As mais de 80 mil mortes causadas pela covid-19 nos Estados Unidos, não desviam a atenção de Donald Trump das eleições marcadas para novembro deste ano. Mesmo o país sendo epicentro global da pandemia, o presidente continua defendendo a reabertura comercial e liberação de todas as atividades em nome da economia, visando sua reeleição.
É o que analisa Alexander Main, diretor do Center for Economic and Policy Research in Washington, DC. (CEPR, na sigla em inglês), em entrevista ao Brasil de Fato.
Para o especialista, que classifica a atuação do republicano contra a pandemia como um desastre, a principal preocupação de Trump no momento é atender a vontade dos setores econômicos.
“Ele teme que se a economia não tiver condições de se recuperar em tempo das eleições de novembro, ele irá perder. E ele não está errado em relação a isso. É muito difícil para alguém ser reeleito se houver uma desaceleração econômica em sua gestão. E, nesse caso, é bem provável que seja uma enorme desaceleração econômica”, explica Main.
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Com a popularidade em baixa mas com uma base de apoiadores fiel, Trump ignora a seriedade da pandemia e tem permitindo que governos de estados que o apoiam deixem o isolamento social. Main pontua que a estratégia pode surtir o efeito oposto, já que a pandemia tende se alastrar justamente nas regiões com uma reabertura antecipada e alto índice de aglomeração de pessoas.
Apesar da desaprovação a Trump em nível internacional e das consequências drásticas da pandemia, Main avalia que não há perspectiva positiva para Joe Biden, que ganhou as eleições primárias do partido democrata contra Bernie Sanders para disputar a presidência.
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“Normalmente, se colocar um bom candidato contra Trump, não seria difícil derrotá-lo.O problema é que Joe Biden é um candidato muito, muito fraco. Ele é fraco em termos da sua própria personalidade. Não é capaz de articular muito bem. Ao contrário do Bernie Sanders”, opina o pesquisador.
Main critica o não apoio do partido democrata a Sanders, que se tornou uma referência internacional para as forças progressistas e de esquerda.
“Sanders representa uma agenda que é radicalmente diferente do que o mainstream democrata quer. Mas, ironicamente, ele é o candidato que tem uma plataforma mais atraente para a maioria das pessoas agora”, comenta, detalhando que a população estadunidense deseja mudanças profundas e estruturais em um sistema com tanta desigualdade social.
O diretor de Política Internacional do CEPR lamenta que o candidato escolhido pelo partido democrata não ofereça esse programa. “Biden não é um candidato forte, mas é o único candidato que o establishment democrata realmente confia e estão dispostos a apoiar. As lideranças do partido democrata estariam mais felizes em perder a eleição para o Trump do que permitir que Bernie Sanders ganhasse uma eleição... Porque mudaria estruturalmente o partido democrata. E eles não estão preparados para isso. Não querem perder o controle.”
Confira a entrevista sobre as perspectivas política e socioeconômica para o país nos próximos meses em meio à pandemia que já infectou mais de 1,3 milhões de pessoas.
Brasil de Fato: Qual sua avaliação da atuação de Trump durante a pandemia?
Alex Main: É, obviamente, um desastre completo. Do ponto de vista da saúde pública e também em termos dos impactos econômicos. Ele tem lidado extremamente mal com a situação. Mas eu diria que a performance da administração de Trump é inteligente politicamente. Eles têm estratégias políticas inteligentes para negar a culpa e culpar outras pessoas pela pandemia, principalmente nos chineses. É uma política de efeito que tem ressoado.
O que funcionou politicamente em um primeiro momento foram os briefings diários sobre a pandemia de covid-19 na Casa Branca, que ele liderava e que contou com engajamento público por um tempo. Mesmo que ele tenha feito coisas ridículas durante esses briefings. A última coisa que ele fez foi recomendar que as pessoas injetassem desinfetante para tratar o coronavírus, para mantê-lo longe. Uma loucura completa.
Mas o fato de que ele estava muito presente e engajado lhe rendeu um certo ar de liderança. As pessoas começaram a vê-lo defendendo os Estados Unidos contra essa terrível pandemia.
