Desde que assumiu a presidência, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) adotou uma política exterior hostil em relação à Venezuela.
No entanto, a ruptura de relações com o governo constitucional venezuelano ganhou um novo episódio quando o Ministério de Relações Exteriores decidiu encerrar a missão diplomática brasileira na Venezuela, no dia 5 de março. A decisão se efetivou oficialmente no dia 17 de abril, com o regresso de 38 diplomatas brasileiros e adidos militares.
Em seguida, ordenou a expulsão de 34 diplomatas venezuelanos do Brasil, que deveriam deixar o território nacional até o dia 2 de maio. O procurador-geral da República, Augusto Aras, recomendou, no dia 1º de maio, ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, retomar a decisão somente depois do fim da pandemia.
Também atendendo a um pedido liminar de habeas corpus do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso mandou suspender, na tarde do dia 2 de maio, em caráter de urgência, a decisão do Ministério de Relações Exteriores de expulsão dos diplomatas venezuelanos e deu prazo de dez dias para que o governo federal apresentasse explicações sobre o caso.
O Ministério de Relações Exteriores respondeu solicitando a suspensão da liminar. Com isso, Barroso encaminhou o caso ao Ministério Público Federal que ainda deve emitir seu parecer.
"Como o MPF já havia se manifestado contrário à expulsão dos diplomatas durante a pandemia eu tenho a expectativa de que eles irão manter essa posição", afirmou o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS).
Em um comunicado oficial, publicado ainda no dia 30 de abril, a missão diplomática venezuelana havia assegurado que não deixaria o país.
Segundo o governo bolivariano, as autoridades brasileiras mencionam negociações que nunca aconteceram. No comunicado, a chancelaria venezuelana acusa o governo Bolsonaro de perseguição.
"Informamos que o pessoal diplomático e consular da Venezuela no Brasil não abandonará suas funções, sob subterfúgios alheios ao direito internacional, cujo único propósito é enganar a opinião pública para dissimular sua aberta subordinação ao governo estadunidense que hoje dirige a outrora prestigiosa política exterior brasileira", informam.
A ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) também questionou a relação do ato de ruptura diplomática com a última tentativa de golpe contra a Venezuela. "A absurda tentativa de expulsão ocorreu dias antes da invasão da Venezuela por mercenários suspeitos de ligação com Guaidó para cometer atos terroristas e sequestrar Nicolás Maduro. A invasão foi repelida, mas a Venezuela é alvo de um bloqueio genocida contra seu povo", publicou a ex-presidenta em sua conta do Twitter.
Falta de assistência
A postura do Palácio do Itamaraty além de violar a Convenção de Viena – que orienta a relação diplomática entre dois Estados-nação – desrespeitar os direitos humanos dos diplomatas venezuelanos; também deixa milhares de brasileiros em situação vulnerável.
De acordo com dados oficiais, cerca de 11,8 mil brasileiros residem na Venezuela, 8 mil apenas na região do município de Santa Elena de Uairén, estado Bolívar, fronteira com Roraima.
Além disso, segundo o ministério, até o momento foram recebidos 95 pedidos de repatriação. Deste total, 60 são de brasileiros com estadia temporária na Venezuela e outros 35 se referem a brasileiros residentes no país, em sua maioria estudantes.
Situação de Sabah Kassen Azanki, paulista, que viajou no dia 26 de janeiro e pretendia retornar do país vizinho no dia 28 de março, no entanto, com a quarentena decretada a nível nacional no dia 14 de março, Sabah permanece com a filha e o neto, recém nascido, na cidade de Punto Fijo, estado Falcón, extremo norte do país.
"Quando enviamos e-mail ao Itamaraty eles nos pedem para preencher o mesmo formulário e no what's app nos pedem paciência", afirma Azanki.
Para o mineiro Thawler Andrade dos Santos a volta da Venezuela foi possível graças à repercussão do seu caso na imprensa.
