Riscos

Cloroquina: o que dizem os estudos sobre medicamentos para combater o coronavírus

Natália Pasternak explica as pesquisas em andamento: "Hype em cima da hidroxicloroquina é loucura coletiva"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Todo mundo olhando a cloroquina como se fosse a última salvação da lavoura, tem um monte de medicamento sendo pesquisado" - Gerard Julien/AFP

No íncio da pandemia do novo coronavírus no Brasil, em abril, cientistas brasileiros estudaram a cloroquina como possível tratamento para a covid-19. No entanto, o estudo, conduzido em Manaus, foi interrompido após a morte de pacientes que receberam doses altas de cloroquina e a verificação de que a substância - usada para tratar a malária e outra doenças autoimunes - causava arritmia cardíaca em um número elevado de pessoas. 

Para Natália Pasternak, fundadora do Instituto Questão de Ciência (IQC) e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), as mortes podem estar diretamente relacionadas ao uso do medicamento. "O intuito era justamente checar se as dosagens são seguras, porque têm muitos hospitais no mundo e no Brasil que não sabem muito bem qual dose usar. O trabalho de Manaus foi realmente demonstrar que essa dose é tóxica e perigosa e não deve ser usada", afirma.

Na época, o Brasil de Fato conversou com ela para saber mais sobre a situação dos estudos sobre fármacos que possam servir no combate à pandemia do coronavírus. Segundo Pasternak, como uma vacina pode levar dois anos para estar disponível, a aposta da ciência nesse momento está no "reposicionamento de fármacos". Ou seja, pegar um remédio que já existe no mercado e testar sua eficácia contra a covid-19.

Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato: Qual é a diferença entre hidroxicloroquina e cloroquina? O que é cada uma das duas substâncias? Para que serve cada uma das substâncias? 

Natália Pasternak: As duas são derivadas do quinino e são antimaláricos. Foram descobertas inicialmente como medicamentos para malária. A diferença entre as duas é que a hidroxicloroquina é uma molécula derivada da cloroquina e, por isso, ela apresenta efeitos menos tóxicos. Ela acabou sendo muito utilizada para quem precisa fazer um uso prolongado do medicamento como portadores de doenças autoimunes como lúpus e artrite reumatóide. Esses pacientes usam o medicamento por muito tempo, então eles preferem a hidroxicloroquina que é uma versão que menos efeitos colaterais para uso prolongado. Para quem vai usar por pouco tempo tanto faz.

Quais são os riscos e efeitos colaterais comprovados? Como agem no corpo?

Tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina têm efeitos adversos que já são conhecidos que foram estudados justamente porque é um medicamento aprovado para malária e doenças autoimunes. E esses efeitos incluem alterações cardíacas, arritmias cardíacas, perda de visão, de audição e afetam o fígado. Então são efeitos colaterais conhecidos e que as pessoas que fazem o uso prolongado do medicamento sabem, ficam atentas, têm acompanhamento médico. E se o médico percebe está dando uma arritmia ou perda de visão, vai trocar o medicamento.

Vimos pacientes que vieram a óbito em Manaus. Pode haver alguma relação do óbito com a cloroquina? 

Pode, e por isso que o estudo foi interrompido na hora em que os responsáveis perceberam que estava tendo sequela cardíaca nos pacientes, avisaram o comitê de ética e imediatamente pararam de dar a dose a alta e os pacientes foram movidos para o grupo de dose baixa.

É um teste clínico que foi aprovado pelo Comitê de Ética. A dose que eles usaram é a dose que foi descrita pelos grupos chineses no início da pandemia quando preconizaram o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. Então o que a Fundação Oswaldo Cruz de Manaus fez foi testar duas dosagens diferentes: uma mais alta, que foi a que deu problema, e uma mais baixa, que é a que está sendo preconizada pelo Ministério da Saúde no Brasil.

Ao testar essas duas doses, o intuito era justamente checar se as dosagens são seguras, porque têm muitos hospitais no mundo e no Brasil que não sabem muito bem qual dose usar. E como teve esses papers chineses no início da pandemia que colocaram essa dose mais alta que foi testada em Manaus. Então o trabalho de Manaus foi realmente demonstrar que essa dose é tóxica e perigosa e não deve ser usada.