Eles têm estratégias políticas inteligentes para negar a culpa e culpar outras pessoas pela pandemia, principalmente nos chineses.
Isso foi efetivo por um tempo, mas, com as coisas piorando cada vez mais, ficou óbvio que a visão otimista que ele estava promovendo não era nada realista. Acredito que ele perdeu credibilidade e então largou essa estratégia. Agora não está mais fazendo os briefings diários.
Assim como o Bolsonaro no Brasil, Trump tem priorizado interesses comerciais em detrimento da saúde pública, o que tem gerado efeitos desastrosos. Como podemos ver, a pandemia está pior nos Estados Unidos do que em qualquer parte do mundo até agora.
O que isso tem feito em relação a como olham os EUA internacionalmente é ajudar a desmistificar a imagem dos Estados Unidos muito idealizada pelas pessoas ao redor do grupo, que acreditam que esse país é um bastião, um modelo do progresso. Essa é a imagem que foi promovida pelo imperialismo cultural estadunidense, por meio dos filmes, pelos shows de TV. Essa imagem de estar à frente do resto do mundo é sempre projetada.
Essa situação tem mostrado para as pessoas que essa é uma imagem falsa. E tem revelado, inclusive para as pessoas que vivem aqui, algumas das grandes falhas estruturais desse país. Mostrando o fato de que temos um sistema que não faz um bom trabalho cuidando da maioria das pessoas, mas que está focado em favorecer e ajudar os interesses de um campo privilegiado ao invés da maioria.
E a crise econômica deixa isso ainda mais evidente. Estamos perdendo mais postos de trabalho do que em qualquer outro período da história desse país. As pessoas estão ficando desempregadas, o que mostra que não existe um bom sistema de segurança. Em outros países não existem as mesmas taxas de desemprego porque os empregos das pessoas são protegidos e as companhias não podem apenas demitir tão facilmente. Nos Estados Unidos, eles podem.
Dezenas de milhares de pessoas estão perdendo seus trabalhos. Vemos que essa situação horrível está afetando tanta gente no país e ao mesmo tempo estamos vendo como o mercado de ações estadunidense está forte nas últimas semanas.
E a razão para isso é que tem estímulos e investimento por parte do governo federal, supostamente para ajudar a economia. Mas o que vemos é que na realidade está ajudando as corporações mais ricas dos Estados Unidos. E é por isso que vemos resultados tão fortes no mercado de ações. Elas não representam a economia. Representam o interesse de grandes corporações.
A alta do desemprego afeta a quais grupos, majoritariamente?
As pessoas que estão perdendo seus empregos são aquelas que integram o setor de serviços da economia, o maior setor da economia estadunidense atualmente e onde estão as pessoas que já são as mais desfavorecidas economicamente. Dependemos desse setor mais do que todos os outros.
Todos os postos de trabalho nas redes de fast food, como Mc Donalds e Burguer King, e algumas grandes lojas como Wallmart, são ocupados por pessoas muito mal pagas, com muito pouco ou nenhum benefício. Que não possuem plano de saúde, que não tem direito a atestado e a férias. Eles são duramente explorados e não possuem nenhuma proteção aos seus trabalhos, podem facilmente perdê-los. Todas as pessoas mais pobres são afetadas, principalmente negros e latinos.
Eu diria que os mais afetados são os imigrantes sem documento, que em sua maioria são latinos do México e da América Central. Eles não recebem nenhuma ajuda, qualquer que seja. O governo federal está fornecendo uma ajuda adicional aos desempregados. Não é uma renda muito boa mas ajuda um pouco.
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Mas os trabalhadores sem documento também são os primeiros a perderem os empregos nessa situação, não estão recebendo nada. Estão completamente abandonados. São os mais explorados porque não há regras, que os protejam e determinem como os empregadores devem lidar com eles, como, por exemplo, providenciar condições de trabalho que sejam seguras.
É óbvio que existem pessoas que estão sofrendo mais e são as pessoas que sempre sofreram mais no sistema estadunidense.
