Após cinco anos de tramitação no Congresso Nacional, o Senado aprovou por votação simbólica, na última quinta-feira (13), o Projeto de Lei (PL) nº 209/15, que tem como um dos principais pontos redistribuir as receitas geradas pela União na comercialização de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos das áreas do pré-sal. Dessa maneira, o PL autoriza o corte pela metade os recursos destinados ao Fundo Social do Pré-sal, que se configura como uma espécie de poupança para áreas prioritárias como saúde e educação.
Pela Lei 12.351, de 2010, metade dos capitais que entram no Fundo Social do Pré-Sal devem ser empregados no desenvolvimento regional e social por meio de investimentos nas áreas de ciência e tecnologia, cultura, esporte, meio ambiente e saúde pública. A outra metade deve financiar a educação pública, de acordo com a Lei 12.858, de 2013, para que se cumpram as metas no Plano Nacional de Educação (PNE).
O Fundo Social do Pré-Sal já arrecadou, de 2015 até 2019, cerca de R$ 48,7 bilhões. O uso desse recurso depende de regulamentação e apenas o setor de educação recebeu sua parcela correspondente. Para este ano de 2020, de acordo com a Consultoria de Orçamento da Câmara, estão previstos R$ 8,8 bilhões, o que representaria 7,5% do orçamento do Ministério da Educação.
Entretanto, caso seja sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o PL de autoria do ex-senador e atual governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO), reduzirá pela metade esses recursos. As receitas provenientes da comercialização de petróleo e gás natural do pré-sal passarão a ser divididas entre o próprio Fundo Social (50%); os fundos de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FPM) (30%); e o Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e de Escoamento da Produção (Brasduto).
De acordo com estimativas do Ministério da Economia, das quais a reportagem do Estadão teve acesso, a perda para a educação e saúde pode chegar a R$ 242 bilhões nos próximos 20 anos. Esse valor representaria mais do que o dobro do atual orçamento destinado à pasta de Educação.
Para a socióloga e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Carla Ferreira, retirar investimentos estatais de áreas estratégias é motivo de preocupação, principalmente no período de pandemia do novo coronavírus.
“Neste momento, de crise fiscal aguda, qualquer redução de recursos é particularmente mais preocupante. Ainda mais em se tratando de áreas de tamanha relevância como a educação e a saúde. Soma-se a isso o fato de estarmos diante de uma pandemia que não tem horizonte de superação, o que faz com que investimentos para área da saúde sejam ainda mais importantes”, avalia.
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Na Câmara Federal, o projeto havia sido acrescido de uma emenda, que destinava 30% das receitas da comercialização do petróleo e gás natural do pré-sal para o Fundo Social, 20% para a União, 30% para os fundos de Participação dos Estados (FPE) e Municípios (FM), e 20% para o Brasduto. Entretanto, vinculava diretamente os recursos da União, dos estados e dos municípios a investimentos em educação e saúde.
Na votação da última quinta-feira (13), o Senado rejeitou a emenda da Câmara, o que permite que os recursos sejam gastos com despesas correntes. “Mas vale dizer que os recursos do FPE e FPM compõem a base de cálculo dos mínimos constitucionais para educação e saúde. Deste modo, como é uma proporção, se houver aumento nas receitas destes fundos, haverá um rebatimento no investimento também destas áreas”, pondera Ferreira.
Além das receitas advindas da comercialização de petróleo, gás natural e de outros hidrocarbonetos, o Fundo Social do Pré-Sal também é constituído pelas parcelas do valor do bônus de assinatura dos contratos de partilha de produção; parcela dos royalties que cabe à União nos contratos de partilha; royalties e as participações especiais das áreas localizadas no pré-sal contratadas sob o regime de concessão destinados à administração direta da União.
Brasduto
Líderes partidários afirmam que o trecho que trata da criação do Brasduto será vetado por Bolsonaro. A equipe econômica do governo, liderada pelo ministro Paulo Guedes, discorda da proposta e aposta que a abertura do mercado de gás natural será suficiente para atrair investimentos de infraestrutura necessários para a expansão dos gasodutos.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já afirmou que colocará em votação, na próxima terça-feira (25), o novo marco legal para o mercado de gás natural. Apelidado de “Nova Lei do Gás”, o Projeto de Lei 6407/13 é a aposta do governo para o aumento exponencial de gás natural oriundo da exploração do pré-sal.
Pela falta de infraestrutura de escoamento, desde 2018 o Brasil tem injetado um volume de gás natural maior do que o importado da Bolívia. Além disso, essa operação aumenta a produção de petróleo nos campos ao elevar a pressão e, consequentemente, facilitar a extração de óleo bruto de petróleo.
A principal proposta do governo contida na “Nova Lei do Gás” é a mudança do regime de outorga - que passa de concessão para autorização. Atualmente, qualquer empresa interessada em investir no setor de gasodutos precisa vencer um leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No novo regime, entretanto, bastará ter um projeto aprovado pela agência.
Essa alteração abarca a construção de novos dutos, além da distribuição, transporte, importação, exportação, estocagem subterrânea, escoamento e tratamento do gás natural. Com isso, o projeto pretende retirar o papel de protagonismo dos estados, responsáveis atualmente pela distribuição e regulação dos dutos.
Além disso, o PL escanteia a centralidade da Petrobrás. Em junho de 2020, os campos da estatal foram responsáveis por cerca de 95% de todo o gás natural produzido no país. Durante a pandemia, todavia, a Petrobrás anunciou a venda da Unidade de Processamento de Gás Natural (UPGN) de Alagoas e de uma série de campos de águas rasas e terrestres ao longo do litoral brasileiro, especialmente o nordestino.
Risco hidrológico
O PL nº 209/15 também regula um impasse gerado nos últimos anos pelo risco hidrológico, que se configura como a diferença entre a expectativa de geração de eletricidade e a energia de fato. O PL isenta os consórcios controladores de hidrelétricas de pagarem multas ao não entregarem a quantidade mínima de energia estabelecida nos contratos, quando os motivos forem “não hidrológicos”.
Em todo leilão, os consórcios vencedores se comprometem a oferecer uma quantidade mínima de eletricidade, que é calculada a partir da média dos reservatórios ao longo do ano. Com isso, as geradoras podem comercializar o excedente no mercado livre, mas também precisam desembolsar recursos para adquirir energia de outras fontes quando não consegue entregar o volume mínimo estabelecido no contrato.
O projeto passa a desobrigar de responsabilidades os consórcios quando os motivos que levaram a esse déficit de eletricidade forem “não hidrológicos”. Eles se referem ao acionamento de termelétricas por opção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), importação esporádica de energia de outros países e atraso na entrega de linhas de transmissão previstas.
O governo espera, com isso, liberar cerca de R$ 9 bilhões que estão travados no Mercado de Curto Prazo (MCP) por conta de ações judiciais dos geradores de energia elétrica, que contestaram a obrigação de pagamento da quantidade mínima de energia acordada nos contratos.
Por fim, o PL também prevê multas indenizatórias às distribuidoras pela interrupção no fornecimento de energia elétrica, que serão pagas em dinheiro ou descontadas nas contas dos consumidores pelo prazo máximo de três meses. As multas deverão ser aplicadas quando for superado o valor limite de indicadores de qualidade de serviço prestado.
Fonte: Sindicato Unificado - SP
Edição: Mariana Pitasse