Ressonância

A repercussão da saída de Teich: "Não aceitou assumir atos genocidas de Bolsonaro"

Demissão do ministro da Saúde acirra críticas da oposição: "Bolsonaro quer alguém que concorde com suas insanidades"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Empresário com atuação na área de consultoria de serviços médicos, Teich ficou menos de um mês na função, assumida após a demissão de Henrique Mandetta - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A saída do médico oncologista Nelson Teich do cargo de ministro da Saúde, nesta sexta-feira (15), tornou-se mais um ponto das críticas de opositores dirigidas ao governo no Congresso Nacional. Empresário com atuação na área de consultoria de serviços médicos, Teich ficou menos de um mês na função, assumida após a demissão de Henrique Mandetta. Ambos tiveram divergências com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no tocante a medidas adotadas diante da crise humanitária e de saúde causada pelo avanço do coronavírus.      

::Teich diz que saída foi escolha própria, mas não explica motivos::

Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), a queda de mais um ministro mostra que o chefe do Executivo teria interesse em “manter a instabilidade” no país.      

“Isso faz parte da tática do presidente pra não atacar e não coordenar o movimento de controle da pandemia. Ele quer, de fato, que as pessoas morram no Brasil, porque a instabilidade nessa área não poderia ter acontecido. São dois ministros em meio à pandemia. Trocar duas vezes o comandante da área é mostrar que não se tem interesse em controlar a pandemia”, critica.  

Faz parte da tática do presidente pra não atacar e não coordenar o movimento de controle da pandemia. Ele quer, de fato, que as pessoas morram no Brasil.

O receio em torno do possível nome a assumir o cargo a partir de agora também paira entre os deputados. “Teich não aceitou assumir os atos genocidas de Bolsonaro. Podemos ter uma tragédia ainda maior, caso Bolsonaro nomeie agora alguém que aceite ser guiado por sua mente genocida. Ele não é médico, mas receita a cloroquina na esquina e quer liberar geral, suspendendo isolamento. Ele não se preocupa com a vida das pessoas. Só tem uma coisa em mente: sua reeleição. Por isso, a economia é mais importante do que a vida das pessoas”, afirmou, por exemplo, a líder do PCdoB na Câmara, deputada Perpétua Almeida (AC). 

Teich não aceitou assumir os atos genocidas de Bolsonaro.

Cloroquina

O líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), destaca que a queda de Teich tem íntima relação com a defesa da cloroquina para o tratamento de pacientes com covid-19. Apesar de ser uma das bandeiras atuais de Bolsonaro, a utilização da droga para esses casos não tem força no meio científico porque pesquisas de referência internacional não conseguiram identificar eventuais efeitos positivos do remédio, além de terem mostrado o risco de problemas cardíacos associados ao uso.  

Paralelamente, Bolsonaro tenta promover mudanças nos protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS) para autorizar a cloroquina. A iniciativa não é recomendada pelo Conselho Federal de Medicina e foi um dos principais pontos de conflito entre Teich e o presidente.

::Cloroquina: o que dizem os estudos sobre medicamentos para combater o coronavírus::

“A queda do ministro representa a ampliação da crise vivida pelo governo Bolsonaro. Ele quer impor ao seu ministro da Saúde mais uma [coisa] para servir aos interesses americanos, que é o uso da cloroquina, usando os brasileiros como cobaia. Evidentemente, quem tem juízo não pode aceitar isso ”, afirma o Guimarães, acrescentando que a crise afeta a relação com o Congresso Nacional.

“Está na hora de o Congresso se debruçar e discutir abertamente o impeachment, porque este governo não tem mais condições de continuar governando”, defende Guimarães. A líder da bancada do Psol, Fernanda Melchiona (RS), segue a mesma linha. A deputada afirmou, nesta sexta, que a exoneração de Teich pouco tempo após a saída de Mandetta é “muito grave” e fez coro pela queda de Bolsonaro.  

Está na hora de o Congresso se debruçar e discutir abertamente o impeachment.

"Essa dança de cadeiras é mais uma tentativa do Bolsonaro de tutelar todo e qualquer ministro para impor sua visão obscurantista, autoritária e contra a Ciência. A disputa em torno da liberação do uso da cloroquina, mesmo sem evidências científicas, e a guerra que o governo vem fazendo para forçar o fim do isolamento social mostram que o negacionismo está no posto de mando. A irresponsabilidade de Bolsonaro já está custando vidas. É preciso que Rodrigo Maia aceite o pedido de impeachment já", entoou.  

A bancada do PSB seguiu a mesma tendência. Em nota enviada à imprensa, o líder do grupo, Alessandro Molon (RJ), criticou o presidente e reforçou a defesa pela sua saída do cargo. O partido é signatário de um dos mais de 30 pedidos de impeachment apresentados à Câmara dos Deputados.   

"Bolsonaro não quer um ministro técnico; ele quer alguém que concorde com suas insanidades ideológicas, como o fim do isolamento e o uso da cloroquina. Com essa insistência, o presidente perde o segundo ministro da Saúde em menos de um mês e coloca o Brasil de joelhos frente à pandemia. Vamos insistir com o presidente da Câmara para que o pedido de impeachment siga diante. Precisamos evitar uma catástrofe", disse Molon. 

Bolsonaro não quer um ministro técnico; ele quer alguém que concorde com suas insanidades ideológicas.

Na avaliação de Bohn Gass, a mais nova troca de ministro, no entanto, não tende a alterar muito a dinâmica da configuração de forças que a gestão Bolsonaro tem hoje no Legislativo.

Ele aponta como argumento o comportamento do “centrão”, majoritário na Casa, que se movimenta no sentido de evitar maiores desgastes para o governo. À medida que a gestão desidrata, o grupo atua nos bastidores para tentar obter maior liberação de emendas e cargos no governo em troca de apoio legislativo.    

“Acho que muitos [parlamentares] fingem que não enxergam a gravidade da questão. Ele [Bolsonaro] se enfraquece no parlamento e na sociedade, mas, infelizmente, não ainda no patamar que deveria. A reação que o parlamento deveria ter está aquém da gravidade do governo e de suas medidas”, considera o deputado.

“Saiu quem não entrou”

Algumas legendas de outros campos também reagiram à saída de Teich. Ao comentar o caso, o deputado federal e presidente nacional do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), disse que o médico não deixou legado.  

“Saiu quem não tinha entrado. Nesta sexta (15), o ministro da Saúde, Nelson Teich, pediu exoneração do cargo, mas não sei se alguém percebeu, já não fazia diferença. O médico, apesar de conhecimento técnico, não conseguia expor suas ideias, não sabia lidar com a imprensa, teve dificuldade de se ambientar e era desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro o tempo todo, ou seja, não fez nada de significativo nos 28 dias que ficou no cargo”, criticou, acrescentando duvidar que “alguém consiga fazer o presidente aprender com a ciência e perceber que reduzir o isolamento social é colocar mais brasileiros na fila de espera por uma vaga na UTI”.   

Teve dificuldade de se ambientar e era desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro o tempo todo.

A relatora da Comissão Externa de Enfrentamento do Coronavírus na Câmara, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), manifestou preocupação com a saída de Teich. “É uma triste notícia para saúde brasileira neste momento de grave crise sanitária no Brasil. É lamentável que o país perca, em menos de dois meses, o segundo ministro da Saúde em meio à pandemia”.

Edição: Rodrigo Chagas