E quais são os impactos dessas políticas em nível internacional?
Além de causar enormes danos nos Estados Unidos, as políticas de Trump também estão causando grandes danos no exterior. Em vez de coordenar ações com a Organização Mundial da Saúde e com a China para tentar conter a pandemia em nível global, suspendeu todo o financiamento dos Estados Unidos à OMS e embarcou em uma nova Guerra Fria contra a China. Ele também se recusa a cooperar com outros governos no compartilhamento de conhecimentos e na distribuição de suprimentos médicos e equipamentos de proteção.
O governo Trump negou apelos do Secretário-Geral da ONU, do Papa e de outros líderes globais para suspender sanções econômicas contra Venezuela, Cuba, Irã, Coréia do Norte e outros países. Essas sanções, que já estavam causando efeitos destrutivos nas economias e populações nacionais antes da pandemia, agora dificultam ainda mais o acesso a equipamentos médicos vitais e o enfrentamento da crise econômica global para os “países-alvo”;
Trump também está impedindo a emissão de Direitos Especiais de Saque - ativos de reserva internacional produzidos e distribuídos pelo Fundo Monetário Internacional para todos os países do mundo no contexto de severas crises econômicas.
Neste cenário, quais são as perspectivas para a eleição? A postura de Trump é motivada por interesses eleitorais?
Com certeza. É por isso que o Trump está tão preocupado em reabrir os comércios. Porque ele teme que se a economia não tiver condições de se recuperar em tempo das eleições de novembro, ele irá perder. E ele não está errado em relação a isso.
Esse é o padrão que temos visto nas eleições aqui nos Estados Unidos e é verdade também em outros lugares do mundo.
Ele não quer se associar aos esforços para conter a pandemia. Parte porque tem sido um grande desastre mas a sua estratégia tem mudado e agora foca em inimigos externos. Então, ele culpa os democratas e, mais do que tudo, culpa a China.
O que é algo obviamente falso. Sabemos, por exemplo, Trump foi informado pelos serviços de inteligência americano em janeiro que a pandemia muito provavelmente chegaria aos Estados Unidos e que medidas realmente duras deveriam ser tomadas para lidar com o coronavírus.
E ele não reagiu. Ele não fez nada. Esperou, praticamente, até março para reagir à pandemia. Isso não tem nada a ver com a China. Mas de fato existe muito de um sentimento anti-China nos Estados Unidos e ele tem se usado disso para fazer com que as pessoas foquem na China ao invés de identificar que a forma em que ele está manejando a crise é o real problema.
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A expulsão dos imigrantes em meio à pandemia também corresponde a interesses eleitorais?
Sim, isso tem sido parte da sua agenda há algum tempo. Dele e do Steven Miller, consultor sênior na Casa Branca, que é um homem de direita e xenofóbico. Eles tem tentado usar toda a oportunidade que podem para implementar políticas xenofóbicas, elegendo como alvo todos os imigrantes que vão vem da Europa. Em particular, imigrantes da América Latina. Estigmatizando-os, tratando-os como criminosos, sujos. E agora, claro, classificando-os como "carregadores do vírus".
Trump disse pra fechar as fronteiras, mas não há com o Canadá, a com o México. E continuou dizendo que os imigrantes trariam o vírus para os Estados Unidos, quando na verdade é o oposto.
Os Estados Unidos continuam deportando migrantes em meio à pandemia e muito deles estão com covid-19 após serem infectados aqui. Frequentemente em centros de detenção, onde foram mantidos em aglomerações. O governo estadunidense é o responsável por eles terem sido contaminados em primeiro lugar, e depois, ainda são enviados para países como Guatemala, Honduras, El Salvador. Países que possuem uma estrutura de saúde muito frágil. E que obviamente têm poucos recursos para lidar com a pandemia.
Então, eles estão exportando a pandemia para esses países e criando crises maiores nesses países. O que levará a migração de mais pessoas desses países devidos as condições deles. É um completo absurdo e uma política contra-produtiva.
Estão exportando a pandemia para esses países e criando crises maiores nesses países.
