Os 117 assentamentos da região aumentaram sua produção para realizarem doações em meio à pandemia
Existem pedaços de terras que contam a história do Brasil. São locais que às vezes nem recebem muito valor por não serem turísticos ou polos comerciais. Mas espaços que têm em seu solo muito das lutas que já aconteceram neste país.
Pontal do Paranapanema, na região oeste do estado de São Paulo, é uma dessas terras que carregam histórias marcantes. A reforma agrária e agroecologia feita em 117 assentamentos da região é uma realidade completamente nova em comparação com o período de de grilagem e injustiças na distribuição de terras que perdurou por mais de um século.
Hoje, a região é referência em desenvolvimento sustentável e solidariedade, em especial em tempos de coronavírus. Mas a história da região começou diferente.
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A partir de 1850, com a criação da Lei das Terras, as 32 cidades que formam o Pontal do Paranapanema passaram por intenso processo de cobiça agrária. As terras que deveriam ser consideradas como propriedade do governo foram alvo de grileiros, formando gerações de latifúndios na região. Há registros, a exemplo dos relatórios da Comissão Nacional da Verdade, Memória e Justiça, que explicitam que além da violência no campo contra lavradores e indígenas, o estado também passou décadas como agente direto na concentração de terras no território.
O cenário começa a mudar a partir da década de 1990 com intensas lutas populares pelo direito à terra. Por conta da reforma agrária, os 18 mil hectares do Pontal do Paranapanema foram divididos. Hoje, a terra está entre, de um lado, latifúndios e, de outro, assentamentos organizados pela Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É neste cenário que os desafios históricos para fazer valer o direito à terra encontra novos contextos com a pandemia da covid-19.
A produção de alimentos saudáveis com base agroecológica nos assentamentos do Pontal do Paranapanema segue firme e atende às normas de segurança sanitária. Ao mesmo tempo da resistência das famílias para permanecerem no local, há uma ampliação das tarefas nos assentamentos nesse período de pandemia, como afirma Marisa Luz, da direção estadual do MST-SP e do assentamento Rodeio, no município de Presidente Bernardes.
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“Sobretudo nesse período que estamos vivendo, que é uma tarefa de produção de alimentos orgânicos e agroecológicos. Nesse sentido, na região, temos buscado e articulado grupos de produção agroecológica dentro dos assentamentos. Temos algumas experiências aqui na região, e principalmente nesse período estamos imbuídos no sentido da solidariedade com a sociedade, com os trabalhadores que também estão a mercê de todo esse tema que envolve a pandemia”, ressalta.
Marisa Luz lembra que as famílias assentadas estão produzindo além do excedente para favorecer a solidariedade. Além das tradicionais feiras locais e regionais, a distribuição de cestas agroecológicas produzidas por famílias assentadas foi acentuada neste período de pandemia entre as pessoas em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar.
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Ao mesmo tempo dos esforços redobrados pela solidariedade, a resistência das famílias ganha novos contextos ao longo dos tempos. Uma pauta política permanente no local é a cobrança de direitos que estão sendo cortados da agricultura familiar, a exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos). A iniciativa é uma construção de organizações populares que exige que o poder público compre alimentos da agricultura familiar e distribua entre a população em situação de vulnerabilidade alimentar.
No município de Sandovalina (SP), o PAA chegou a atender cerca de 200 famílias anos atrás, mas a realidade atual é de apenas oito. Juntando a necessidade histórica e a situação emergencial do país, Diógenes Rabello, que é militante do MST e mora no assentamento Dom Tomás Balduíno, em Sandovalina, destaca o cenário de cobranças populares.
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“Os movimentos sociais estão organizados pela retomada e fortalecimento do PAA. Se ele é um programa que é fruto da organização desses movimentos sociais, então esses movimentos sociais vão sustentar esse projeto e buscar alternativas e propostas efetivas para retomada e fortalecimento dele”, destaca.
Em âmbito nacional, há uma campanha pela retomada emergencial do PAA neste período de coronavírus. A campanha está sendo encabeçada pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e conta com centenas de apoios, a exemplo do MST. Para conhecer a campanha, a dica é acessar o site agroecologia.org.br. Vale também conhecer o perfil do Instagram sobre a produção das famílias assentadas no Pontal do Paranapanema.
Edição: Lucas Weber