Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo pessoal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), foi preso na manhã desta quinta-feira (18) em Atibaia, interior de São Paulo.
Os mandados de prisão e de busca e apreensão foram expedidos pela Justiça do Rio, a pedido do Grupo de Combate à Corrupção (Gaecc) do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP- RJ), que investiga a participação de Queiroz em um esquema de desvio de vencimentos de servidores do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, conhecido como “rachadinha".
Queiroz foi encontrado pelo Gaeco, responsável pelo levantamento do terreno e pela confirmação do alvo da operação. Ele estava em um imóvel do advogado de Flávio, Frederick Wassef, o que explicita ainda mais as relações do senador com seu ex-funcionário.
Ele deixou o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil, no centro da capital paulista, por volta das 9h50, e foi levado para o Aeroporto do Campo de Marte, na Zona Norte da cidade. No Rio, ele deverá ir para o presídio de Benfica.
Policial militar aposentado, Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta bancária de maneira considerada "atípica", segundo relatório do antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o que deu início às investigações.
A Polícia Civil de São Paulo declarou que os caseiros do imóvel onde Queiroz foi preso afirmaram, durante a operação, que o ex-assessor estava na residência havia cerca de um ano.
Entretanto, Wassef, advogado da família Bolsonaro e dono do imóvel em Atibaia, negou ter conhecimento do paradeiro de Queiroz, durante uma entrevista à jornalista Andreia Sadi, na GloboNews.
Além de representar Flávio, Wassef defendeu o próprio presidente recentemente. Inclusive no caso Adélio Bispo, envolvido no episódio da facada durante campanha presidencial de 2018, assim como nas denúncias envolvendo as acusações nas investigações do assassinato de Marielle Franco.
Entenda os detalhes do caso
Em 18 de dezembro de 2018, poucas semanas antes de Jair Bolsonaro tomar posse como presidente da República, o documento do órgão identificou uma série de transações financeiras atípicas em contas de assessores de parlamentares, entre eles, o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro. Ambos os políticos eram integrantes do PSL na época.
Criado em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, e vinculado ao Ministério da Fazenda, o Coaf tem por objetivo disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar transações financeiras com suspeita de ilicitude.
Há poucas informações sobre o destino dos recursos, mas segundo o relatório, uma das transações é um cheque de R$ 24 mil destinado a Michelle Bolsonaro, esposa do presidente.
No relatório, o Coaf explica que as movimentações são suspeitas por três tipos de processos identificados:
1) “Pagamentos habituais a fornecedores ou beneficiários que não apresentam ligação com a atividade ou ramo de negócio da pessoa jurídica”;
2) “Movimentações em espécie" feitas por clientes que costumam utilizar "outros instrumentos de transferência", como "cheques, cartões de débito ou crédito”;
3) “Movimentação de recursos incompatível com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira do cliente”.
O documento ainda revela que a maior parte dos depósitos em dinheiro, feitos na conta do ex-motorista de Flávio Bolsonaro, coincide com as datas de pagamento na Alerj.
Na folha de pagamento de setembro, por exemplo, o motorista aparece com salário de R$ 8.517. Ele ocupava o cargo comissionado de Assessor Parlamentar III, no gabinete de Flávio Bolsonaro. Segundo o Coaf, ele também acumulava um salário de R$ 12,6 mil da Polícia Militar.
O relatório foi produzido a pedido do Ministério Público Federal e fez parte da Operação Furna da Onça, um desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro deflagrado em novembro.
Interferência
A operação que trouxe à tona a denúncia do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro teria sido adiada para não afetar eleição de seu pai, Jair Bolsonaro.
Em maio deste ano, Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro, afirmou que o parlamentar foi avisado, entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018, que a operação da Polícia Federal contra Fabrício Queiroz e desvio de dinheiro público na Assembleia fluminense, seria deflagrada em novembro daquele ano.
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Segundo declarou Marinho, que é pré-candidato à prefeitura do Rio pelo PSDB, o alerta a Flávio partiu de um delegado da PF, partidário de Jair Bolsonaro.
Na ocasião, ele afirmou que Flávio Bolsonaro o procurou “absolutamente transtornado”, em busca de indicação de um advogado criminal. E lhe confessou que os policiais teriam impedido a deflagração da operação em outubro de 2018, no meio das eleições, para não prejudicar a candidatura de Bolsonaro à presidência.
O partidário de Bolsonaro na Polícia Federal ainda teria dito a seu filho que deveria demitir imediatamente Queiroz e sua filha, Nathália Queiroz - essa que estava lotada no gabinete do presidente, à época, deputado federal em Brasília. Ambos foram, de fato, exonerados no dia 15 de outubro de 2018.