Ele viajou no dia 7 de março para a Venezuela e havia planejando regressar no dia 2 de abril, no entanto, só conseguiu voltar duas semanas mais tarde. Thawler foi um dos dez cidadãos que conseguiram uma carona no voo que transladou os diplomatas brasileiros depois do encerramento da missão venezuelana pelo governo Bolsonaro.
"O contato com o Itamaraty foi muito difícil. Os diplomatas brasileiros diziam que como já haviam encerrado as atividades não tinham mais autonomia para nos atender. Também me negaram um pedido de salvo conduto para tentar viajar por terra", garantiu.
Segundo o analista de sistemas, desde o dia 15 de março ele tentava contato com as autoridades diplomáticas brasileiras para solicitar apoio, mas poucas vezes recebeu respostas.
"Mesmo quando já havia sido divulgado pela mídia que existiria esse voo para repatriar os diplomatas brasileiros e nós pedíamos ajuda, o Itamaraty seguia negando. Foi um descaso. Eu recebi muito mais apoio da embaixada da Venezuela no Brasil que dos embaixadores brasileiros. Os venezuelanos estavam muito mais preocupados com a gente", denuncia.
Eu recebi muito mais apoio da embaixada da Venezuela no Brasil que dos embaixadores brasileiros.
Outros brasileiros também receberam apoio das autoridades venezuelanas que lhes conferiram salvo conduto para poder viajar por terra. No território nacional receberam apoio da deputada federal Marcivânia Flexa (PCdoB-AP) e do senador Randolfe Rodrigues (Rede -PE).
Thawler dos Santos ainda afirma que foi incentivado a gravar um vídeo agradecendo o apoio das autoridades brasileiras no seu processo de repatriação. O seu relato crítico foi editado pela assessoria do Itamaraty tentando manipular o sentido da mensagem.
Novo processo
Por esse motivo, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) protocolou uma nova representação contra o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo à procuradora federal dos direitos do cidadão do MPF, Debora Duprat, solicitando a reabertura de um consulado ou sede diplomática brasileira em território venezuelano.
"O que importa aqui ressaltar é que a atitude do governo brasileiro resultou no efetivo abandono dos cidadãos brasileiros que estão de passagem ou vivem no território venezuelano. Trata-se de omissão séria, muito agravada pelo fato de que esses nossos cidadãos encontram-se em território estrangeiro em meio a maior pandemia que afetou a humanidade nos últimos 100 anos", detalha o documento.
Sequência de hostilidades
Depois de deixar de reconhecer a legitimidade do governo do presidente Nicolás Maduro para aliar-se à narrativa de Estado paralelo do deputado Juan Guaidó, Bolsonaro também suspendeu as cartas diplomáticas dos funcionários nomeados pelo atual governo.
:: Quem é a embaixadora no Brasil nomeada por Juan Guaidó e aceita por Bolsonaro? ::
Desde junho de 2019, uma sala comercial próxima à Esplanada dos Ministérios abriga a embaixada informal da Venezuela, sem qualquer respaldo constitucional para despachar, os diplomatas nomeados por Guaidó cooperaram com a invasão à sede diplomática oficial venezuelana. Uma série de evidências aponta para a colaboração das autoridades brasileiras com o ataque.
Além disso, a relação entre o deputado federal Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho com personagens da extrema direita venezuelana apontam interesses políticos da família Bolsonaro na derrubada do atual governo bolivariano.
:: A ligação de Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho com a extrema-direita venezuelana ::
Itamaraty
Em resposta, o Palácio do Itamaraty afirma que além dos brasileiros que retornaram no mesmo voo da missão diplomática outros 19 cidadãos puderam retornar em um voo da Força Aérea Uruguaia.
"O Itamaraty continua a trabalhar para trazer os brasileiros retidos em todos os países, inclusive naqueles em que não existe representação diplomática ou consular presente",afirmou a assessoria.
Edição: Rodrigo Chagas