Transparência

Sociedade civil pressiona por participação popular e Maia promete comissão externa

Parlamentares e entidades se reuniram com presidente, que anunciou a eles criação de um colegiado

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Durante a pandemia, Congresso Nacional opera com controle de acesso e votações remotas, o que limita a presença do povo nas discussões - Arquivo/Agência Câmara

A Câmara dos Deputados pretende criar uma comissão externa para viabilizar a participação da sociedade civil na tramitação das propostas que estão em discussão na Casa durante a pandemia. De acordo com entidades e deputados de oposição, a iniciativa foi anunciada pelo presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), durante reunião realizada na quinta-feira (18) com o grupo.

Na ocasião, as entidades apresentaram um documento com sugestões sobre a melhoria nos fluxos de comunicação e participação popular da instituição, que desde o final de março opera em esquema de votação remota. Com o novo sistema, que é virtual, as audiências públicas foram suspensas e representantes da sociedade civil passaram a acompanhar a atuação dos parlamentares somente pela internet. Além disso, o rito de algumas propostas foi acelerado. As entidades reclamam participação e diálogo com os deputados.

Se antes da crise sanitária a permeabilidade entre as demandas da sociedade civil e os gabinetes já não era a ideal, com o fechamento dos espaços físicos, isso se agravou. Fizemos, portanto, a apresentação dessas medidas, como a adoção de novas ferramentas de participação social online, incluindo canais diretos de comunicação sobre os temas em votação, e ações que garantam uma postura de transparência ativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federal na ampla divulgação de seus atos e deliberações”, conta Maria Mello, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

A reunião com Maia foi articulada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos, que reúne deputados, senadores e representantes de segmentos populares. O documento entregue ao presidente, assinado por 35 parlamentares de cinco partidos (PT, PSB, PSDB, Psol e PCdoB) e 22 entidades, havia sido oficialmente enviado a Maia em abril, mas foi apresentado somente durante a reunião.

Segundo o coordenador da frente parlamentar, Marcelo Freixo (Psol-RJ), Maia se comprometeu a participar de outros encontros com as entidades e os deputados para que eles possam detalhar os temas que preocupam a frente. A próxima reunião ocorre na segunda (22) e deverá tratar da facilitação do acesso à arma de fogo, pauta bolsonarista que está entre as mais criticadas pelos opositores e outros grupos.   

“Há uma preocupação muito grande a partir da postura do Executivo de estar, neste momento, querendo ter um descontrole completo das munições, o que é um prejuízo muito grande pro esclarecimento de homicídios porque o país só esclarece 4% dos homicídios. Se esse projeto do Bolsonaro virar lei, a gente não vai esclarecer homicídio nenhum no Brasil”, disse Freixo ao Brasil de Fato, acrescentando que o debate será tratado como umas prioridades na articulação com Maia, que não fez manifestações públicas sobre o encontro com o grupo.

No documento apresentado, as entidades levantam uma série de demandas relacionadas a diferentes iniciativas legislativas. Entre outras coisas, elas pediram atenção às propostas de combate às fake news e a não colocação em votação de projetos de lei (PLs) que possam criminalizar os movimentos populares ou limitar direitos de manifestação e reunião. As organizações apontam como exemplo os PLs que alteram a Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016), que disputam o conceito desse tipo de crime e, na avaliação dos movimentos, abrem espaço para medidas autoritárias.    

Agricultura

Outro ponto da pauta é o Projeto de Lei 886/2020, protocolado pela bancada do PT e produzido a partir de uma provocação de vários movimentos que pedem ações emergenciais para segmentos populares do campo durante a pandemia. A medida já teve a tramitação de urgência aprovada, mas ainda aguarda o parecer do relator, Zé Silva (Solidariedade-MG).

Os movimentos batalham para que o tema entre em votação na próxima semana, o que também depende do presidente da Casa, que tem a prerrogativa de bater o martelo sobre a pauta do plenário. “Fizemos o pedido expresso de que o PL possa realmente ser votado com urgência e ele assumiu o compromisso de que, assim que receber o relatório, o projeto será pautado”, relatou a representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na reunião, Ana Moraes.  

Pandemia

O sistema prisional também entra na pauta popular. Por conta da proliferação da covid-19 no país, as entidades pedem a agilização de PLs que tratam de políticas de desencarceramento para proteger a saúde dos presos. Elas citam como destaque os PLs 978/2020 e 2468/2020.

O assessor de advocacy da Rede de Justiça Criminal, Leonardo Santana, afirma que a ideia se pauta na Recomendação Nº 62, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata de medidas preventivas à propagação da infecção nos sistemas de Justiça penal e socioeducativo. O grupo defende a iniciativa para os casos de presos que estão nos regimes aberto ou semiaberto.

“Nós entendemos que, por exemplo, esses do semiaberto poderiam estar cumprindo prisão domiciliar, em vez de voltar pra dormir na unidade prisional. No entanto, o que foi que aconteceu aqui no Distrito Federal [DF], por exemplo? Ficou todo mundo em regime fechado”, destaca Santana, acrescentando que a medida potencializa os riscos de contaminação porque não há políticas de isolamento nas prisões.

No DF, os casos de detentos infectados pelo coronavírus atingiram a marca de 991 na última terça (16).    

Despejos

As organizações defendem ainda que sejam proibidas, em todo o país, as ações de despejo. Elas pedem a aprovação do Projeto de Lei (PL) 1975/2020, que proíbe a prática e tramita de forma conjunta com outras propostas com o mesmo tema. A medida já tem a urgência aprovada, mas não foi colocada em votação.  

Gisele Barbieri, da organização Terra de Direitos, ressalta que os despejos causam maior preocupação neste momento porque tendem vulnerabilizar ainda mais as famílias diante da disseminação do coronavírus. Ela acrescenta que tais ações são, em geral, marcadas por atos de violência.   

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 “A gente entende que despejo, neste momento de pandemia, é quase uma sentença de morte do Estado porque esse problema da falta de moradia adequada e também da titulação e demarcação de territórios pras comunidades é um tema que tem problema há muito tempo. E a gente entende que não é durante uma pandemia que o Estado vai conseguir resolver isso, muito menos com despejos”, argumenta.

Edição: Rodrigo Chagas