FENÔMENO

Saiba o que é o ciclone bomba que atingiu o Sul e quais serão os impactos no Sudeste

Ventos fortes e queda de temperatura atingem estados do Sul e chegam a São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Estado de Santa Catarina foi o mais atingido pelo ciclone; Na imagem, registro de área destruída no município de Chapecó - Foto: Prefeitura de Chapecó (SC)

Ventos de 100 Km/h deixaram um rastro de destruição em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul nesta terça-feira (30). O fenômeno conhecido como ciclone bomba causou fortes chuvas, as rajadas de vento destruíram casas, provocaram quedas de árvores, destelhamentos e quedas de energias.

De acordo com a Defesa Civil dos estados, dez mortes foram registradas até o momento. Nove óbitos ocorreram em Santa Catarina, estado mais atingido, e ao menos uma pessoa está desaparecida no município de Brusque. A outra vítima fatal era do Rio Grande do Sul.

Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a ocorrência de ciclones é relativamente comum para a região nesta época do ano, mas o fenômeno recente foi potencializado por outros fatores meteorológicos e atmosféricos.

Leonardo Calvetti, chefe do Centro de Previsões e Pesquisas Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) explica que o chamado “ciclone extratropical explosivo” acontece quando há uma baixa muito rápida na pressão atmosférica central.  

:: Confira imagens de satélite do ciclone :: 

A partir da utilização de modelos numéricos americanos e europeus, que fazem a simulação da atmosfera, o centro detectou a formação do ciclone-bomba próximo à costa sul-brasileira e enviar um alerta aos estados. 

“Esse fenômeno, com essa característica de baixar rapidamente a pressão em seu interior, gera ventos muito intensos e por isso essa denominação de ciclones explosivos. Começam ventos muito fortes. Tivemos rajadas registradas de 116 km/h. Uma rajada muito forte com alto poder destrutivo”, afirma Calvetti.

Informações divulgadas pelo Rio Grande Energia e pela Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, apontam que, no total, 639 mil pessoas ficaram sem luz no estado. Já o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina somou mais de 1,6 mil ocorrências atendidas entre nas últimas 24 horas.

Segundo o docente da Ufpel, por acontecer em larga escala, os ciclones extratropicais influenciam e são influenciados por outros fenômenos do ponto de vista meteorológico e atmosférico, a chamada condição sinótica. 

Uma circulação muito intensa de calor e umidade vinda da região Norte, com destaque para Amazônia e Bolívia, potencializou a ocorrência do ciclone de forma mais acentuada, atingindo Paraguai, Uruguai e o norte da Argentina, além da costa sul-brasileira. 


Ciclone assustou moradores em diversos estados do sul do país e gera instabilidade marítima até o fim da semana. Registro da Baía Sul da Ilha de Santa Catarina / Foto: Valmir Stropasolas

Luiz Kondraski, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ressalta que a região Sul do Brasil é ciclogenética, ou seja, propícia para a formação de ciclones, principalmente em estações de transição, ainda que a formação de sistemas mais intensos como o atual sejam mais raras. 

Além da queda brusca da temperatura atmosférica e da onda de ar quente da região norte, há ainda um terceiro fator que aprofundou a destruição deixada pelo ciclone-bomba.

“Essas tempestades estão associadas à nuvens mais profundas na atmosfera, mais ascendentes, as cumulonimbus. Que provocam temporais, chuvas fortes, raios. E trazem a ventania. Se formou outro tipo de fenômeno que é chamamos de linha de instabilidade, um corredor horizontal de nuvens, que se desloca horizontalmente. Várias nuvens cumulonimbus que vão propagando tempestades ao longo do deslocamento. Mais rápido o deslocamento, mais rápido pode ser a tempestade”, explica Kondraski. 

O meteorologista também afirma que, apesar de centro do ciclone já estar em alto-mar, sua costa oeste pode causar ventos fortes que poderão ser sentidos de Arroyo Chuy, curso de água localizado na fronteira extremo sul do Brasil com o Uruguai, até Cabo Frio, no Rio de Janeiro. 

Impactos 

Calvetti lamenta que os fenômenos severos registrados todos os anos tenham acontecido juntos, protagonizando uma destruição continental. Outra consequência apontada pelo especialista é a ressaca dos mares brasileiros do sul e sudeste. 

“Agora, a navegação está bem complicada ainda devido à presença do ciclone. Toda costa sudeste e sul brasileira está sendo afetada pelo aumento da altura das ondas e agitação marítima. O vento agita o mar e isso demora uns dias até sentir desde o alto-mar até a costa”.  

Em nota à imprensa, a Marinha do Brasil, por meio do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), informou que os ventos associados ao ciclone poderão provocar ondas, em alto-mar, entre 3 e 6 metros de altura entre os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, assim como ao sul de Florianópolis, até a esta quinta-feira (2).

“A aproximação da frente fria também poderá provocar ventos de direção Nordeste a Noroeste, com intensidade de até 74 km/h, na faixa litorânea entre os estados do Rio de Janeiro, ao norte de Arraial do Cabo, e do Espírito Santo, ao sul de Guarapari, até a manhã do dia 2 de julho”, continua o texto


Quedas de árvores foram registradas em todo estado catarinense / Foto: Secom/SC

Frio

Nos próximos dias, a temperatura nas cidades do Sul passarão por uma queda abrupta de temperatura. Isso porque, conforme esclarece Calvetti, há uma massa de ar frio e seco muito intensa logo atrás do ciclone, cobrindo todo o sul da América do Sul

A previsão é de temperatura negativa nas cidades mais altas da região, com possibilidade de geada – quando há o congelamento das superfícies.

