Debate

Leis sobre terra e território são 90% das medidas de Bolsonaro, afirma ambientalista

Ao lado de José Dirceu, Marcio Astrini discutiu atual desregulamentação ambiental no 2º Seminário Terra e Território

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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José Dirceu, João Pedro Stedile e Marcio Astrini (foto) foram os convidados do 2º Seminário Terra e Território, realizado virtualmente nesta sexta (15) - Reprodução / Canal do MST no YouTube

A desregulamentação das questões ambientais no Brasil tem sido a principal pauta do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). A gestão federal atual se caracteriza pelas tentativas de mudanças legislativas, das quais 90% tratam de questões ligadas à terra e ao território. A afirmação foi feita, nesta sexta-feira (15), pelo ambientalista e secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, um dos convidados do 2º Seminário Terra e Território: Diversidade e Lutas.

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:: Assista aqui ao 2º Seminário Terra e Território, realizado nesta sexta (15) virtualmente ::

Transmitido ao vivo pela internet, o evento contou, ainda, com a participação do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e do dirigente nacional do MST, João Pedro Stedile. O evento tratou principalmente da crise política e econômica pela qual o Brasil passa, no governo de Bolsonaro, como um novo paradigma para as questões ligadas à terra e ao território.

Para Astrini, a agenda bolsonarista vem com uma ideia “muito forte” de desregulamentação, ou seja, de esgarçamento das regras sociais e da capacidade de controle social sobre as questões do meio ambiente. Isso implica em implementar “uma espécie de 'cada um por si': quem tiver mais força e mais dinheiro vai ter mais capacidade de conquista; e aqueles que precisam de auxílio do Estado vão sendo largados no meio do caminho”.

Ainda na avaliação do ambientalista, a gestão de Bolsonaro traz uma ruptura em relação à agenda de disputa do meio ambiente, representada pelo movimento indígena e agrário, por exemplo.

Agora muitos retrocessos “ganham oportunidades muito maiores de se concretizarem. Aqueles projetos que estavam desde a Constituição parados e que não tinham capacidade, porque não tinham espaço para a disputa política para virarem realidade, elas ganham possibilidade de serem reais com Bolsonaro”, afirma Astrini.

Nova roupagem política

A roupagem da ação política em cima do meio ambiente também mudou. Havia uma preocupação dos governantes em não tomar medidas que pudesse ferir sua imagem pública. “Nós perdemos isso”, afirma Astrini. Para ele, o que existe hoje é exatamente o contrário: o estímulo ao conflito que gera ganhos políticos, o que diminui a capacidade de atuação da oposição. 

Diante dessa situação, Astrini defende que é necessário uma mudança de percepção quanto ao Congresso Nacional e o Poder Judiciário. Para ele, “são duas instâncias de poder que ganham muito mais relevância nesse momento. O Congresso Nacional por ser contraponto e por ser o lugar em que a gente pode ter pelo menos a mediação. Mas nessa área socioambiental tem o papel fundamental que é de não compactuar com o governo federal”. Como exemplo, ele cita a Medida Provisória 910 que previa a regularização fundiária de terras da União e que institui normas para licitações, transferindo apra alguns latifundiários do país mais de 65 milhões de hectares, mas que foi barrada na Câmara dos Deputados.

Na mesma linha, José Dirceu afirma que essa ruptura da qual Astrini fala rompe não apenas o trato com as questões ambientais, mas também “o fio da história de soberania e autonomia do País”, que vem sendo implementada desde a década de 1990, quando se iniciou um conjunto de privatizações no Brasil. Mas “é fato” que o rompimento das regras institucionais se deu “principalmente pelo surgimento da extrema direita no Brasil, que é um fenômeno mundial e reflete um estágio do capitalismo financeiro e rentista e das suas contradições. Nós estamos vendo na Polônia e Hungria praticamente governos de extrema direita. E também a influência da direita em países como Itália, França, e mesmo na Áustria, Bélgica, outros países, e o Donald Trump nos Estados Unidos”, defende Dirceu. No Brasil, esse movimento se refletiu em um “governo obscurantista que caminha para um autogolpe se não formos capazes de mudar a correlação de forças”. 

Nesse sentido, tanto Astrini, ao olhar para o Congresso Nacional e o Poder Judiciário; quanto Dirceu, que observa o movimento da extrema direita, defendem que a necessidade prioritária neste momento é a defesa da democracia. Para Dirceu, o momento de realizar uma nova ruptura em favor dos trabalhadores é agora, e isso deve começar por uma reforma tributária. 

“Esse país rico desse jeito pode e deve crescer, mas precisa de uma ruptura, uma revolução social, porque precisa desconcentrar renda e riqueza. Imposto sobre grandes fortunas, heranças e doações, lucros e dividendos, imposto de renda para valer. Então nós temos que fazer uma mudança: em vez de cobrar imposto dos trabalhos sobre bens e serviços, cobrar sobre a renda da propriedade da riqueza e mudar o sistema bancário, e os bancos públicos estão aí para isso.”

Para Dirceu, a pandemia causada pelo novo coronavírus reforça essa necessidade de uma ruptura. “A pandemia expõe as vísceras do capitalismo no mundo. O rentismo, a liberação dos capitais, o capital financeiro levou à globalização que agora está em processo de desglobalização, porque os países começando pelos EUA que querem recompor seus mercados, empregos, suas cadeias de produção e sua soberania.” Nesse processo, o Brasil também precisa olhar para o próprio desenvolvimento, o que implica em uma nova mudança de paradigma, defende Dirceu.

Edição: Vivian Fernandes