indo a leilão. Atualmente está em nome de outros três empresários do interior paulista. O helicóptero está registrado atualmente em nome de um banco.
Campanhas querem reconstruir escola e boicote a marcas
A Associação dos Agricultores Familiares do Assentamento Primeiro do Sul lançou uma campanha para a reconstrução da Escola Popular Eduardo Galeano. O prédio onde ficava a escola foi destruído durante a ação de despejo da semana retrasada. O nome é uma homenagem ao jornalista e escritor uruguaio, conhecido pelo livro As Veias Abertas da América Latina.
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A Comissão Organizadora da I Conferência Nacional, Popular, Autônoma por Direitos, Democracia e Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional divulgou uma nota contra o despejo, em que destaca a importância da ocupação para o sustento das famílias e também a importância da produção agroecológica no local:
"No Quilombo Campo Grande há uma diversificada produção e comercialização de alimentos livres de agrotóxico. São colhidos anualmente mais de 510 toneladas do café agroecológico Guaií, que em guarani significa semente boa, e é reconhecido nacionalmente pela sua qualidade. O grupo de mulheres acampadas Raízes da Terra cultiva sementes agroecológicas e hortas medicinais. O acampamento faz parte do Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, uma ação do MST cuja meta é incentivar as famílias assentadas e acampadas, e a sociedade em geral, a plantar 100 milhões de árvores pelo país nesta década, recuperando áreas degradadas e disseminando a cultura das agroflorestas e dos quintais produtivos.
O despejo também reforçou a campanha “No meu bule não”, que existe desde 2018, de boicote às empresas que compram café produzido ou distribuído pelas empresas de Faria. O material de divulgação tem reportagem do De Olho nos Ruralistas sobre o caso, publicada em novembro de 2018, como uma das fontes: “Maior produtor de café do Brasil avança sobre fazenda ocupada há 20 anos por famílias sem-terra".
Faria vende café para gigantes do setor alimentício
Nestlé e Jacob’s Douwe Egberts, dona das empresas Douwe Egberts e da Mondeléz, são as principais compradoras das empresas de Faria, segundo informações divulgadas por ele em entrevistas.
As duas empresas já foram denunciadas à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por manter fornecedores que exploram o trabalho escravo em sua produção. A denúncia cita fazendas de café na Bahia e em Minas Gerais.
A multinacional suíça Nestlé é uma das maiores empresas alimentícias do mundo, com diversas marcas de bolachas, iogurtes, chocolates, lácteos, sorvetes e cafés. Suas principais marcas de café no Brasil são Nescafé, Nespresso e Dolce Gusto. A holandesa Jacobs Douwe Egberts é a fusão das áreas de café da Douwe Egberts com a estadunidense Mondeléz.
A Mondeléz é dona da Lacta no Brasil, com marcas como Bis, Diamante Negro, Toblerone, além de Halls, Trident, Bubbaloo, Royal, Philadelphia, Trakinas, Oreo, Chocolícia e Tang, entre outras. A Jacobs Dowe Egberts é dona das marcas de café Caboclo, Pelé, do Ponto, Damasco, Moka, Pilão, Seleto, além de marcas internacionais como LOR, Jacobs Coffee, Douwe Egberts, Senseo, Tassimo, Moccona, Kenco, Pickwick, além de outras. No Brasil, ela também representa a marca italiana illy.
A Jacobs Douwe Ebberts pertence hoje ao grupo alemão JAB Holdings, da família Reimann, uma das mais ricas da Alemanha. O grupo tem investido numa estratégia pesada de desenvolvimento no setor de café. No ano passado, foi revelada a ligação do clã com o nazismo. Além de filiados ao partido de Hitler, os Reimann exploraram trabalho forçado de prisioneiros franceses e russos em suas empresas. A Nestlé também admitiu participação no mesmo crime no período.