MP 910

Sob forte oposição, Câmara adia votação da “MP da Grilagem”, que pode virar PL

Assinada por Bolsonaro em dezembro, medida perde efeitos se não for aprovada pelo Congresso até 19 de maio

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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"Vai cair no colo da Câmara a responsabilidade pelo desmatamento”, critica deputado Nilto Tatto (SP) - Maryanna Oliveira/Câmara dos Deputados

A Medida Provisória (MP) 910, apelidada por opositores de “MP da Grilagem”, teve a votação adiada nesta terça-feira (12), na Câmara dos Deputados. O tema foi discutido em sessão do plenário, mas os líderes partidários não conseguiram acordo para colocar em votação o texto do deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), relator da proposta. A MP foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em dezembro do ano passado e caduca no próximo dia 19. Caso não seja votada e aprovada até lá, perde os efeitos.  

Ao alterar as regras de regularização fundiária em terras públicas federais, a MP prevê a legalização de milhares de imóveis rurais, permite a obtenção de títulos de terra sem vistoria prévia e transforma em proprietários aqueles que invadiram terras da União.

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Por conta das dissidências em torno do tema, alvo de um intenso antagonismo entre a bancada ruralista e a oposição, a MP não estava oficialmente na pauta desta terça-feira. A crescente pressão do agronegócio, no entanto, fez com que o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcasse uma sessão nesta data especificamente para apreciar o texto.

A iniciativa gerou uma série de faíscas entre líderes partidários porque não havia acordo prévio para votar o texto. Por conta disso, o plenário da Casa virou palco de protestos de opositores contra a colocação da matéria na pauta. Além de se opor ao conteúdo da medida, o grupo se queixa de quebra de acordo por parte de Maia e dos líderes da maioria. O líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), lembrou que o protocolo firmado pelas bancadas para as votações remotas durante a pandemia prevê apenas a apreciação de pautas consensuais.

“Essa é uma matéria que nos divide. E se, como diz o relator, ela mantém, por exemplo, o marco temporal da lei em vigor, que é 2008, qual a necessidade em aprovar essa matéria, senão permitir a regularização de terras públicas no Brasil inteiro? E vai ser qualquer tipo de terra pública. Isso vai cair como uma bomba. É um erro se votar isso”, criticou.

A bancada do PSol também reforçou o coro de quebra de acordo. “Entendemos que uma medida provisória que legaliza e, inclusive, facilita, na medida em que regulariza pessoas que cometeram crimes ambientais, que desmataram as nossas florestas, que avançaram pelos territórios indígenas, nada tem a ver com a covid-19. Nós achamos que o país, neste momento, passa por uma pandemia extremamente grave. São 11.700 mortos,  há mais de 150 mil pessoas contaminadas e nós ainda temos um desgoverno obscurantista, que pressiona esta Câmara para votar a MP 910”, criticou a líder da legenda, Fernanda Melchiona (RS).

Projeto de lei

Agora, com o fim da sessão plenária sem votação da proposta, Rodrigo Maia anunciou que o tema pode ser colocado em votação na próxima semana, mas no formato de projeto de lei (PL). A ideia inicial seria aproveitar o conteúdo do texto de Zé Silva, que também irá relatar a medida. Maia agendou uma reunião de líderes para a manhã desta quarta-feira (13), quando deverá ser discutida a pauta das próximas duas semanas. Na ocasião, os partidos deverão decidir os rumos do tema.

Para a oposição, que vinha batalhando pela invalidação da MP, a conversão da matéria em um PL faz o grupo ganhar tempo na articulação contra a proposta, especialmente junto a segmentos sociais. O tema de defesa do meio ambiente é um dos mais populares no ambiente político e costuma mobilizar múltiplos atores, como artistas, indígenas, sem-terra, quilombolas e setores da classe média.     

Articulação

Após reuniões de articulação durante o dia, os seis partidos de oposição fecharam questão contra a medida. O grupo reúne PT, PSB, PDT, PSol, PCdoB e Rede. A bancada do PV, que tem quatro membros, também se uniu ao campo nesse posicionamento. As sete legendas tentaram obstruir o processo de votação da MP nesta terça.  