Há chances do Trump se reeleger? As respostas insuficientes ao coronavírus geraram algum impacto?
Sim, com certeza há um impacto. Sua popularidade está caindo mas ele não perdeu a popularidade em seu eleitorado. Aqueles que eram grandes apoiadores dele antes continuam o apoiando. Acredito que isso tem muito a ver com a mídia e as redes sociais, que é basicamente o que mantém essas pessoas. Novamente, me lembra o Brasil e os apoiadores de Bolsonaro.
Eles vivem em uma bolha que não é baseada na realidade. É baseada em mentiras, em informações desencontradas e omissão dos fatos. Dos fatos que mostram que a administração Trump poderia ter agido de maneira decisiva muito mais cedo, que ele tinha a informação dos serviços de inteligência para tomar as ações necessárias. E ele não fez, esperou até março. Foi muito irresponsável.
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Ele se recusa a assumir a responsabilidade pela forma com a qual está lidando com a crise. Basicamente, sua mensagem para os estados é: "Faça o que quiserem fazer". É uma irresponsabilidade em um nível extraordinário.
Eu penso que em algum momento ele será punido por isso, incluindo em lugares em que ele tem mais bases de apoio. São eles que agora estão abrindo o comércio, e, consequentemente, onde o vírus irá chegar com mais força e criar ainda mais problemas econômicos e de saúde para essa população a longo prazo. Eu acho que essa estratégia, se podemos chamar assim, terá o efeito oposto.
Há chances de as eleições serem adiadas por conta do coronavírus?
Eu acho que é muito improvável que isso vá acontecer. O único jeito seria se, e isso não é impossível, se existisse uma segunda onda de infecções pelo coronavírus no outono. Em outubro, novembro... algo que realmente torne difícil manter a logística para as eleições.
Nesse cenário, é possível que sejam adiadas. O que muitos grupos estão tentando fazer é desenvolver melhores sistemas remotos de votação, para que as pessoas consigam votar por e-mail ou pela internet. Trump e os republicamos estão se opondo a isso. Eles pensam que irá ajudar os democratas, o que é possível.
A estratégia republicana sempre foi limitar a quantidade de pessoas que vota porque, em geral, quanto mais pessoas votam, isso significa que mais minorias e pessoas de baixa renda irão votar. E obviamente isso não favorece os republicanos. A estratégia é tentar baixar a quantidade de votos.
Biden é o candidato democrata que irá concorrer contra Trump. Quais são as perspectivas para a corrida eleitoral com esses dois perfis?
Em teoria, não deveria ser difícil ganhar contra alguém como Trump. Ele não é tão popular. Ele tem uma base que é forte, que continua a lhe dar suporte, mas não representa mais de 30% do eleitorado.
E ele também não era realmente popular antes da pandemia e durante um período em que a economia era forte, o que é muito incomum na história dos Estados Unidos. Geralmente, se há uma economia forte, o presidente tem a maioria do apoio da população.
Normalmente, se colocar um bom candidato contra Trump, não seria difícil derrotá-lo. O problema é que Joe Biden é um candidato muito, muito fraco. Ele é fraco em termos da sua própria personalidade, não tem uma personalidade engajadora.
Eu acho que de um ponto de vista cognitivo, ele não é capaz de articular muito bem. Ao contrário do Bernie Sanders, que se mantém como um bom e articulado orador, Biden está envelhecendo e tem perdido a habilidade de falar de forma articulada.
É um problema sério que o time de Biden tente o manter longe de entrevistas de mídia, por exemplo. Ou evitar que ele faça longos discursos públicos. Não é uma coisa boa. No momento, ele está perto do invisível. Ninguém está prestando atenção nele.
A outra fraqueza é a sua plataforma, que é basicamente concorrer como uma pessoa que irá manter o legado, as políticas, de Obama. Ele é um presidente popular mas o problema é que suas políticas não são. Neste momento, eu diria que a maioria das pessoas querem profundas mudanças de sistema neste país. Sejam eles apoiadores do Trump ou pessoas que o odeiam.
