Os desafios impostos pela crise do coronavírus deram vazão à criatividade de cerca de 30 organizações comunitárias do cerrado e da caatinga que passaram a se organizar para turbinar as vendas de produtos pela internet, como forma de superar os entraves gerados pela limitação do comércio em diferentes pontos do país.
Assim, castanhas, doces, acessórios, objetos de decoração e outros artigos ganharam agora uma robusta vitrine na internet, que coloca a compra dos itens ao alcance de um click. É a loja virtual da cooperativa Central do Cerrado, que reúne associações de agricultores familiares extrativistas do Distrito Federal e de mais nove estados – Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Bahia, Piauí, Pará e Maranhão.
A união de forças para tentar emplacar as mercadorias fez com que a produção de indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco, entre outros, pudesse ser visualizada e adquirida de uma forma mais prática e sem que seja necessário o comprador sair de casa.
“Facilita pro cliente e pra gente, que consegue organizar melhor as entregas”, afirma Ildete Sousa, responsável por coordenar as vendas.
Ela conta que, desde que o grupo passou a intensificar o comércio pela internet, que já existia, mas andava meio parado, houve um incremento de cerca de 50% nas vendas virtuais. Para Ildete, o contexto do mercado exige adaptações voltadas a esse meio.
“A gente está vivendo no mundo tecnológico, que está mandando em tudo, e nós sabemos que cooperativismo é um modelo de negócio que vai comandar o mundo”, projeta, acrescentando que as equipes da Central buscam um aprimoramento do trabalho para se adequar ao novo universo e impulsionar as vendas.
“A gente está tentando entender melhor, aprender mais sobre o mundo tecnológico pra dar um up no nosso modelo de negócio, inclusive estudando novos modelos de negócio”, afirma, acrescentando que a iniciativa beneficia também as cooperativas associadas porque ajuda a gerar expertise sobre o tema.
Quem passou a conhecer o trabalho dos agricultores pela internet tem aprovado os produtos, como é o caso da bancária Márcia Almeida Campos, que há cerca de dois meses consome polpas de goiaba, mangaba, acerola, caju e outros sabores vendidos pelas cooperativas. Ela considera que a relação vai além do consumo de alimentos saudáveis porque ajuda a valorizar os pequenos produtores.
“A produção agrícola é essencial, inclusive pro Produto Interno Bruto [PIB] do país, então, eu procuro incentivar através do consumo responsável, de saber que a gente não está consumindo agrotóxicos, o que faz bem pra saúde, faz bem pra economia e ajuda na questão social do pequeno produtor, de a gente não comprar do atravessador”, destrincha.
Diversidade
Castanha-de-baru, castanha-de-pequi, castanha-de-licuri, flocão de milho, mesocarpo e sabonetes de babaçu estão entre os produtos mais vendidos, segundo os agricultores.
Mas as possibilidades oferecidas pelo cerrado e pela caatinga vão além da lista: a lojinha da cooperativa tem ainda chocolates, mel de abelha, pestos, licores, cervejas, picles, rapadura e outros doces. E tem também o artesanato feito com dedicação pela indígena Airy Gavião, de Brasília, que coloca à disposição dos clientes produtos de decoração, bijuterias e utensílios domésticos.
Com criatividade e destreza, a palha de guarumã e as sementes de jarina, buriti e pastiúba, por exemplo, viram cestos, colares e talheres nas mãos habilidosas dos indígenas que participam da loja virtual. Airy conta que os artigos que envia para venda na Central são feitos também por outros indígenas de diferentes comunidades.
“A gente não faz só por fazer. A gente põe a nossa criatividade e a nossa cultura nisso porque, desde quando a gente vai crescendo, a gente vai aprendendo a fazer isso com nossos avós e pais. Passa de geração pra geração. É o que a gente sabe fazer, e aí nós queremos mostrar nossa cultura diferenciada. Nós gostamos muito de fazer isso e o povo indígena não faz nada isolado, a gente valoriza essa coisa de fazer tudo no coletivo. O artesanato tem muito disso”, destaca.
Crise
As vendas do segmento, no entanto, caíram cerca de 80% a 90% entre aqueles que participam da rede de comércio da cooperativa, motivo pelo qual os indígenas buscam agora expandir as vendas virtuais.
“É porque nós temos caso de parentes que hoje estão vivendo de doações, já que não têm mais a feira pra vender os produtos. Se melhorar pelo menos 50% o que a gente coloca na internet, já ajuda muito”, afirma Airy.
A quilombola Maria Aparecida Ribeiro de Sousa, de Tocantins, também está entre os produtores que participam do esquema conjunto de vendas.
No povoado onde vive, no Jalapão, 100 famílias de uma cooperativa local produzem artigos como bolsas, brincos, mandalas e luminárias a partir da palha do capim-dourado, espécie abundante na região.
As vendas dos artefatos, no entanto, têm seguido mais o ritmo da pandemia do que o da fartura da matéria-prima, com quedas sequenciais resultantes da paralisação do turismo na região e do consequente agravamento da crise econômica no país.
Diante desse cenário, os quilombolas miram o aumento no fluxo do comércio virtual, tido como a saída de emergência para remar contra a maré da crise.
“Nós estamos preocupados porque a venda das mulheres é basicamente o artesanato, que vem sofrendo com a suspensão do turismo aqui na região, o local mais visitado do estado. E a comunidade não quer que o turismo volte agora porque também a gente entende que a saúde é prioridade, mas estamos todos muito preocupados, tentando essa via de vender pela internet”, afirma Aparecida, que sofreu uma queda de 65% na renda nos últimos meses por conta da crise.
“Espero que a gente consiga superar isso agora”, encerra a trabalhadora, ao mencionar a expectativa sobre a loja virtual.
Edição: Leandro Melito