O novo capítulo da crise política que circunda o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) envolve as nomeações do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal (PF) e do advogado e pastor André Mendonça para o posto de ministro da Justiça, que, até a última sexta-feira (24), era ocupado pelo ex-juiz lavajatista Sérgio Moro. A confirmação dos dois nomes, publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira (28), veio acompanhada de uma onda de críticas no mundo político.
Delegado de carreira da PF, Ramagem é apontado como homem de confiança dos filhos de Bolsonaro, enquanto Mendonça, que até então ocupava o posto de advogado-geral da União, é tido como amigo do presidente. A escolha dos dois vem após a demissão do diretor da PF, Maurício Valeixo, cuja atuação estaria incomodando a família do presidente. A exoneração foi o estopim da crise que já marcava a relação entre Bolsonaro e Moro e levou à saída do ex-juiz do governo.
A reprovação do presidente ao trabalho de Valeixo tinha como pano de fundo duas investigações que estão no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas apura denúncias de fake news contra a Corte e a outra investiga a organização de atos em defesa do fechamento do Congresso Nacional e do STF.
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A primeira é apontada como um caso que envolve filhos do presidente, acusados de atuar no chamado “Gabinete do ódio” do Planalto, que teria envolvimento com a liberação massiva de conteúdos falsos na internet, com vistas a prejudicar adversários políticos do governo. Já os protestos que estão na mira da segunda investigação contaram com apoio de Bolsonaro e alguns aliados. Entre eles, figura a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que, antes da demissão de Moro, teria pressionado o então ministro a aceitar o nome de Ramagem para conduzir a PF.
Por esses motivos, a escolha de Ramagem e Mendonça para os cargos é vista como uma tentativa de frear a atuação da PF e do MJ diante de iniciativas que possam prejudicar a família Bolsonaro.
"Os dois escolhidos para a PF e o MJ são figuras de dentro do núcleo bolsonarista, revelando influência e controle direto na instituição e no ministério. É inadmissível [a escolha]", disse, nesta terça, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
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Reações
O líder da minoria na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), chamou as nomeações de “presepada” e disse que a escolha dos dois tende a agravar a crise política e institucional que marca o país.
“A demissão do delegado-geral da PF e a nomeação do Ramagem, amigo íntimo da família Bolsonaro, é ainda um tapa na cara daqueles que defendem a autonomia da Polícia Federal”, acrescenta o petista, destacando que o cargo pede “rigor em relação ao cumprimento da lei e dos princípios constitucionais”.
Pelo Twitter, o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também destacou a questão da independência do órgão. “Por que Bolsonaro atua contra a autonomia da PF? O que teme contra ele, sua família e seus aliados políticos? Ramagem e o novo ministro André Mendonça atendem o currículo exigido para os cargos, mas importa saber que suas indicações atendem pessoalmente ao presidente”, ressaltou.
O também oposicionista Alencar Santana Braga (PT-SP) afirmou que o caso fortalece a ideia de que Bolsonaro atua no sentido de usar a máquina estatal em benefício próprio. “Demonstra que ele achava que o Estado é da família dele e que deve ser usado simplesmente pra defender os interesses pessoais e familiares. É mais um absurdo desse governo, que desrespeita a sociedade brasileira, as instituições e que trabalha pra ter a PF como uma polícia política”, criticou o deputado.
É mais um absurdo desse governo, que desrespeita a sociedade brasileira, as instituições e que trabalha pra ter a PF como uma polícia política.
Na mesma linha de raciocínio, o líder da bancada do PCdoB na Câmara, Perpétua Almeida (AC), disse à imprensa que a atitude do presidente “comprova suas intenções de aparelhar a PF e o Ministério da Justiça, usando-os para fins políticos”.
“Passa a ideia de precisar ir até as últimas consequências para esconder alguma coisa. É muito grave e perigoso que Bolsonaro esteja criando uma polícia política. Salvo engano, há mensagens dos procuradores sobre Ramagem reveladas pelo Intercept. É preciso uma profunda investigação sobre todos esses fatos”, defendeu a deputada, acrescentando que o partido atualmente colhe assinaturas para tentar instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara sobre o caso.