O Trump conseguiu ser popular porque ele se estabeleceu como o anti-establishment, o oposto dos setores da elite, com o discurso de tentar mudar as coisas, mesmo que não tenha mudado nada. Ele consolidou o poder de grandes bancos e corporações nos EUA, por exemplo.
Mas, novamente, é uma questão de percepção. E essa é a imagem que ele conseguiu projetar com sucesso, com a ajuda da mídia, da mídia que lhe da suporte, como a Fox News.
Mas o que as pessoas realmente querem, é um candidato que represente mudança. Particularmente agora com essa pandemia, em que estamos vendo seus problemas estruturais, o nível da desigualdade, a ausência de uma rede de proteção social.
Estamos em um contexto em que as pessoas precisam de uma liderança que realmente possa dar conta dos problemas. Então, a população está saindo do individualismo exagerado que dominou a sociedade estadunidense. Estão vendo que temos que nos ajudar e que todos devem ser ajudados.
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Estão vendo que é necessário oferecer o suporte para uma vida decente, para um cuidado de saúde decente, para que todos tenham uma educação decente, para sermos financeiramente sustentáveis.
Biden não oferece essas coisas. Ele só oferece uma continuação da agenda do Obama. O Obama melhorou um pouquinho o sistema de saúde, mas não tanto. Durante o governo dele, a desigualdade cresceu. A pobreza cresceu. Foram muitos problemas que pioram para as pessoas com Obama.
Essa é parte das razões do porque a Hilary Clinton não venceu as eleições em 2016. Porque ela também se apresentou como a continuação do Obama. E em 2016 as pessoas estavam preparadas para algo novo. Biden não oferece isso.
Bernie Sanders representa uma agenda que é radicalmente diferente do que o mainstream democrata quer.
Mas ele está lá, porque o establishment democrata, as lideranças do partido democrata, confiaram no Biden. Acham que ele é um deles, alguém que eles possam controlar. A liderança democrata não quer perder o controle, e por isso lutaram tanto para impedir que Bernie Sanders ganhasse as eleições primárias.
Bernie Sanders representa uma agenda que é radicalmente diferente do que o mainstream democrata quer. Mas, ironicamente, ele é o candidato que tem uma plataforma mais atraente para a maioria das pessoas agora.
É uma plataforma com mudanças no sistema, com bandeiras como o acesso universal à saúde, o cancelamento de dívidas, tornar as universidades sejam públicas. Itens muito diferentes que chamam muita atenção, que tem muito apelo, principalmente exatamente agora, em meio à essa pandemia, em que as coisas estão tão, tão ruins.
Biden não é um candidato forte, mas é o único candidato que o establishment democrata realmente confia e estão dispostos a apoiar. As lideranças do partido democrata estariam mais felizes em perder a eleição para o Trump do que permitir que Bernie Sanders ganhasse uma eleição. Porque mudaria estruturalmente o partido democrata. E eles não estão preparados para isso. Não querem perder o controle.
Pode-se dizer que o Bernie Sanders criou um legado? Ele é uma referência para esquerda.
Comparando com outros países, ele não pode ser considerado revolucionário. Ele é um reformista. Mas, de alguma forma, é um processo similar ao de Barry Goldwater. Ele liderou a revolução conservadora dentro do partido republicano nos anos 1960, uma mudança que levou à eleição de Ronald Reagan.
Foi quando o partido realmente rompeu com as políticas progressistas que se tornaram consenso após a II Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, tanto os republicanos quantos os democratas faziam parte disso. Eles queriam estabelecer um sistema de segurança social que levou os direitos dos trabalhadores mais em consideração.
Mas Barry Goldwater veio e representou esse individualismo rompante. "Menos governo é melhor". Isso levou a uma revolução no partido.
Bearnie Sanders segue parecido com o que era o partido democrata nessa época [na defesa de um sistema de segurança social], mas sua influência tem colocado o partido em uma trajetória mais de esquerda no que tange políticas socioeconômicas. O que acho que é diferente do partido das décadas de 1960 e 1970 é que ele é muito mais progressista em relação à política externa.