Apuração das acusações
O andamento das investigações da operação que tem como um dos alvos Flávio Bolsonaro, teria levado Jair Bolsonaro a interferir diretamente na troca do comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro, motivo alegado pelo ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, para deixar o cargo. O órgão é responsável pela investigação do caso no estado fluminense e também em Brasília.
O inquérito que o Ministério Público do Rio apura sobre acusações de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) pelo filho de Bolsonaro segue em sigilo.
O site The Intercept Brasil teve acesso em abril deste ano a documentos sigilosos e dados levantados pelo MP-RJ durante a investigação que apontam que o dinheiro de “rachadinha” foi utilizado como investimento para edificações levantadas por três construtoras: São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ.
Segundo a investigação do MP, elas teriam sido registradas em nome de laranjas do Escritório do Crime. Adriano da Nóbrega - executado em fevereiro - e dois outros oficiais da PM integrantes do grupo, o tenente reformado, Maurício da Silva Costa, e o major Ronald Paulo Alves Pereira, seriam os verdadeiros donos das construtoras.
O hoje senador Flávio Bolsonaro receberia o lucro do investimento dos prédios, de acordo com os investigadores, por meio de repasses feitos por Nóbrega e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.
O papel de Queiroz
Segundo as investigações, Queiroz confiscava em média 40% dos salários dos servidores do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, milícia especializada em assassinatos por encomenda que atua na zona oeste do Rio.
A organização criminosa também atua nas cobranças de “taxas de segurança”, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
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Ainda de acordo com o MP-RJ, Flávio também pagava os salários de seus funcionários com a verba de seu gabinete na Casa Legislativa.
Queiroz e Adriano da Nóbrega
Queiroz e Adriano da Nóbrega se conheceram em 2003, quando serviram juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ). Justamente neste ano, Nóbrega recebeu a primeira homenagem de Flávio Bolsonaro na Alerj. A segunda viria em 2005, ano em que o ex-agente do Bope foi julgado e condenado por um júri popular, por conta de um homicídio. O miliciano não compareceu à premiação por estar preso.
Durante o seu julgamento, Nóbrega recebeu um apoio importante, do então deputado federal Jair Bolsonaro. Após a audiência que culminou na condenação do miliciano, o atual presidente da República foi até a tribuna da Câmara dos Deputados e defendeu o militar: “Ele sempre foi um brilhante oficial”.
Em 2007, Nóbrega recorreu da decisão e foi inocentado. Em 2013, foi expulso da PM, por conta de seu envolvimento com o jogo do bicho.
Outro importante personagem do Escritório do Crime, o major Ronald Paulo Alves, apontado por Beto Bomba como responsável por organizar o grupo de assassinos que executariam Marielle Franco e Anderson Gomes, também foi homenageado por Flávio Bolsonaro na Alerj.
Justiça para Marielle
O brutal assassinato da vereadora Marielle Franco, há mais de dois anos, também colocou em evidência o envolvimento da família presidencial com a milícia carioca.
Exatamente um ano após a morte, o policial reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz foram detidos, acusados de serem os executores do crime que repercutiu mundialmente.
Lessa é vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. Nas redes sociais, Élcio Queiroz, por sua vez, exaltava o mandatário brasileiro com frequência, além de expor fotos com ele.
Meses depois, em outubro de 2019, Raquel Dodge apresentou uma denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) apontando Domingos Inácio Brazão, ex-deputado e conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, como mandante do assassinato da vereadora.
O envolvimento da família Bolsonaro com os responsáveis da morte de Marielle provocou até mesmo uma campanha contra a federalização da investigação do caso. Uma bandeira antiga da família da vereadora, que mudou completamente de posição após a chegada de Bolsonaro na presidência.
Já Adriano da Nóbrega foi assassinado no dia 9 de fevereiro deste ano, após uma operação policial que tentava capturá-lo na Bahia, depois de um ano foragido.
Em entrevista ao Globo, seu advogado, Paulo Emílio Catta Preta, chegou a levantar a possibilidade de que seu cliente tenha morrido como "queima de arquivo".
"Ele me disse assim: 'doutor, ninguém está aqui para me prender. Eles querem me matar. Se me prenderem, vão matar na prisão. Tenho certeza que vão me matar por queima de arquivo'. Palavras dele", afirmou o defensor.
Com Adriano, foram apreendidos 13 celulares, que estão com a Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Edição: Camila Maciel