Joaquim Barbosa tem 10 anos e cursa o 4º ano no ensino fundamental em uma escola estadual localizada na comunidade do Canarinho, na periferia de Belém, capital do Pará. Desde a suspensão das aulas na rede estadual no dia 17 de março deste ano, o menino está sem aula, literalmente.
Isso porque, ele não tem internet banda larga em casa. O acesso ao mundo virtual é feito somente por meio de um celular que ele divide o uso com a mãe.
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A história do Joaquim se repete em muitos lares paraenses e brasileiros. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de 2018, praticamente metade das residências brasileiras não tinha um computador em casa e o acesso à internet era feito, em sua maioria (98,1%), por meio de um aparelho celular.
No Pará, o governo do Estado disponibiliza – durante a pandemia – a aula para os alunos de duas formas: pela televisão e pela internet. A mãe de Joaquim, Cidália Barbosa, tem 44 anos e trabalha como cozinheira das 14h às 22h.
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Como mora longe do trabalho, ela precisa sair de casa com, no mínimo, uma hora de antecedência. Nesse período em que está ausente, menino fica na casa de um parente. Cidália admite que a rotina, que já não era fácil, ficou ainda mais complicada com a pandemia.
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Ela conta que a professora da escola do Joaquim chegou a cobrá-la, porque ele não estava acompanhando o conteúdo. Porém, todas as vezes em que a família tentou assistir as aulas, não conseguiu.
"A gente não tem internet e mal tem um celular. No primeiro dia de aula, a gente não tinha acesso porque [o sinal] é muito ruim. É difícil! Não dá para entender as aulas, não tem como ele aprender, não tem como. É muito complicado", desabafa.
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A mãe mora sozinha com o menino e depende de toda uma rede de apoio para poder criá-lo. Joaquim é o retrato de 80% das crianças brasileiras que têm como principal responsável uma mulher. Assim como ele, outras 5,5 milhões de crianças também não têm o nome do pai no registro de nascimento.
Cidália diz que a educação do filho é importante para ela, porque sabe que esse é o único caminho para que ambos possam ter um futuro melhor. Para ela, o ano de 2020 já está "perdido", por carregar a certeza amarga de que o menino precisará repetir a série.
"Esse é um ano perdido e sinto que ele vai ter que repetir, porque não teve um dia de aula. Depois, veio a pandemia toda e até agora o governo não disse quando as aulas irão retornar. Eu acho que ele estudando cinco meses não irá recompensar o ano todo".
Pedro Siqueira tem 14 anos e está no 9º ano. Ele estuda na Escola Estadual Edivaldo Brandão de Jesus, também localizada no bairro do Tapanã, em Belém. Ele conta que consegue assistir as aulas que o governo disponibiliza pela internet, mas não consegue baixar os conteúdos necessários para acompanhar as aulas.
"Eu estudo em uma escola pública. Só que só está havendo problema para entrar no site da Seduc (Secretaria de Educação do Estado) para baixar o caderno de atividades. Eu entro, espero e não consigo", diz.
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O Brasil de Fato entrou em contato com o governo estadual para relatar a situação do menino Pedro. Em nota, a Seduc disse que o link "Para Casa”, com os cadernos de atividades, está funcionando normalmente. Ainda de acordo com a pasta, o estudante pode pedir auxílio junto à Coordenação de Tecnologia de Aplicação à Educação através do telefone (91) 3201-5146.
Quanto à avaliação da aprendizagem, a nota ressalta que todos os recursos pedagógicos que estão em curso pela Seduc no período de suspensão das aulas dão a opção para que o aluno resolva os exercícios e os envie ao professor para correção.
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Apesar de a Secretaria de Educação considerar positivas as iniciativas, Pedro diz que o formato disponibilizado não é favorável ao aprendizado.
"Na internet a gente pesquisa e já tem uma resposta certa, na aula presencial, com o meu professor, a gente conversa e aprende mais. Por exemplo, se tem um ponto A e eu estiver um pouco mais atrás o professor vai explicando até chegarmos no ponto mais à frente. A gente aprende mais. Então, acho que as aulas presenciais estão fazendo bastante falta".