Os democratas, na década de 60, representados pela presidência de Lyndon B. Johnson, eram fortes em políticas econômicas e sociais progressistas, internamente. Mas em relação à política externa, estavam lutando na Guerra Fria e envolvidos na guerra do Vietnã.
Com o Bernie Sanders, houve uma grande melhora com essa tradição dentro do partido democrata. É alguém progressista internamente e externamente. Internacionalmente, ele deixou bem claro que se opõe à intervenções miliares dos EUA no exterior. E tem demonstrado um respeito pela lei internacional muito maior, em processos de nações soberanas. Nesse sentido, ele é muito diferente de líderes do partido democrata mais de esquerda do passado.
Bernie Sanders é um produto de uma mudança gradual que tem acontecido na sociedade americana. Uma mudança que cresceu depois da crise econômica de 2008, a crise financeira global. Cresceu, por exemplo, com o movimento Occupy que realmente apontou para o problema da desigualdade nos Estados Unidos. É ai que está a ideia do "nós somos os 99%".
É a ideia de que 1% do país, e na verdade é até menos que isso, que detém a maioria da riqueza e poder nos Estados Unidos. Houve o crescimento de uma conscientização pública sobre esse problema da desigualdade.
E o Bernie Sanders sempre falou sobre a desigualdade, desde 1960. Mas, de repente, ele se tornou uma figura mais importante politicamente porque mais pessoas estavam atentas a esses problemas. Então, as coisas que o Bernie Sanders estava dizendo ressoaram mais. E foi isso que o fez um líder forte nesse período, seguindo o movimento Occupy.
O fato de que Bernie Sanders não estará nas próximas eleições, não é, obviamente, uma coisa boa no que se relaciona ao progresso deste país. Mas, há um movimento forte, independente de Bernie Sanders, que ainda trará impactos nas políticas do país e principalmente no partido democrata. Eles mudarão coisas muitos significativas. Aliás, eles já começaram a fazer isso. A agenda do partido democrata é um pouco mais à esquerda do que costumava ser anos atrás. Isso graças a esse movimento.
A tendência é de acirramento da competição entre EUA e China?
Sim, acho que sim. Infelizmente, a retórica contra a China é persistente, especialmente com o Trump os culpando pela pandemia. Estamos vendo cada vez mais, movimentos agressivos dos Estados Unidos contra a China.
Mas temos apoiado, por longos anos, uma acumulação militar em regiões no sudoeste da China. Justificando que eles estão protegendo outros países da influência e do imperialismo chinês. Na realidade, eles estão criando uma situação de confronto militar com a China.
Estamos realmente vendo uma espécie de Guerra Fria, uma continuação da guerra fria com foco na China. E tudo para ajudar internamente. Para culpar os outros e distrair a população dos problemas econômicos e sociais.
O lado bom disso tudo é que as coisas tem piorado tanto e tão rápido para muitas pessoas, que essa agenda que o Bernie Sanders defende, o seu discurso, está crescendo e se tornando mais e mais popular. Isso vai ajudar a consolidar um campo de esquerda, forças progressistas nos Estados Unidos, de um jeito que não vemos há décadas. Provavelmente desde 1960.
Vamos ter um movimento progressista que surgirá dessa situação horrorosa fortalecido. Que representará uma esperança para que a política desses país possam ir para uma direção muito mais progressista no futuro.
Mas há também o perigo de um fascismo real. Em situações de crise econômica isso pode acontecer, como nos anos 1930 pela Europa. A esquerda cresceu de forma intensa mas, de outro lado, o ultranacionalismo, a xenofobia, a direita e forças associadas ao fascismo, também cresceram.
Já vimos isso com o Trump. É o fenômeno que vem acontecendo. Não de uma maneira muito organizada, mas podemos esperar que essas forças se tornem fortes e organizadas do mesmo jeito. Vamos ver uma esperança progressista no futuro, mas também ameaças verdadeiramente reais, uma movimento de ultra-direita organizado.
Edição: Rodrigo Chagas