JUSTIÇA

Entenda como andam as investigações do caso George Floyd, 2 meses após o assassinato

Episódio de violência policial contra homem negro impulsionou levante antirracista em todo o mundo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Transcrições que constam em documento divulgado em julho mostram as últimas palavras de George Floyd para Dereck Chauvin - Foto: Timothy A. Clary/AFP

O julgamento dos quatro policiais envolvidos no assassinato de George Floyd terá início apenas em 2021. Segundo a decisão anunciada no fim de junho pelo juiz Peter Cahill, do Condado de Hennepin, onde está localizada a cidade de Minneapolis, o primeiro julgamento está marcado para 8 de março. 

Ao pronunciar a data, Cahill afirmou que ainda não decidiu se os agentes serão julgados de forma individual ou conjunta. Derek Chauvin, o policial que sufocou o homem negro com o joelho, é acusado de homicídio em segundo grau, o equivalente ao homicídio doloso, quando há a intenção de matar. Ele aguarda julgamento em uma prisão de segurança máxima, com uma fiança estabelecida pela Justiça de US$ 1,25 milhão.

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Os outros três ex-policiais envolvidos, Thomas Lane, Tou Thao e J. Alexander Kueng, foram indiciados como cúmplices do crime. Inertes, eles acompanharam o momento em que Chauvin sufocava Floyd e nada fizeram para impedir o ato. 

Até o momento, eles foram ouvidos em uma única audiência no dia 29 de junho, na qual Chauvin participou por videoconferência. A morte de George Floyd em 25 de maio foi o estopim de manifestações antirracistas em dezenas de países contra a violência policial e segue fomentando discussões públicas sobre a questão.

Novos fatos

Informações inéditas da abordagem abusiva e dos ex-oficiais envolvidos no crime trouxeram novos elementos para a investigação ao longo dos últimos dois meses. No início de julho, por exemplo, foram divulgadas as transcrições das imagens de uma câmera presa ao uniforme de Lane, que filmou toda a ação.

O vídeo não foi compartilhado pela Polícia de Minneapolis por fazer parte da investigação. No entanto, o documento com 80 páginas mostra claramente como Chauvin e os demais oficiais tomaram decisões que levaram à morte de Floyd.

De acordo com as transcrições, George disse 20 vezes que não conseguia respirar, mas teve as súplicas ignoradas durante toda a abordagem. “Meu estômago dói, meu pescoço dói, tudo dói. Eu preciso de água, por favor. Eu não consigo respirar. Você vai me matar”, foram as últimas palavras da vítima.

As frases das transcrições ganharam ampla repercussão, assim como a resposta de Derek Chauvin enquanto pressionava o pescoço do homem de 46 anos contra o asfalto: “Então pare de falar, pare de gritar, você precisa de muito oxigênio para falar”, disse o policial. Logo depois, Floyd repete “por favor, por favor”, segundos antes perder a consciência.

As transcrições foram apresentadas na corte pela defesa de Thomas Lane, que argumenta que o policial estava apenas seguindo ordens de Chauvin, o policial mais experiente.

Lane aguarda julgamento em liberdade após pagar uma fiança no valor de US$ 750 mil, o equivalente a R$ 3,7 milhões, no último dia 10 de junho. A verba foi angariada por meio de uma vaquinha online. J. Alexander Kueng também conseguiu pagar a fiança. Apenas Chauvin e Tou Thao continuam detidos.

Decisões

Também no início dessa semana, dia 21 de julho, o juiz responsável pelo caso em Minnesota suspendeu os efeitos de uma determinação que impedia os ex-policiais e suas respectivas defesas de se manifestarem sobre o caso durante a investigação. 

Peter Cahill declarou concordar com os argumentos dos advogados de que sem o poder de manifestação, a capacidade de defesa dos policiais contra criticas estaria limitada. Por outro lado, o juiz disse que consideraria o pedido de meios de comunicação para que as imagens das câmeras presas aos uniformes dos policiais fossem divulgadas. Ele pontuou que a determinação não estava surtindo efeito já que os veículos de imprensa conseguiam acesso e informações a partir de fontes anônimas. 


Manifestações em repúdio ao assassinato de Floyd em Minneapolis chamaram atenção mundial (Foto: Stephan Maturen/Getty Images/AFP)

Há ainda uma discussão em relação a transferência do julgamento para outro Tribunal. Segundo registra reportagem da Reuters, a defesa dos antigos agentes de segurança podem solicitar a mudança com base no argumento que as autoridades de Minneapolis, como o chefe de polícia e outros funcionários, já falaram publicamente sobre o episódio classificando-o como homicídio.

