Regularização

Em carta de repúdio, parlamentares de oposição pedem freio para “MP da Grilagem”

Alvo de grande mobilização do governo Bolsonaro e de aliados, MP pode ser votada na Câmara na próxima segunda (11)

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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MP 910 expande simplificação da regularização de terras para imóveis com até 15 módulos fiscais - Arquivo/Agência Brasil

Um grupo com cerca de 24 parlamentares apresentou, nesta quarta-feira (6), uma carta repudiando a tentativa de votação da Medida Provisória (MP) 910, apelidada por ambientalistas de “MP da Grilagem” por facilitar a prática. O documento foi encaminhado ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem a prerrogativa de colocar ou não o tema em votação.

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Com vencimento previsto para o dia 19 deste mês, a medida é alvo de intenso lobby da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada ruralista, que corre contra o tempo para tentar aprovar o texto. Caso a proposta não seja votada e aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado até essa data, irá caducar. Nos bastidores, a tropa de choque do Planalto atua para tentar colocar a MP na ordem do dia da próxima segunda-feira (11) na Câmara.  

A carta produzida nesta quarta-feira é assinada por sete senadores e 17 deputados, incluindo membros das siglas PT, PSB, Psol, PCdoB, Rede e Cidadania. No documento, os parlamentares destacam que, por ser bastante controversa, a pauta tende a não obter um consenso técnico ou político em curto espaço de tempo e em meio à pandemia.

O manifesto dos opositores ressalta ainda que “a Frente Parlamentar Ambientalista se compromete a estabelecer uma agenda de debates com a FPA e outros atores da sociedade em busca dos aperfeiçoamentos que necessitam ser feitos na legislação sobre a regularização fundiária em terras da União”, considerando o eventual vencimento da MP sem votação.

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O grupo defende que o tema seja colocado em votação somente após a crise criada pela covid-19 e em forma de projeto de lei ordinário, formato legislativo em que os trâmites têm prazos mais elásticos e o debate é amplificado, com realização de diferentes audiências públicas.  

“Neste momento de pandemia e neste sistema de votação [remota] que a gente tem agora no Congresso, não se permite um maior diálogo com todos os atores que precisam participar desse debate com  mais profundidade. Eu falo da sociedade como um todo”, afirma o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da  Frente Parlamentar Mista de Apoio aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e um dos signatários do manifesto.

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De modo geral, as pautas que afetam a defesa do meio ambiente impõem maiores dificuldades políticas à bancada ruralista em termos de articulação e aprovação. Com ampla simpatia popular, o tema costuma mobilizar a classe artística e diferentes segmentos da classe média, em especial quando o assunto está relacionado à proteção da Amazônia.

Por conta disso, tais pautas costumam ter tramitação mais lenta e maior dificuldade de chancela. Com o cenário de pandemia e as mudanças na agenda do Congresso Nacional, que suspendeu a realização de audiências públicas e agora faz votações virtuais, a FPA tenta aproveitar o contexto para fazer a MP 910 avançar sem muitos holofotes. A estratégia é criticada não só por parlamentares de oposição, mas também por entidades da sociedade civil organizada.   

A advogada Juliana Batista, do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que a entidade sente falta de um debate amplo e aprofundado sobre a medida: “É absolutamente impossível ter qualquer possibilidade de participação da sociedade por votação remota, por isso é tão preocupante que temas que tragam um agravamento pra governança fundiária do país e pra conservação do meio ambiente sejam deliberados sem debate”.  

Governo

A MP é alvo de grande mobilização do governo Bolsonaro e aliados. Nesta quarta-feira e via redes sociais, o presidente cobrou a aprovação da pauta. Aliado da bancada ruralista, o chefe do Executivo tem a FPA como uma das forças econômicas de grande influência no governo. A retórica adotada pela gestão é a de que a regularização de uma quantidade maior de terras seria importante para o desenvolvimento do país, segundo destacou o chefe do Executivo nesta quarta.  

A pauta tem o apoio do chamado “centrão”, que reúne partidos da direita liberal no Congresso, mas ainda não obteve um consenso que permitisse a colocação do texto em votação.

Conteúdo

Do ponto de vista do conteúdo, a MP altera uma série de dispositivos na Lei nº 11.952/2009, que trata da regularização fundiária em áreas da União ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A legislação vigente prevê procedimento simplificado para a regularização de áreas com até 4 módulos fiscais, com base em autodeclaração e sem exigir prévia vistoria para a maioria dos casos. A MP 910, que foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em dezembro de 2019, expande essas prerrogativas para imóveis com até 15 módulos fiscais. Na Amazônia, a regra alcançará uma área de 1.650 hectares.

Pelo texto, o controle principal seria realizado via sensoriamento remoto. Os opositores apontam que, apesar da relevância científica, as imagens de satélite não comprovam a posse de uma terra, atestando apenas a região que foi desmatada.

Outro aspecto duramente criticado pela ala ambientalista é a dispensa de licitação para comercialização de terras de até 2.500 hectares. “Pra nós, isso é muita coisa. A gente acredita que a renúncia fiscal envolvida nesse projeto é de R$ 77 milhões de reais que o governo deixa de arrecadar pra dar terra de graça pra esses grileiros. O texto do relator já melhorou em algumas coisas, mas tem problemas ainda, e esse é um deles”, afirma o coordenador da Frente Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), ao mencionar um dos trechos mais polêmicos da MP, acusada de beneficiar grandes desmatadores e grileiros.

O parlamentar destaca que a quantidade de terra passível de regularização sem vistoria atinge números astronômicos. “Pra você ter uma ideia, 95% dos processos fundiários do Brasil são de até 5 módulos fiscais. Só que acima de 5 módulos nós estamos falando de algo em torno de  um total de terras que fica em torno 24 a 30 milhões de hectares. Então, é um número pequeno de terras beneficiadas, mas um volume de terra muito alto. O que a gente quer é tirar os grandes grileiros e deixar só pros assentados e pequenas ocupações”, afirma Agostinho, ao mencionar o pleito da oposição.        

Edição: Vivian Fernandes