Passa a ideia de precisar ir até as últimas consequências para esconder alguma coisa.
Na esteira dos mesmos acontecimentos, a bancada do PSOL apresentou, nesta terça (28), um requerimento para que o novo ministro André Mendonça preste esclarecimentos à Câmara dos Deputados sobre qual plano de ação vai adotar à frente da pasta diante das denúncias feitas por Moro, que acusou o presidente da República de obstrução e interferência em investigações da Polícia Federal.
“Homem de confiança já aventado como o membro ‘terrivelmente evangélico’ que Bolsonaro indicaria ao Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça vai precisar expor o que planeja fazer diante das graves denúncias, o que dará ao Parlamento a medida de sua confiabilidade ou não para o cargo”, disse a legenda em nota.
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Judiciário
A oposição reage também em outras frentes. Logo após a publicação das nomeações, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) ingressou com uma ação popular na Justiça Federal no Rio de Janeiro para questionar a nomeação do novo diretor-geral da PF.
“A razão é o princípio da impessoalidade. O presidente Bolsonaro quer, com essa nomeação, ter acesso a relatórios restritos da PF, interceder em investigações, proteger interesses da sua família. A Polícia Federal não é uma polícia do presidente. Uma polícia republicana é uma polícia que pertence ao Estado, daí ser fundamental a escolha de um outro delegado que possa não ter qualquer vínculo pessoal com a família do presidente”, argumenta Freixo.
A Rede Sustentabilidade também recorreu à Justiça para questionar a nomeação de Ramagem. O partido ajuizou uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) junto ao STF. Em nota, a legenda afirmou que “há desvio de finalidade evidente na nomeação” e apontou que a iniciativa viola preceitos constitucionais, como os princípios da impessoalidade e da moralidade.
Ramagem
Alexandre Ramagem é delegado da PF desde 2005 e teria ganho a confiança de Bolsonaro ao coordenar sua equipe de segurança durante a campanha eleitoral de 2018. Em 2017, o delegado trabalhou na força-tarefa da operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Ele também atuou na coordenação de grandes eventos, como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Até assumir a direção-geral da PF, Ramagem atuava como chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão controlado pela ala militar do governo.
O delegado chegou a ser nomeado como superintendente da PF no Ceará em 2019, mas não assumiu o cargo porque acabou aceitando a vaga de chefe da Abin, após ser convidado para o cargo pelo então ministro-chefe da Secretaria de Governo de Bolsonaro, general Santos Cruz. Pouco antes disso, Ramagem ocupou cargo de assessor especial do general Luiz Eduardo Ramos na secretaria.
Em junho de 2019, ao ser sabatinado no Senado depois da indicação para assumir a Abin, o delegado foi fartamente elogiado pelo senador Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ) durante a audiência com os parlamentares, que é uma das etapas do processo de nomeação. O filho do presidente afirmou, na ocasião, que Ramagem “goza de total confiança”. “A sua competência não é questionada em momento nenhum”, disse ainda o senador.
André Mendonça
Já o novo ministro da Justiça, André Mendonça, pertence aos quadros da Advocacia-Geral da União (AGU) há 20 anos e conheceu Jair Bolsonaro logo após o resultado do pleito de 2018.
Apresentado ao presidente eleito por meio de militares, Mendonça teria ganho a simpatia do então pesselista por sua atuação evangélica – o segmento está entre os principais apoiadores do governo. O advogado é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília e é visto como um nome que tem aceitação entre as alas militar e civil da gestão Bolsonaro. Mendonça já foi apontado pelo presidente Bolsonaro como alguém “terrivelmente evangélico”.
A nomeação para o Ministério da Justiça aumenta as chances de Mendonça ser indicado pelo presidente para a próxima vaga a ser ocupada no STF, cargo antes associado a uma espécie de acordo entre Bolsonaro e Moro. A colocação de Mendonça no MJ contou, inclusive, com a intercessão do presidente da Corte, Dias Toffoli.
Edição: Rodrigo Chagas