Além dos posicionamentos, considerados desvio das normas pela defesa dos réus, a os advogados podem argumentar que as intensas manifestações dos moradores de Minneapolis contra a brutalidade policial podem intimidar as autoridades envolvidas.

Outro modelo

A repercussão do assassinato trouxe à tona discussões sobre alterações estruturais na polícia de Minneapolis. Em junho, um mês após a morte, a maioria dos integrantes do Conselho da Cidade defendeu acabar com o departamento de polícia local da forma que é hoje. A proposta apresentada por unanimidade pela Câmara Municipal prevê a substituição da polícia por uma nova agência, Departamento de Segurança Comunitária e Prevenção da Violência.

O desmantelamento deve ser aprovado pelos eleitores, que assim como as autoridades, participaram da segunda audiência pública sobre a proposta na última terça-feira (21). No mesmo dia, a Câmara aprovou uma série de medidas contra a violência policial, entre elas a proibição do estrangulamento e da “contenção pelo pescoço”, manobra de sufocamento usada contra George Floyd.

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Além de Minneapolis, outros governos dos Estados Unidos também declaram que pretendem proibir a prática. Entre eles, o governador Gavin Newson, da Califórnia, que afirmou que encerrá o treinamento da polícia com manobras de sufocamento como a que mataram Floyd. No estado de Nova York, o governador Andrew Cuomo também propôs abolir o ato.

As novas orientações para os policiais do município onde ocorreu o crime também estabelecem que, em caso de força excessiva, os demais oficiais devem interceder para interromper o policial responsável pelo abuso. Os oficiais também receberão formações para lidar com questões relacionadas à saúde mental.


Ativistas em Minneapolis protestaram por dias após o assassinato de George Floyd / Foto: Chandan Kandam/AFP

Em todos os EUA

As reivindicações pelo desmantelamento da polícia estadunidense em nível nacional, é uma bandeira carregada há décadas por ativistas negros e outros movimentos sociais. Mais do que transformações na atuação e nas abordagens policiais, a exemplo do processo iniciado em Minneapolis, os grupos têm defendido o desfinanciamento dos aparatos policiais nas cidades. Eles alegam que, principalmente em meio à pandemia da covid-19, o orçamento destinado às corporações poderia ser voltado para a população.

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O levante antirracista após o assassinato de Floyd obrigou Trump a olhar para a questão. No dia 16 de junho, de forma vaga e sem falar sobre racismo, o presidente anunciou uma “reforma” da polícia estadunidense. As novas medidas e orientações incluem a destinação de recursos por meio do Ministério de Justiça para treinamentos que "desinstalem a violência" na corporação. 

O republicano não se manifestou sobre como a nova ordem seria executada e se limitou a dizer que irá trabalhar junto ao Congresso para propostas de alterações das forças policiais de uma forma mais sólida.

Sonegador

Procuradores que acompanham o caso anunciaram na quarta-feira dessa semana (22) que Derek Chauvin também é acusado de diversos crimes de evasão fiscal, ou seja,  sonegação de impostos. Conforme detalha matéria do The New York Times, o ex-policial e sua esposa, Kellie Chauvin, não apresentaram declarações de rendimentos.

O então casal, que se separou dias após a morte de Floyd, não declarou rendimento de vários empregos, incluindo mais de U$ 95 mil, aproximadamente R$ 450 mil, pelo trabalho de Chauvin como segurança fora de corporação. A investigação foi feita pelo Departamento de Receitas do Minnesota e do Departamento de Polícia de Oakdale.

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De 2014 a 2019, o casal subdeclararam seus rendimentos conjuntos em U$ 464 mil, aproximadamente R$ 2.417 milhões. Com impostos, juros e taxas não pagos, devem U$37.868 ao Estado, quase R$ 200 mil.

Ao longo dos 19 anos como policial e antes de ser acusado de homicídio doloso pelo assassinato de Floyd, Chauvin foi alvo de pelo menos 16 queixas por má conduta. 


Manifestantes deitaram-se no chão, em Columbus (Ohio/Estados Unidos), para protestar contra o assassinato / Foto: Seth Herald/AFP

Edição: Lucas Weber