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Ao contrário de Joaquim, Pedro tem internet banda larga em casa. Segundo dados da PNAD de 2018 nas casas em que as pessoas utilizavam a internet, o percentual dos que usavam banda larga móvel (3G ou 4G), era de 80,2%, já os que utilizavam a banda larga fixa era de 75,9%.
A estrutura que não chega a todos
Ana Carolina Santos, 32 anos, é professora do ensino infantil de uma escola particular na capital do Pará. Ela conta que, mesmo com toda a estrutura fornecida pela instituição onde trabalha, o período foi bastante complicado, sobretudo, no início. Ela considera que o formato online não é o mais indicado para crianças do ensino infantil.
"A maior dificuldade era atrair os alunos para a aula e a maioria das famílias também estavam trabalhando em casa. Então, os pais se dividem entre trabalho e a educação do filho, porque o acompanhamento de um adulto no período é de extrema importância para a educação infantil. A criança de educação infantil não consegue manipular as tecnologias como as crianças de ensino fundamental, por exemplo", explica a docente.
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Apesar das dificuldades, Ana Carolina acredita que a estrutura familiar com o suporte da escola permitiu aos alunos um desempenho surpreendente até para os professores.
"Eles se estressaram, eu via. Às vezes as mães me procuravam pediam orientação de como agir com as crianças, mas ainda acredito que, mesmo sendo muito difícil, eles ainda conseguiram levar melhor que o adulto. Com relação ao aprendizado, eu acredito que o que ficou prejudicado foi a interação social, porque, na verdade, a interação social faz com que a criança evolua em diversas áreas", avalia.
2020 é um ano perdido para a educação?
Devido à quantidade de problemas, muitos pais e alunos consideram 2020 perdido. Ival Rabêlo Barbosa Júnior, mestre na área de Educação em Ciências e Matemáticas pela Universidade Federal do Pará (UFPA) escolhe se distanciar dessa afirmação. Na análise dele, ainda há medidas a serem tomadas de forma a minimizar os impactos da pandemia na educação.
"As redes de ensino têm discutido amplamente como retornar às aulas e o que fazer para minimizar os prejuízos. Na verdade, esse ano não está perdido. Ele só está perdido se você exaltar, apenas, os problemas. Mas é hora de nós nos reinventarmos, não só com adequações vindas do poder público, mas também com as nossas, enquanto indivíduos".
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Quantos aos prejuízos educacionais, ele afirma que não é possível generalizar quanto aos danos causados a todos os alunos. O especialista em educação acredita que a pandemia revela também as fragilidades socioeconômicas do nosso país.
"Acaba escrachando muito mais as desigualdades. Então, aquelas crianças que são de famílias vulneráveis economicamente vão sofrer muito mais, primeiro porque para muitos a merenda é a principal refeição do dia. Então, para essas crianças é uma perda inestimável".
Rabêlo reconhece que os prejuízos pedagógicos atingem a todos, mas as crianças, sobretudo, as da primeira infância, que necessitam de experiências concretas e de interação para consolidar seu conhecimento, foram muito atingidas. Ele diz ainda que as aulas digitais conseguem suprir o aprendizado somente, de forma parcial.
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Outro ponto de atenção destacado pelo especialista é com relação às crianças que vivem em situação de vulnerabilidade, porque o isolamento social e as tensões provocadas pela pandemia acabam gerando tensões que podem tornar o lar de algumas crianças um local não seguro.
Ele também concorda que a pandemia revelou ainda mais as desigualdades sociais e, na educação, não seria diferente. Rabêlo pontua que os alunos da rede particular – que atende estudantes da classe média e alta – até foram prejudicados, mas com o auxílio da tecnologia esse impacto foi minimizado, situação que destoa do "quadro geral da realidade brasileira".
Edição: Douglas Matos