O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, autorizou, nesta segunda-feira (27), a abertura de inquérito criminal para apurar as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A decisão do ministro vem em acolhimento de um pedido de investigação do procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, feito na última sexta-feira (24).
Como era esperado, a abertura de inquérito ressoou no mundo político. Para a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), está evidente o aumento das possibilidades de investigação e o enfraquecimento do governo. “A repercussão política para o povo é a melhor possível, para governo é o pior possível.”
"A própria nomeação feita nesta madrugada (28), do novo diretor para PF, demonstra que o objetivo de fato era intervir na PF no sentido de ter alguém muito próximo da família, dos filhos e dele para não só acessar ilegalmente as investigações como impedir determinadas investigações", completa a deputada.
Alexandre Ramagem, nomeado por Bolsonaro para dirigir a PF, tornou-se próximo da família de Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018, quando coordenou a segurança do capitão reformado. O delegado é amigo de Carlos Bolsonaro.
Fragilidade?
O deputado Delegado Waldir (PSL-GO), que apoiou a candidatura do atual presidente, considera que Bolsonaro não está fragilizado e que comprou apoio ao ceder ao chamado centrão. “Ele leiloou o governo dele. Ele se dobrou, se ajoelhou ao centrão. Então uma vez que ele se ajoelhou ao centrão e vai entregar parte do governo ao centrão, ele vai ter estabilidade política”, afirma o militar.
A decisão de Celso de Mello, concorda Waldir, foi “extremamente correta”. “A atitude do presidente foi uma atitude que viola lei. O presidente não está acima da lei. Todos devem sofrer sanções de atos. A notícia trazida pelo Moro foi grave e que bom que rapidamente o STF já se manifestou e determinou a abertura do inquérito.”
Na Câmara dos Deputados, já são 29 pedidos de impeachment protocolados contra o presidente Bolsonaro.
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O que acontece agora?
O PGR Augusto Aras, em seu pedido, pede investigação do presidente sobre os possíveis crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada.
O presidente do STF deu um prazo de 60 dias para a Polícia Federal realizar e concluir as diligências, que podem incluir ações de busca e apreensão, por exemplo. Nessa fase, deve ser ouvido o ex-ministro Sergio Moro, com apresentação de “documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão”, solicitou Aras.
Ao determinar a abertura do inquérito, Celso de Mello reivindicou o primado da igualdade perante a lei. "Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso País. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado.”
Para entender quais são os próximos passos da investigação, o Brasil de Fato conversou com a desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Kenarik Boujikian, que também é integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
A magistrada explica ainda não há um processo criminal contra Jair Bolsonaro, apenas um inquérito para colher indícios de supostos crimes praticados pelo presidente. Com o resultado obtido pela PF, cabe à Procuradoria-Geral da República, chefiada por Augusto Aras, decidir se apresenta uma denúncia para ao STF.
Se a denúncia for aceita pelo Supremo, será necessária a autorização de dois terços dos parlamentares da Câmara dos Deputados para dar seguimento ao processo.
Oferecida a denúncia e aceita pelo STF e pela Câmara dos Deputados, os 11 ministros devem julgar a ação, ao lado de todos os princípios que regem um processo criminal, como os princípios da ampla defesa e do contraditório. Se considerado culpado, Bolsonaro não volta para a Presidência da República e é obrigado a cumprir as penas estabelecidas pelos crimes.
Caso seja absolvido, volta para a Presidência e o caso é arquivado.
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Crimes comuns
Como os crimes apontados pelo PGR Augusto Aras são crimes comuns, a investigação e o processo devem correr sob o guarda-chuva da jurisprudência do STF. Diferente dos crimes de responsabilidade, que tramitam somente no Congresso Nacional.
O próximo passo, portanto, será o cumprimento das diligências solicitadas por Aras à PF: o depoimento de Sergio Moro e a apresentação, por parte do ex-juiz, de possíveis provas, como gravações de conversas e documentos.
Boujikian explica que, possivelmente, o PGR irá solicitar ao STF novas diligências, como o depoimento de outras testemunhas e a quebra de sigilo telefônico.
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Quais são as acusações feitas por Sergio Moro?
Na última sexta-feira (24), esperava-se que o pronunciamento de Sergio Moro, acerca de sua saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, tocaria apenas em pontos relacionadas à exoneração, feita por Jair Bolsonaro, do agora ex-diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
O ex-ministro, entretanto, revelou que, a partir do segundo semestre de 2019, o presidente Bolsonaro passou a insistir na troca do comando da PF. Inicialmente, obteve a troca do superintendente do Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, que foi substituído pelo então superintendente da Polícia Federal em Pernambuco, Carlos Henrique Oliveira Sousa.
Saadi estava em cima das investigações sobre o "caso Queiroz". “Sinceramente não havia nenhum motivo para essa mudança”, afirmou Moro no pronunciamento. Segundo o magistrado, “haveria intenção de trocar superintendentes, novamente o do Rio, outros provavelmente viriam em seguida como o de Pernambuco, sem que fosse me apresentado uma razão para realizar esses tipos de substituições que fossem aceitáveis”.
Diante da insistência em trocar o diretor-geral da PF, Moro conversou com Bolsonaro um dia antes de anunciar a sua demissão: “falei que seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo.”
Moro também afirmou que Bolsonaro gostaria de ter uma pessoa próxima a ele no comando da PF, para quem pudesse ligar e obter informações. “As investigações tem que ser preservadas. Imaginem se durante a própria Lava Jato, o ministro, diretor-geral ou a então presidente Dilma ficassem ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento."
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Ainda segundo Sergio Moro, o presidente também teria preocupações com os inquéritos em curso no STF que podem atingir a si e a seus filhos e que, por isso, a troca do comando da PF seria oportuna.
Moro também afirmou ter tomado conhecimento da exoneração de Valeixo apenas pelo Diário Oficial da União da sexta-feira (24) e que não assinou nenhum decreto. No documento oficial, no entanto, constava a assinatura do ex-juiz. Se confirmado que o presidente inseriu o nome de Moro sem a sua autorização, o ocorrido pode configurar falsidade ideológica.
Outra afirmação de Bolsonaro negada por Moro é a de que Valeixo teria pedido para sair do cargo. O então ministro teria telefonado ao policial que informou ter recebido "uma ligação dizendo que ia sair a exoneração a pedido, e se ele concordava. Ele disse ‘como é que vou concordar com alguma coisa, vou fazer o que’". "O fato é que não existe nenhum pedido que foi feito de maneira formal”, afirmou Moro.
Edição: Rodrigo Chagas