A partir dessa situação como a senhora analisa que se deve dar a gestão e divulgação desse remédio como uma solução cloroquina? A atual visão deve mudar?

Eu espero que mude, porque sinceramente esse hype em cima da hidroxicloroquina é uma loucura coletiva. A hidroxicloroquina, mais a azitromicina, que é como tem sido usado no Brasil, como é o protocolo da Prevent Senior, que foi divulgado pelo Ministério da Saúde, é mais perigoso ainda do que usar só a cloroquina.

Sinceramente esse hype em cima da hidroxicloroquina é uma loucura coletiva.

A azitromicina também é um medicamento que tem efeito cardíaco, arritmia cardíaca. Então dois dois remédios com efeitos colaterais cardíacos, em uma situação que já foi demonstrada que não têm efeito benéfico para covid-19. Então a gente está falando de uma dupla de medicamentos que não se mostrou eficaz e que se mostrou perigosa. Já não está na hora da gente parar de usar.

Para além da cloroquina, o que a gente tem de pesquisa e de perspectiva para solucionar essa doença?

Tem vários outros medicamentos que estão sendo pesquisados. E que bom que você perguntou, porque é exatamente isso. Não é só a cloroquina, está todo mundo olhando a cloroquina como se fosse a última salvação da lavoura, tem um monte de medicamento sendo pesquisado. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) está pesquisando quatro medicamentos: rendezivir, que é um antiviral; lopinavir e ritonavir, uma dupla de antivirais; cloroquina e hidroxicloroquina, que eu espero que eles parem, porque os resultados não estão sendo promissores; e interferon beta, que é um imunomodulador. 

Aí tem outros grupos de laboratórios pelo mundo, inclusive no Brasil, alguns corticoides, que são antiinflamatórios, e também a terapia de soro de convalescente, que é usar os anticorpos de pessoas que já foram acometidas pela doença e se recuperaram e tentar adaptar isso como uma forma de tratamento.

Entre esses que a senhora comentou, qual parece ser o mais promissor?

É muito difícil dizer. O rendezivir era tido no começo como o mais promissor, porque é um antiviral bastante conhecido. Mas os primeiros testes que foram feitos agora já não mostraram um resultado muito bom. Então às vezes a gente tem umas decepções no meio do caminho. 

É muito importante a gente saber que quando a gente faz reposicionamento de fármacos, que é o que estamos tentando fazer agora, pegar um remédio que já existe, que já tem no mercado, e ver se funciona também para covid-19, a probabilidade disso acontecer é muito menor do que se a gente fosse desenvolver um medicamento do zero. 

E porque a gente faz isso? Porque é mais rápido, porque são medicamentos que já estão no mercado, já estão sendo produzidos. Então seria muito mais rápido se a gente conseguir fazer um reposicionamento. Mas tem que lembrar que foram remédios que foram pesquisados para outras doenças. Então a gente vai ter que se preparar para ter uma certa dose de frustração nesse caminho, porque eu acho que vai demorar para gente achar um que realmente funcione se é que a gente vai encontrar para essa pandemia, talvez seja para a próxima.

Por mais que seja difícil mensurar isso, mas acho que uma questão que todo se pergunta é quando a gente vai ter remédio e vacina para esse vírus. A senhora acabou de falar que pode demorar um pouco. O quanto pode demorar? Ou não dá para saber mesmo?

Remédio não dá para saber, depende mesmo da gente achar um promissor. Mas vacina a gente não vai ter antes de dois anos. Vacina é um processo bastante demorado, não para desenvolver uma vacina. A parte tecnológica é a mais rápida, e tem vários grupos no mundo trabalhando com formulações vacinais agora para covid-19 e com certeza vão ter sucesso em fabricar a vacina, em fazer a parte tecnológica da vacina.

Mas uma vez que a vacina está pronta, tem que testar. E aí vai ter que testar em animais, depois em humanos, testar segurança, dosagem eficácia, se está realmente gerando um número bom de anticorpos... Então esse processo de testar a vacina não vai ficar pronto antes de dois anos, é um processo longo. Normalmente seria mais longo ainda. A gente que está fazendo com mais pressa. Então não tem como apressar mais do que isso. Vacina para esse surto a gente não vai ter. A gente tem que preparar uma boa vacina para uma próxima vez.

 

Edição: Rodrigo Chagas e Rodrigo Durão Coelho