Em uma sessão marcada por divergências, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello defendeu mais uma vez, nesta quinta-feira (23), a manutenção da Medida Provisória (MP 927), cujo conteúdo é questionado por confederações de trabalhadores e por sete partidos políticos – PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB, Rede e Solidariedade.
Assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em março, o texto da MP flexibiliza direitos trabalhistas durante o estado de calamidade no país e é alvo de diferentes ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) na Corte.
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A manifestação do magistrado, que é relator das ações, deu-se no âmbito do julgamento do tema, que começou nesta quinta e deverá continuar na próxima quarta-feira (29), quando serão conhecidos os votos dos outros dez ministros da Corte. Nesta semana, os ministros ouviram apenas o relator e as partes contrárias à MP.
Ao todo, tramitam no STF sete ADIs que questionam a MP (Nº 6342, 6344, 6346, 6348, 6349, 6352, 6354). Cada pedido tem uma autoria distinta, mas o presidente da Corte, Dias Toffoli, optou por um julgamento conjunto por conta da semelhança de conteúdo entre elas.
A MP 927 libera a adoção de acordos individuais em detrimentos de acordos coletivos e leis trabalhistas. Também autoriza antecipação de folgas de feriados e férias futuras, teletrabalho, suspensão de exigências administrativas relacionadas a questões de segurança e saúde no trabalho. Para os profissionais de saúde, por exemplo, o texto permite que as horas extras registradas durante a pandemia sejam compensadas em até 18 meses.
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Outro destaque da MP é o entendimento de que a eventual contaminação do empregado pelo coronavírus não será considerada como doença ocupacional, a menos que o trabalhador consiga comprovar a relação entre a função exercida na empresa e a contaminação. A MP também suspende, por 180 dias, a atuação dos auditores fiscais do trabalho, que, pelo texto do governo, passam a exercer apenas função “orientadora”. A argumentação utilizada pelo governo para a MP é de que as medidas teriam o objetivo de evitar demissões.
Antes, a MP permitia ainda aos empregadores a suspensão do contrato de trabalho durante a pandemia, mas, em meio à onda de críticas que se formou após a publicação do texto, Bolsonaro acabou revogando esse trecho.
No julgamento, os partidos políticos criticaram, em primeiro plano, a adoção de uma medida provisória para tratar sobre os pontos fixados pelo texto de Bolsonaro. As legendas argumentaram, entre outras coisas, que esse tipo de dispositivo tem caráter excepcional e por isso não seria cabível para o assunto em questão, especialmente em meio à pandemia do coronavírus.
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Marco Aurélio, no entanto, disse ver “relevância e urgência no tema” para que ele se tornasse objeto de uma MP. O ministro afirmou ainda que o chefe do Executivo “pode e deve” atuar de forma provisória nos temas relativos à saúde e ao trabalho. Além disso, reforçou o discurso do governo, argumentando que o objetivo da MP seria “preservar empregos, a fonte do sustento dos trabalhadores que não estavam na economia informal”, e que o texto não entra em conflito com a Constituição Federal de 1988.
O posicionamento do relator confirma a tendência de voto que vinha sendo anunciada pelo magistrado. Em decisões publicadas nas últimas semanas, Marco Aurélio havia negado pedidos de concessão de liminar para as sete ADIs, defendendo, portanto, a manutenção do texto do governo.
Críticas
Os partidos políticos e as entidades que reúnem trabalhadores apontaram diferentes problemas na MP. Ao falar em nome das siglas PT, PSOL e PCdoB, o advogado e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão apontou que a medida viola a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e os direitos sociais ao trabalho e à saúde.
Adotando um discurso de tonalidade mais política, ele destacou que a MP foi editada por Bolsonaro sem diálogo com o segmento mais diretamente atingido pelas novas normas, o dos trabalhadores. “É importante que o governo olhe pra sociedade não como inimiga ideológica, mas como parceria da governança”, defendeu o jurista, acrescentando que o momento de crise exige um trabalho “de forma concertada”.
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Ao mencionar medidas que vêm sendo adotadas pelos países democráticos diante da pandemia, Aragão disse que o governo brasileiro estaria adotando “uma gramática às avessas em relação à proteção de direitos”. “Todos os países afetados pela covid-19 estão revendo seus pactos sociais para proteger mais os hipossuficientes, enquanto, no Brasil, estamos vendo um governo querendo rever os pactos sociais pra agravar a situação dos hipossuficientes”, comparou.
O advogado Walber de Moura Agra, do PDT, chamou atenção para o trecho da MP que autoriza a compensação das horas extras feitas durante a pandemia em até 18 meses. O jurista classificou a mudança como “apropriação indébita”: “Como é que eu posso criar um banco para compensar, em até 18 meses, se o ponto fulcral da crise é de três, quatro, cinco ou, no máximo, seis meses? É uma moratória tão elástica que é transmutada em uma apropriação indébita daquele mais desvalido da relação, que é a classe trabalhadora”.
A atuação dos sindicatos nas negociações também foi duramente defendida pelos advogados. Henrique Santos, que atua pela Rede, destacou que há “impossibilidade” de dispensa da negociação coletiva porque isso impõe à classe trabalhadora uma maior fragilidade nas relações com o empregador. “O direito do trabalho está fundando na hipossuficiência do trabalhador. Desvirtuar esse preceito é praticamente acabar com o direito do trabalho”, criticou.
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O advogado José Eimar Loguécio, que discursou no julgamento em nome da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de outras entidades sindicais, afirmou que tais entidades têm importância reconhecida pelos organismos internacionais no que se refere à defesa dos trabalhadores e que excluí-las das negociações é acabar com o sistema de proteção. “Uma crise como esta pode deixar desamparados milhares de trabalhadores, portanto, é especialmente neste momento que eles mais precisam de proteção”, argumentou.
Ao mencionar o conjunto da MP, Moura Agra disse que, se chancelar a MP 927, o STF estará colocando em xeque a própria Constituição Federal. “Nós temos hoje, sem entrar em maniqueísmos, uma dicotomia que é muito clara, que será seguir o caminho da civilização, seguindo a Constituição Federal de 1988, ou o da barbárie, e esta é personificada na MP 927 e seus artigos”, frisou.
“Ingenuidade”
Após a sustentação feita pelos partidos políticos e entidades sindicais, o ministro Marco Aurélio Mello disse ver “ingenuidade” no discurso das organizações. “Parece até que estamos em outro mundo. (...) Somos 210 milhões de brasileiros, o que implica dizer que o nosso mercado é um mercado desequilibrado”, afirmou, ao mencionar questões como excesso de mão de obra e escassez de emprego.
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Ao defender os trechos da MP, Mello disse que o país vive uma situação excepcional por conta da pandemia. Ele sustentou que a medida de Bolsonaro não afasta os direitos trabalhistas. Citando como exemplo o direito às férias, o magistrado argumentou que, ao diluir no salário a remuneração referente ao período, a MP não extingue o pagamento devido ao trabalhador.
Mello defendeu também, por exemplo, a possibilidade de os empregadores anteciparem o gozo dos feriados. O ministro entendeu que, nesse caso, o empresário estaria fazendo uso “da autonomia da vontade, que é maior do que a vontade do sindicato”. O relator também ironizou a situação dos trabalhadores diante da situação criada pela MP, chamando-os de “coitadinhos”.
Edição: Vivian Fernandes