Mesmo com todos os protocolos de segurança sendo seguidos, a volta às aulas em São Paulo causaria contaminação pela covid-19 em até 46,35% dos estudantes e professores após três meses. Isso considerando apenas estudantes dos ensinos fundamental e médio. Mesmo seguindo as regras estabelecidas pelo governo João Doria (PSDB), de até 35% dos alunos participarem das atividades presenciais de cada vez. E partindo de apenas uma pessoa infectada. A projeção é o resultado de um estudo com simulação do contágio pelo novo coronavírus, realizado por pesquisadores de sete universidades de três países.
O levantamento analisa a proposta de volta às aulas no estado de São Paulo. Segundo a pesquisa, seria necessário um limite de presença de 6,86% dos estudantes para garantir a segurança da comunidade escolar, o que tornaria a reabertura das escolas inviável. As simulações utilizaram dois tipos de escolas, com base em dados do Censo Escolar 2019: uma de periferia, com espaços menores e maior quantidade de alunos (comprimida); e outra em bairro rico, com ambiente espaçoso e menos estudantes (dispersa).
Os testes consideraram que a maioria das pessoas respeitaria as regras de higiene, o uso de máscaras e o distanciamento social de 1,5 metro. E que só haveria três cruzamentos entre elas por dia: na entrada, na saída e no recreio. As simulações foram repetidas 100 vezes. O percentual de contágio apresentado equivale à média dos resultados dessas experiências.
Fatores de risco
No caso da escola de periferia, foi considerada uma volta às aulas com 307 pessoas no ambiente escolar, entre estudantes, professores e outros trabalhadores da educação. Mesmo que a maioria das pessoas respeitasse os protocolos de higiene e distanciamento, uma única pessoa infectada no ambiente levaria à contaminação de 46,35% das pessoas, em 60 dias de aula – cerca de três meses. Destes, 0,3% poderiam ir a óbito. “O risco de uma dinâmica de infecção generalizada no ambiente escolar é elevado, mesmo que a partir de apenas um agente infectado”, destacam os pesquisadores.
Na outra escola, foi considerada a presença de 110 pessoas. Com as mesmas condições sendo respeitadas, ainda se chegou a uma média de 10,76% de infectados pela covid-19 em 60 dias de aula. O potencial de infecção cai consideravelmente conforme se reduz o número de estudantes, professores e outros trabalhadores da educação. Para que haja garantia de segurança da comunidade a escolar, a volta as aulas teria de considerar um máximo de 6,86% dos estudantes, na escola de periferia, e até 20,27% dos estudantes na escola em bairro rico.
A situação poderá ser ainda pior, considerando os achados recentes de pesquisas sobre a infecção de crianças pelas covid-19. Estudo da Universidade de Harvard, no Estados Unidos, mostrou que as crianças, mesmo não apresentando sintomas, carregam uma quantidade de vírus maior do que adultos em situações graves que foram internados. E o inquérito sorológico da prefeitura revelou que as crianças têm sido mais contaminadas e são mais assintomáticas que os adultos.
Sem condições para a volta às aulas
Diante dos resultados, os pesquisadores avaliam que não há condições para a volta às aulas em São Paulo. Doria projetou a volta às aulas, inicialmente, para 8 de setembro. Como a situação da pandemia não melhorou o suficiente, o governador afrouxou as regras e adiou o retorno para 7 de outubro, mas abriu a possibilidade de as escolas reabrirem em setembro, para aulas de reforço e outras atividades. Assim, o governo paulista cedeu, em parte, à pressão das escolas privadas.
“Tem sido muito difícil conviver com o fechamento das escolas, mas os nossos resultados indicam que esta ainda é a única alternativa segura e responsável. Esta é uma responsabilidade a ser assumida pelo governo, é errado querer terceirizar a decisão de volta às aulas para as famílias. Reabrir escolas coloca vidas em risco ao mesmo tempo em que aumenta as desigualdades educacionais, pois onde é maior o risco, menor será a adesão das pessoas”, explicou Salomão Ximenes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC) e participante do estudo.
A educação em São Paulo envolve 13,3 milhões de pessoas, entre estudantes, professores e outros trabalhadores, correspondente a 32% da população do estado. Destes, 2,3 milhões estão na educação infantil, 7,6 milhões nos ensinos fundamental e médio, 2 milhões no ensino superior, 1 milhão na educação complementar e 428 mil no ensino profissional. O que torna a voltas às aulas um risco pra toda sociedade, não apenas estudantes e professores.
Em nota, o governo Doria informou que ainda não teve conhecimento do estudo. “O Governo de São Paulo ainda não teve acesso ao estudo citado pela reportagem. As datas previstas para retomada das aulas pela Secretaria de Estado da Educação têm aval de especialistas do Centro de Contingência do coronavírus de São Paulo, mas podem ser alteradas segundo avaliações diárias de dados epidemiológicos e capacidade hospitalar nas 645 cidades paulistas”, diz o texto.
Grupo interdisciplinar
O simulador está disponível para acesso das comunidades escolares e famílias, que poderão fazer projeções com base em informações reais das escolas e avaliar os eventuais riscos da volta às aulas. É preciso informar se a escola é do tipo dispersa ou comprimida, se os protocolos de higiene e distanciamento social são respeitadas pela maioria das pessoas, por metade das pessoas ou pela minoria das pessoas. A ferramenta é uma adaptação do simulador de dispersão do vírus desenvolvido pelo grupo Ação Covid-19 para cidades e bairros, e usado para estimar tendências de evolução da pandemia no Brasil.
O simulador de dispersão do coronavírus em ambientes escolares foi desenvolvido em parceria entre o grupo interdisciplinar Ação Covid-19 e a Rede Escola Pública e Universidade (Repu). E reuniu pesquisadores da UFABC, Universidade de Bristol (Inglaterra), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Escola de Aviação do Exército (Colômbia) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).