“Na Serra Gaúcha e Catarinense, as temperaturas serão negativas, -1º e -2º. Em vários pontos teremos 0 grau, nos pontos mais altos. O Paraná, na região de Curitiba, estará com 2 graus aproximadamente”, diz ele. 

E o Sudeste?

Com as imagens de vídeos das fortes ventanias e chuvas destruindo casas, moradores de estados do Sudeste estão preocupados com os próximos passos do ciclone e como ele atingirá a região.

No entanto, o doutor em Meteorologia detalha que os impactos serão mais brandos, mas a queda brusca de temperatura é certa. “O ciclone funcionou com o efeito de uma bomba e empurrou todo esse ar para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Todas essas regiões serão afetadas, inclusive Brasília, por exemplo”, endossa Calvetti. 

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Em São Paulo, será preciso tirar os cobertores e blusas mais grossas dos armários. “Dependendo da região, abaixo de 10º no fim de semana, com possibilidade de nevoeiro por conta da umidade com a queda da temperatura. Durante o dia, 19° graus será a máxima. Vai esfriar bastante em São Paulo”. 

O especialista complementa que a tendência é que a frente fria dure até o fim de semana, com aumento da temperatura gradativamente a partir de domingo. 

Kondraski também adiciona que a massa de ar polar que entrou pela Argentina e passou pelo Sul, pode atingir também, para além de São Paulo e Rio de Janeiro, o Mato Grosso do Sul e a região sul de Minas Gerais.

O mundo pede socorro

Os vídeos do ciclone que circulam nas redes sociais e chocam o Brasil retratam um cenário de destruição que pode se tornar mais frequente em escala global devido à degradação do meio ambiente e de natureza. O alerta é de Carlos Ritll, ambientalista e doutor em Biologia Tropical.

Ele pondera que, para afirmar que o ciclone-bomba é resultado direto de ação humana, é necessária uma investigação. Ainda assim, não é possível desconsiderar o peso de políticas anti-ambientais nesses fenômenos.

“É possível que se chegue a conclusão que esse ciclone que provocou mortes nos últimos dias no Rio Grande do Sul está associado às mudanças climáticas, mas isso demanda estudos. O que é possível dizer que as mudanças climáticas, e há estudos produzidos recentemente que mostram que a tendência é haver fenômenos mais intensos, atingindo regiões como essa no sul do Brasil, fora da região dos trópicos, abaixo ou a sul da região tropical”, declara.

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“A tendência, infelizmente, diante do quadro de aquecimento global, é esses fenômenos tornarem-se mais intensos. Podemos ver imagens como a dos últimos dias se repetindo no futuro e por isso é muito importante agirmos tanto do ponto de vista de redução de gases do efeito estufa, como ter preparação”, acrescenta.

A tendência, infelizmente, diante do quadro de aquecimento global, é esses fenômenos tornarem-se mais intensos.

Para além dos ciclones, Ritt destaca que alagamentos e secas mais severas são consequências diretas  do aquecimento global e cita um levantamento do Instituto Brasileiro de Geográfia e Estatísticas (IBGE) sobre desastres naturais, que comprometem até mesmo a possibilidade de abastecimento de água para a população e atividades econômicas como a agricultura.

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Conforme constata o documento, entre 2013 e 2017, 48,6% dos municípios brasileiros foram afetados por secas, 31% por alagamentos e 27,2% por enxurradas. 

O pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados em Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha, frisa que mesmo nos melhores cenários, em que a redução dos gases do efeito estufa fossem imediatas, ainda assim as mais variações de padrões de temperatura e precipitação em todo o mundo seriam sentidas. Porém, a perspectiva é pior, já que os países caminham no sentido contrário.

“Isso vai trazer mais impactos pra nossa vida e ao longo das próximas décadas, impactos mais severos do que temos observado. Mesmo no melhor no cenário, em que todos os países reduzissem as emissões, conforme recomenda a ciência. Mas nem estamos nesse cenário", salienta

Estamos caminhando para um aquecimento que vai trazer consequências mais graves do que vemos hoje. Muito severas. Tanto do ponto de vista do impacto da vida humana, como impactos para os ecossistemas, assim como para a economia”, completa.


Município de Chapecó foi um dos mais atingidos / Foto: Prefeitura de Chapecó (SC)

Ritll exemplifica com o fato do ciclone ter danificado a infraestrutura de centenas de cidades no sul do país, que precisarão ser reconstruídas e trarão enormes gastos ao Poder Público. 

A partir dessa realidade, o pesquisar reforça que é importante que os governos desenvolvam estratégias para como lidar com fenômenos como ciclones e se antecipar o máximo possível, deixando a Defesa Civil preparada e a população informada.

Apesar do alerta do Centro de Previsões e Pesquisas Meteorológicas da Ufpel e o aviso em todos os estados, vídeos nas redes sociais registraram cenas preocupantes, em que trabalhadores que pintavam fachadas de prédios balancearam em andaimes correndo risco de vida ao serem atingidos pelas rajadas de ventos dos ciclones. 

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“O Brasil tem muito a desenvolver no ponto de vista de informação para o cidadão e cidadã sobre o que tende a acontecer ao longo do tempo. Tem que se informar melhor a população para que não sejamos sempre surpreendidos”, argumenta o pesquisador.

 

Edição: Rodrigo Chagas