O Ministério da Educação autorizou, no último dia 17, o Ensino a Distância (EaD) em cursos presenciais para universidades e institutos federais. A medida, que foi rejeitada por mais de 60% dessas instituições, por alegarem que a falta de estrutura não garantiria qualidade do ensino-aprendizagem e ampliaria a desigualdade entre os alunos, também está sendo sugerida pelos governos estaduais de todo país.
As escolas estaduais são responsáveis pela educação de mais de 47 milhões de estudantes. Como elas estão lidando com o desafio da educação a distância durante a pandemia? O Brasil de Fato conversou com profissionais de quatro estados que relataram a situação que estão enfrentando a situação em suas regiões.
Patrícia Dayane Acs, professora de língua portuguesa em Cuiabá (MT), afirma que até agora a secretaria do estado do Mato Grosso não sistematizou ou encaminhou nenhuma orientação específica para as escolas, apesar de estarem parados desde o dia 20 de março. “Nós ficamos sabendo das novas movimentações da secretaria, na verdade, pela imprensa, em que eles falavam que o Estado iria adotar a EaD. Depois também pelo decreto do governador. E essa semana que começou a chegar algumas informações via email. Mas nada muito explicativo, até agora não sabemos qual será nosso papel nesse processo.“
Há apenas dois dias, na terça-feira (14), foi disponibilizado material multimídia para uso dos professores no site oficial de Secretaria de Educação estadual.
Outro estado que também está oferecendo recursos digitais para educadores e alunos é o Rio Grande do Sul. Desde o dia 24 de março a Secretaria de Educação do estado disponibilizou um programa chamado Aulas Programadas e houve a solicitação para que os professores fizessem um curso numa plataforma online.
Mas professores como Maria Fernanda da Silva Viegas, de Porto Alegre (RS), afirmam que o processo teve vários problemas, devido a dificuldades na plataforma que apresentou muitos erros durante a utilização. Além disso, ela conta que o curso estava atrelado à efetividade e os profissionais que não acessassem corriam o risco de não ter sua efetividade garantida.
“Muitos alunos não têm acesso à tecnologia e internet, a maioria tem celulares que são defasados, que não suportam programas e downloads, e a internet é bem limitada. Tem lugares na periferia que a internet não funciona. Certamente a maioria dos professores concorda que é importante que algumas tarefas sejam mantidas para os alunos, que é importante que a escola e os alunos mantenham o diálogo, mas ao mesmo tempo, todos concordam que essas aulas EaD são em grande medida uma farsa por várias dificuldades que a gente tem.” relata Viegas.
Em São Paulo, o governador João Dória (PSDB) lançou no último dia 3, o aplicativo Centro de Mídias da Educação de São Paulo, que promete “ampliar a oferta aos alunos de uma educação mediada por tecnologia, de forma inovadora. Porém, segundo relata o professor Lucas Archanjo, que leciona história na Zona Sul de São Paulo, além de orientação específica há falta de condições estruturais para o uso da plataforma tanto de professores quanto dos estudantes. O professor ainda levanta o questionamento sobre a qualidade do ensino-aprendizagem proporcionado por esses plataformas feitas à toque de caixa.
Muitos alunos meus não conseguem ler e nem escrever. Em sala de aula, eu tenho que acompanhar, muitas vezes individualmente, além de dar muitos exemplos, explicar, traduzir. Então imagine, como isso vai ser feito a distância?
“Muitos alunos meus não conseguem ler e nem escrever. Em sala de aula, eu tenho que acompanhar, muitas vezes individualmente, além de dar muitos exemplos, explicar, traduzir. Então imagine, como isso vai ser feito a distância? Eu, como professor, tenho uma meta, que é o desenvolvimento dos aluno. E não da pra criar algo sem pensar no desenvolvimento desse aluno. As condições sociais batem de frente com a nossa problemática. E esse indivíduo vai estar assimilando esse conhecimento de que forma?” questiona o professor.