Um requerimento de retirada de pauta apresentado pela oposição contou com votos contrários de partidos como DEM, MDB, Republicanos, PSD e Solidariedade. O PSL, por exemplo, sigla do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no início do mandato, resolveu liberar a bancada por conta de fissuras internas em relação ao tema. A MP é alvo de lobby do chefe do Executivo e especialmente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que reúne os ruralistas e integra oficialmente o governo Bolsonaro.       

Pontos mais críticos

O parecer do relator, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), passou por diferentes redações em meio às negociações sobre a MP. Na última versão, o texto modificou alguns pontos que estão entre os trechos mais criticados pela oposição.  

Um deles diz respeito ao perdão de multas por grilagem até 2019, que agora passa a ser até 2009, pela nova proposta de Silva. Outro trata da autodeclaração de posse para obter a regularização fundiária de uma terra. Antes, o texto previa um limite de até 15 módulos fiscais para entrar na regra. Depois, a medida de referência caiu para 6 módulos e, agora, após novas negociações, para 4. As alterações, no entanto, não foram suficientes para a oposição, que segue entoando críticas ao texto.  

A líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), destaca, por exemplo, a falta de um diálogo aprofundado sobre o tema, especialmente com os segmentos mais atingidos pela MP, como indígenas, quilombolas e sem-terra.  

“Este é um período muito ruim, porque as comunidades tradicionais interessadas no assunto você não tem como reunir. Como é que a gente vota uma matéria que tem a ver com a vida das comunidades rurais que estão lá dentro da floresta se elas não têm chance de opinar? Então, não tem como concordar com a votação, por isso decidimos não aceitar votar”, disse ao Brasil de Fato.

O texto em questão também abre mão de vistorias, mesmo em áreas de conflito agrário, apontando que o acompanhamento será feito por satélites. Especialistas e opositores afirmam que a medida afrouxa a fiscalização e favorece a grilagem.

“Alguns pontos, de certa forma, amenizaram o texto [do relator], mas ele mantém a perspectiva de premiar aqueles que desmataram. Vai cair no colo da Câmara, no nosso colo, a responsabilidade pelo desmatamento, e isso não é do nosso interesse”, disse o deputado Nilto Tatto (SP), do Núcleo Agrário do PT na Câmara, ao fazer um apelo pela retirada do tema da pauta desta terça.   

“A gente defende que seja a mantida a legislação atual e que, se for pra discutir isso, que seja em outro tempo, não num período de pandemia, e numa discussão com toda a sociedade. Essa é a grande questão. Temos a expectativa de que isso possa ser debatido de uma outra forma”, disse ao Brasil de Fato o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB-SP).

O relator, deputado Zé Silva, rechaça as críticas e argumenta que ouviu os diferentes segmentos envolvidos no tema para chegar ao texto final. “Fiz a interlocução com a Frente Parlamentar da Agropecuária, com a Frente Parlamentar Ambientalista, com o movimento Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, ouvi também a academia — UFMG, PUC-RJ —, e, principalmente, técnicos do governo, do Incra e do Ministério da Agricultura”, disse no plenário.

A bancada ruralista e seus aliados argumentam que a MP torna os procedimentos de regularização mais eficazes, acelerando a concessão de títulos de terra e facilitando o acesso ao crédito rural.

Sociedade civil

A tentativa de colocar o texto em votação foi duramente criticada também por movimentos populares e entidades da sociedade civil organizada. Em conversa com a reportagem, Mariana Mota, da campanha de Políticas Públicas do Greenpeace, disse que a MP carece de uma discussão mais ampla e que o texto é prejudicial ao país.  

“É vergonhosa a decisão da Câmara. O rito especial do Congresso Nacional pra votar medidas emergenciais pra minimizar os impactos da pandemia, na verdade, está sendo usado pra tentar passar outras matérias que, inclusive, podem agravar os efeitos da pandemia na vida das pessoas, especialmente aquelas que vivem na floresta e dela dependem”.

A porta-voz acrescenta que a MP favorece o que chama de “criminosos da floresta”. “A grilagem é um negócio que dá lucro e o Congresso, com essa decisão [de votar a MP], deixa clara a sua posição em favor daqueles criminosos que beneficiam da grilagem”, acrescenta.

Edição: Vivian Fernandes