Entrevista

Para Dowbor, sistema caminha para mudanças muito além da indústria 4.0

Economista lança livro e defende que transformação da sociedade aponta para sistema que pode superar o capitalismo

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Mudanças informacionais podem superar o capitalismo, diz Dowbor em novo livro - Arquivo pessoal

 O economista Ladislau Dowbor está lançando O Capitalismo se Desloca: Novas Arquiteturas Sociais, livro em que discute as profundas transformações do sistema no século 21. “Um livro sobre os caminhos da sociedade”, como ele define. “Em vez de comentar ou lamentar como o capitalismo que conhecíamos vem se transformando, procuro buscar o futuro que se forma no horizonte”, diz, em seu blog. Segundo ele, as mudanças nas formas de exploração, no contexto do mundo tecnológico, sugerem que o mundo caminha para “muito além de uma indústria 4.0”.

O livro está disponível em versão on-line. “É o modo de produção no seu conjunto que se desloca. O raciocínio aqui não é econômico, é sistêmico, e procura traçar novos rumos”, explica o professor.

Na terça-feira (26), Ladislau Dowbor fez uma apresentação e discussão das ideias-chave do livro, em um debate com o jornalista Antonio Martins promovido pelo Sesc de São Paulo. O economista disse que o acúmulo de pequenas transformações nas relações de riqueza e nas relações sociais, vistas no mundo contemporâneo, pode trazer mudanças qualitativas para as pessoas. “O capitalismo pode estar sofrendo uma transformação definitiva para um sistema informacional, um novo mundo que supere o próprio capitalismo.”

De acordo com sua análise, não é que o capitalismo está mudando, mas “está nascendo outra coisa, que não é a indústria 4.0, é uma mudança tão profunda como da era feudal-agrária para a da indústria”.

Na quinta (28), ele comentou o tema de sua obra em sua coluna semanal no Seu Jornal, da TVT.

Assista ao comentário na TVT

Sua análise envolve uma visão que pode ser avaliada como otimista, apesar de constatar que a concentração de renda, devido ao controle exercido pelo capitalismo financeiro, não produtivo, é enorme. Ele acredita na evolução para uma situação em que seja possível a instituição de uma renda básica universal.

Isso pode viabilizar a redução da jornada de trabalho, por exemplo, a partir da qual as pessoas possam “trabalhar menos para tralharem todos”. Ele lembra que alguns países já adotam a jornada reduzida.

É o caso da fria Finlândia, por exemplo, cuja primeira-ministra, Sanna Marin, disse em janeiro acreditar que “as pessoas merecem passar mais tempo com as famílias, entes queridos, se dedicar a hobbies e outros aspectos da vida, como a cultura”. Com 34 anos, Sanna, uma líder de centro-esquerda, é a mulher chefe de Estado mais jovem do mundo.

Soluções como essa apontam para uma mudança gradativa das relações de trabalho atuais, nas quais, diz Dowbor, “uma parte das pessoas está desesperada por trabalhar muito e outra parte por não ter emprego”.

Coronavírus e transformações

Na opinião do professor, a pandemia de coronavírus que assola o mundo provoca uma situação dramática, “mas é um prego no caixão” de um sistema que produziu a contaminação da água doce, a perda de solo agrícola pelo plantio de monoculturas como a soja e a pecuária, que, entre outras atividades predatórias, estão “liquidando as florestas”.

No caso do Brasil, Dowbor tem defendido que é urgente a instituição de uma “renda básica generalizada”, fortalecimento do Sistema Único de Saúde e “financiamento local”. O que acontece, porém, é que o governo Bolsonaro destina R$ 1,2 trilhão, ou 16% do PIB, aos bancos, e apenas R$ 98 bilhões vão para a população vulnerável.

Apesar de chefes de Estado como o poderoso Donald Trump e seu seguidor Jair Bolsonaro negarem, o sistema está transformando o clima, o que é comprovado pela ciência, rejeitada por eles e os negacionistas. O sistema está também “enchendo os oceanos de plásticos, nos enchendo de produtos químicos que causam câncer”, diz Dowbor. Segundo estimativas das Nações Unidas, o câncer mata cerca de 10 milhões de pessoas por ano.

Não vão soltar a sardinha

Para o professor, com ou sem pandemia, a elite “não vai soltar a sardinha de graça”. No entanto, “as grandes mudanças acontecem em momentos de crise”. Ele cita, por exemplo, a transformação por que passaram os Estados Unidos após a grande crise de 1929. Entre medidas adotadas pelo presidente Franklin Roosevelt, estava a cobrança de imposto sobre capital improdutivo com alíquotas que chegavam a e 90%.

Com o New Deal, Roosevelt adotou políticas de grandes investimentos em obras públicas e infraestrutura, na indústria e na agricultura, com diminuição da jornada de trabalho para incentivar a criação de empregos.

Uma das mudanças mais significativas do novo mundo que se anuncia, conforme trata Ladislau Dowbor em seu livro, é o conhecimento imaterial e a possibilidade de sua disseminação pela internet, por exemplo. É o caso dos livros. No entanto, as patentes e o copyright, como normas de controle, ainda “estão travando” o acesso de grandes populações a esse conhecimento.