Em meio à escalada de mortes causadas pelo coronavírus no país, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi a pé ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (7), acompanhado de ministros, parlamentares e empresários, para pedir uma flexibilização de medidas restritivas nos estados. Eles foram recebidos pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, em um encontro que não estava na agenda oficial e que teria sido marcado em cima da hora, segundo a assessoria do STF.
Em meados de abril, uma decisão do Supremo reconheceu que estados e municípios também têm competência para fixar medidas de combate à pandemia, como interdição de locomoção e de serviços públicos, além de políticas de isolamento e quarentena. A decisão rivaliza com os interesses de grupos empresariais que pressionam o jogo político e o Judiciário pelo retorno geral das atividades no país. Paralelamente, alguns estados e municípios já implementam ou discutem o lockdown, política de bloqueio quase total das atividades e da circulação, para tentar frear os casos de covid-19.
Durante a reunião desta quinta, Bolsonaro esteve acompanhado de representantes de setores como indústrias química e farmacêutica, construção civil, automóveis e calçados. Na ocasião, eles fizeram analogias entre a situação da economia e o contexto da saúde pública. Disseram, entre outras coisas, que a indústria estaria “na UTI”. Segundo o grupo, o setor sofreu queda de 50% no mês de abril em relação a março e opera atualmente com 60% de ociosidade.
Presente na reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que há “sinais vitais que ainda mantêm a economia viva” e que, se os serviços não voltarem, vai haver uma “morte do CNPJ” no país, em referência ao registro que identifica pessoas jurídicas, como empresas e outras organizações. O mandatário afirmou que o grupo de empresário que foi ao STF com a comitiva do governo representa "45% do PIB brasileiro”. Eles ouviram do presidente da Corte que o país precisa de uma coordenação articulada para lidar com a pandemia.
“É fundamental a coordenação com estados e municípios. Nós temos uma Constituição que garante competências específicas para os entes da Federação, e foi isso que o Supremo tem decidido, mas sempre respeitando as competências da União, as competências nacionais de orientação quanto às atividades essenciais, quanto às atividades de transporte, de produção”, disse Toffoli, acrescentando que a coordenação nacional é fundamental para planejar as ações do momento.
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Ao discursar rapidamente durante o encontro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a crise do coronavírus teria trazido “aflições” para o empresariado brasileiro por conta do desemprego e do fato de a economia “não mais funcionar”. Na sequência, criticou as ações dos governadores dizendo que eles foram "um pouco longe demais nas medidas restritivas".
Críticas
Parlamentares de oposição reagiram à atitude e às declarações do presidente. Em nota divulgada à imprensa, o líder do PSB na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (RJ), condenou a pressão do grupo sobre o Judiciário.
"Presidente marchando ao STF acompanhado de empresários para fazer lobby? Sim, precisaremos retomar a atividade econômica, mas no tempo certo e da forma certa. Interesses econômicos de curto prazo não podem se sobrepor à proteção da vida das pessoas. É inadmissível colocar a faca no pescoço da Suprema Corte, ainda mais para pressionar por decisões sobre o afrouxamento do isolamento, que pode resultar em mais dezenas de milhares de mortes”, disse o líder, acrescentando que “as vidas dos brasileiros importam".
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O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) disse ao Brasil de Fato que o presidente estaria criando uma “cortina de fumaça” para tentar “ocultar as próprias responsabilidades diante da crise”, que, na visão do parlamentar, não estariam sendo cumpridas.
“Não há nenhuma dúvida de que a prioridade neste momento é garantir a saúde das pessoas, por isso é fundamental o isolamento social e garantir a renda das famílias, mas quem tem a obrigação de garantir renda neste momento é a União, é o governo federal. O Bolsonaro está fazendo o contrário”.
É inadmissível colocar a faca no pescoço da Suprema Corte, ainda mais para pressionar por decisões sobre o afrouxamento do isolamento.
Braga aponta que o governo atua no sentido de dificultar o acesso d população ao auxílio emergencial. “Apesar disso, ele gera uma narrativa pra dizer que o problema não está com ele, e essa visita ao STF foi, mais uma vez, uma tentativa de dizer que o problema não é a Presidência da República, quando, de fato, é”, critica o deputado.
Para a oposicionista Erika Kokay, da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos, a conduta do presidente atenta, “mais uma vez”, contra a vida da população.
“Aliás, é o que ele sempre fez. Simbolicamente, ele sempre desumanizou as pessoas da comunidade LGBT, as mulheres, os negros, os trabalhadores e indígenas. A desumanização faz parte da gênese do próprio presidente, e hoje ele está coordenando um movimento pra uma desumanização literal”, critica, ao destacar a luta de Bolsonaro contra as políticas de isolamento.
“O isolamento social – isso já é mostrado pelas evidências científicas e pelos exemplos dos outros países – é fundamental para este momento. Nós não temos nenhuma dúvida disso, porque os dados e os corpos estão aí pra nos comprovar que isso é o que temos de mais importante pra buscar um achatamento da curva [de casos e mortes]”, finaliza Kokay.
Edição: Rodrigo Chagas