Obscurantismo

Necropolítica e militarização da Saúde explicam "apagão" de dados, dizem sanitaristas

Sob o comando do general Eduardo Pazuello, Ministério da Saúde escondeu dados e errou números relativos à covid-19

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Desde que assumiu o comando da Saúde, Pazuello tenta implementar mudanças na divulgação de informações sobre a pandemia - Erasmo Salomão/MS

O obscurantismo na divulgação de informações sobre a covid-19 no Brasil é resultado de uma política de saúde militarizada e que faz pouco caso da morte do povo, afirmam especialistas da área.

Depois omitir números sobre o novo coronavírus no país, na sexta-feira (5) e no sábado (6), a pasta comandada pelo general Eduardo Pazuello divulgou dados errados no domingo (7) – primeiro, informou que 1.382 mortes haviam sido registradas nas últimas 24 horas; uma hora e meia depois, retirou 857 pessoas da lista e oficializou a morte de 525.

Nesta segunda-feira (8), o Ministério da Saúde manteve o registro de 525 mortes e justificou, em nota, que a divulgação anterior foi uma “duplicação” em razão de erros cometidos pelas secretarias estaduais de saúde. No entanto, os dados não batem com o divulgado pelo Conass (Conselho Nacional dos Secretários de Saúde), que registrou 1.113 mortes no domingo.

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Para o médico sanitarista Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde, a confusão criada com as informações é parte da “necropolítica” promovida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ou seja, o presidente despreza o poder letal do vírus em troca de manter sua ideologia em pé.

“É a institucionalização do “e daí?”. É trazer para dentro da administração pública, do comando do enfrentamento da pandemia, que deveria ser pautado apenas por aspectos técnicos e científicos, o posicionamento ideológico do presidente”, diz Chioro.

O ex-ministro da Saúde afirma que a transparência na informação é preceito básico para a gestão de saúde pública – ainda mais, ressalta ele, na pior crise sanitária da história brasileira.

“Em qualquer manual de saúde pública, a primeira orientação que se dá é tratar a informação da mais segura e transparente possível, para que, externa e internamente, não paire qualquer dúvida em relação aos acontecimentos e às tendências. A informação orienta a ação. A base da vigilância epidemiológica é transformar informação em ação”.

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Embora municípios e estados mantenham as contagens locais, a uniformização dos dados oficiais é fundamental para que gestores e profissionais da saúde tomem decisões ao tratar infectados, de acordo com Chioro.

“A informação orienta o raciocínio clínico, inclusive na realização do diagnóstico. Claro que ela não é decisiva, mas é fundamental. Ele impacta desde a ação local dos profissionais de saúde, a confiança da população, naturalmente, fica profundamente abalada, e interfere na qualidade da decisão dos gestores”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), endureceu o tom contra o governo em uma postagem na internet. Ele chamou de “perverso” o modo com que o Ministério da Saúde trata as informações

“Brincar com a morte é perverso. Ao alterar os números, o Ministério da Saúde tapa o sol com a peneira. É urgente resgatar a credibilidade das estatísticas. Um ministério que tortura números cria um mundo paralelo para não enfrentar a realidade dos fatos”, criticou.

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“Instalação militar”

O médico e pesquisador Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), afirma que a sonegação de informações é uma postura típica de ministérios militares, como o que Ministério da Saúde tem se tornado – hoje, são 23 membros das Forças Armadas em cargos importantes da pasta.

“Existe uma diferença muito grande entre como deve ser gerenciada a informação, os dados, em um Ministério da Saúde e em um ministério militar. Numa instalação militar, eles têm uma tendência ao segredo muito maior do que na Saúde. O Ministério da Saúde se tornou uma instalação militar. Isso faz com que o tratamento de dados da pandemia siga um modelo, uma conformação, como se fosse tratado num hospital militar, numa instituição militar.

O Ministério da Saúde se tornou uma instalação militar. Isso faz com que o tratamento de dados da pandemia siga um modelo, uma conformação, como se fosse tratado num hospital militar.

Desde que Pazuello assumiu o comando interino da Saúde, em 16 de maio, o governo tenta emplacar mudanças na divulgação de dados – antes, os números eram divulgados pontualmente às 17h; desde que o general assumiu, os dados passaram ser repassados com consecutivos atrasos.

Para Guimarães, o mistério sobre os números resulta em profissionais inseguros e, por consequência, incapacidade de avançar para um cenário melhor, com menos mortes e casos confirmados.

“O combate à pandemia, não só em nível nacional, mas no nível local também, depende das informações dos dados para se saber como as coisas estão evoluindo. Essa ignorância dificulta nesse ponto de vista: se eu não sei o que está acontecendo, é muito difícil eu poder programar o que eu tenho que fazer”, afirma ele.

Se eu não sei o que está acontecendo, é muito difícil eu poder programar o que eu tenho que fazer.

Como não se pode confiar no governo federal, o vice-presidente da Abrasco sugere que população e profissionais da saúde considerem oficiais dados divulgados na plataforma do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

“Enquanto o Ministério da Saúde permanecer nessa sonegação de informação, a Abrasco entende que é a informação do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde que deve cumprir o papel de fornecer uma informação oficial”, aconselha Guimarães.

Edição: Rodrigo Chagas