Para além da dificuldade com acesso à infra-estrutura, a proposta de EaD também traz complicações para os pais. Patrícia Dayana, que além de professora, é mãe de uma menina de 4 anos, também questiona a qualidade desse tipo de estratégia.
“Como mãe para mim é bem difícil, porque toda vez que chega alguma coisa pra mim, de tarefas, de atividades, que você tem que entrar no youtube. Eu tento acompanhar, eu juro que me esforço. Mas eu não vejo que isso seja desenvolvimento pedagógico mesmo. Além dos menores precisarem de um acompanhamento mais individualizado, mais próximo ainda do professor, eles ainda tem uma dimensão de formação, de habilidades e competências, que uma EaD jamais vai possibilitar.” afirma Patrícia.
Outro pai preocupado com o aprendizado de seu filho é Antônio Fecundo, profissional da saúde de São Paulo, que está quarentenado junto a um paciente diagnosticado com a covid-19.
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“Meu filho tem 13 anos e está na oitava série. Eu estou super preocupado de ele conseguir acompanhar os estudos. Vai ser um prejuízo muito grande para essas crianças, principalmente as mais pobres. As escolas que têm mais condições estão mandando aulas em vídeo, mas os mais pobres estão ficando à margem.” afirma Antonio.
O problema da desigualdade de condições para a realização das atividades escolares à distância é fato destacado também por especialistas. Para Marco Lamarão, especialista em políticas públicas de educação, a proposta sendo feita do jeito que está não garantiria qualidade do ensino-aprendizagem e ampliaria a desigualdade entre os alunos.
Já existe historicamente no Brasil um processo grave de dualidade escolar. Uma escola voltada para as classes dominantes, que ensina a pensar e dirigir voltada às classes subalternas que ensina a obedecer. Essa dualidade escolar não vai ser resolvida por trabalho remoto, pelo contrário
“Já existe historicamente no Brasil um processo grave de dualidade escolar. Uma escola voltada para as classes dominantes, que ensina a pensar e dirigir voltada às classes subalternas que ensina a obedecer. Essa dualidade escolar não vai ser resolvida por trabalho remoto, pelo contrário. A tendência é que essa dualidade se aprofunde e que negros e mulheres sofram mais com essa educação a distância do que os homens brancos sofreriam. Sem dúvida nenhuma é um processo que aprofunda a desigualdade educacional que por sua vez aprofunda a desigualdade educacional que já é um grande problemas.” afirma Lamarão
Mesmo com todas dificuldades, algumas escolas, porém, têm encontrado saídas para garantir o diálogo com os alunos e a continuidade das atividades educativas. Um exemplo é do Maranhão, do Centro de Ensino de tempo integral Dayse Galvao de Sousa. Lá, com apoio da secretaria de ensino, as atividades não pararam durante o período da quarentena. Por meio de plataformas digitais, como Classroom, Whatsapp e outras estratégias comunitárias mais de 92,4% dos alunos estão conseguindo receber conteúdo pedagógico e o retorno de tarefas completadas até aumentou em comparação às aulas presenciais.
“Não tivemos muita dificuldade em relação a isso porque nós já trabalhávamos com a família lado a lado e com estímulo ao autodidatismo. Temos um grupo de WhatsApp para cada turma de pais. Fora isso nós temos os grupos de líderes que é nosso link com os alunos.” afirma Fernanda Camara Maciel, Gestora Pedagógica
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Mas além das estratégias de comunicação virtual, a escola também está buscando outras formas para que 100% dos alunos possam realizar as atividades e cumprir o calendário do ano letivo. “A gestora geral está na escola fazendo um mapeamento de todos os pais que não tiveram nenhum acesso as atividades e está ligando para eles e imprimindo todas as atividades e eles estão indo buscar na escola para que os filhos possam realizar.“ afirma Fernanda.
“Não podemos dizer que está sendo muito fácil, está sendo tranquilo. Porque é ingenuidade. Estamos passando de fato por um processo de adaptação, de reinvenção.” conclui a gestora.
Edição: Lucas Weber