Projeto de Lei

Fake News: especialistas criticam pressa do Senado e pedem participação popular

Garantia da presunção de inocência é um dos pontos contestados: "Não se pode tratar todas as pessoas como suspeitas"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O texto foi aprovado com 152 emendas e segue para a Câmara - Reprodução/Senado

O plenário do Senado Federal aprovou, na terça-feira (30), a quinta versão do Projeto de Lei 2.630, conhecido como “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” e “PL das Fake News”, que segue agora para votação na Câmara dos Deputados, com 152 emendas feitas pelos senadores. 

De autoria do parlamentar Alessandro Vieira (Cidadania-SE), com relatoria do vice-líder do PSD no Senado, Angelo Coronel (BA), o texto continha pontos “preocupantes” que foram derrubados pelos senadores, como a proposição de seis novos tipos penais que abririam “espaço para a criminalização de usuários por críticas políticas a autoridades e poderosos”, de acordo com a Coalizão Direitos na Rede.

"Poder de polícia"

Na avaliação de especialistas em comunicação, a proposta ainda contém trechos prejudiciais para a manutenção de garantias constitucionais, como liberdade de expressão e privacidade. Entre os fragmentos criticados, está o conceito de “conta identificada”, “conta cujo titular tenha sido plenamente identificado pelo provedor de aplicação, mediante confirmação dos dados por ele informados previamente”. 

Para a Coalizão Direitos na Rede, tal vinculação de contas à identificação em massa, de que trata o artigo sétimo do PL, dá “‘poder de polícia’ às plataformas, obrigando-as a desenvolver medidas para “detectar fraude no cadastro e o uso de contas”. Segundo a organização, isso contradiz a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD ou LGPDP, lei 13.709), de 2018, que estabelece o princípio da coleta mínima dos dados necessários para uma finalidade.

Outro ponto diz respeito à rastreabilidade em massa. No seu artigo décimo, o PL prevê a guarda de dados particulares de todos os usuários que façam parte de cadeias de compartilhamento de conteúdos. Para Marina Pita, coordenadora executiva do coletivo Intervozes, que faz parte da coalizão, esse ponto é o “principal desafio” que persiste e deve agora ser superado na Câmara dos Deputados.

“Nosso maior desafio agora é inverter essa lógica, de não fazer uma guarda massiva, mas guardar a partir do início de uma investigação, e manter o princípio da presunção da inocência. A gente não pode tratar todas as pessoas como suspeitas, você trabalha com a guarda de dados a partir de uma investigação de uma ordem judicial e para esse fim”, explica Pita.

A gente não pode tratar todas as pessoas como suspeitas.

O PL, também nesse sentido, prevê, no 35º artigo, a apresentação conjunta dos documentos de Identidade e do número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) de usuários de telefones pré-pagos. Para a coalizão, “exigir a apresentação dos dois documentos para a obtenção de um número pré-pago é uma medida desnecessária, excessiva e onerosa a brasileiros que não possuem documentação, impactando diretamente no direito à comunicação destes cidadãos”.

"Janela de oportunidade"

A proposta determina ainda a criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, atribuído ao Congresso Nacional e com o objetivo de colocar em prática um código de conduta para redes sociais e serviços de mensagens. No entanto, o texto veta a possibilidade de que os conselheiros façam parte de partidos políticos, o que impossibilitaria a nomeação de representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, tornando-se “restrito”.

Na avaliação de Marina Pita, existe uma urgência no Congresso para aproveitar “o que eles chama de janela de oportunidade”. Com a pandemia de covid-19 e a disseminação expressiva de notícias falsas, o tema ganhou notoriedade entre os parlamentares. No entanto, o PL não passou por audiências públicas, debates com a sociedade e comissões legislativas, nem mesmo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma vez que as votações estão ocorrendo de remotamente devido à pandemia. 

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Nesse sentido, Raquel Saraiva, presidente do Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec), ainda há dificuldade em aceitar o texto e como este foi aprovado, seja porque “virou um texto de vigilância, que coleta dados dos usuários massivamente” bem como pela urgência em aprová-lo.

“O marco civil é referência mundial em legislação de internet e foi um processo conduzido completamente diferente desse que foi muito apressado. A gente teve tempo, foram realizadas várias audiências públicas, rodadas de consultas públicas pela internet. Então é uma coisa que a gente acha que esse processo devia ter seguido também”, defende Saraiva.

Para ela, nesse sentido, as discussões deveriam ter sido feitas de forma ampla, “porque a internet tem várias nuances, é complexo de regular, mas eu não estou dizendo que eu sou contra uma regulação. Eu acho que tinha que ter mesmo, mas não devia ter sido dessa forma e principalmente não podia ter sido reprovado aquele texto de ontem”

Alerta

Em entrevista ao UOL, na quinta-feira (25), o senador Alessandro Vieira, autor do PL, disse que não há associação, por exemplo, entre a identificação dos usuários e as chances de cerceamento da liberdade de expressão. Por outro lado, David Kaye, relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Expressão solicitou, na última quinta-feira (22), que o Congresso brasileiro adiasse a votação do PL.

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“O Congresso brasileiro está promovendo um projeto de lei sobre desinformação que parece ser extremamente problemático em relação a temas como censura, privacidade, Estado de direito e devido processo legal, entre outros", afirmou Kaye.

Edição: Rodrigo Chagas