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Artigo | O governo da Colômbia se coloca como tapete dos Estados Unidos

Amparado por Washington, o governo colombiano atua na pressão contra a Venezuela e desvia os problemas internos do país

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O presidente da Colômbia, Iván Duque, durante visita a Donald Trump, na Casa Branco, em março deste ano - Divulgação

No ano passado, no dia 21 de novembro, o povo colombiano convocou uma greve e saiu às ruas para rechaçar uma série de políticas impulsionadas pelo presidente Iván Duque.

Entre os setores da esquerda, houve uma forte reivindicação para que o governo colombiano, de direita, cumprisse o Acordo de Paz firmado em 2016 pelo então presidente, Juan Manuel Santos, e pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Estes acordos, negociados de boa vontade, colocariam fim ao enfrentamento armado que durou seis décadas; 70% da sociedade colombiana nasceu durante esta guerra.

Em segundo lugar, esses setores demandaram o fim das severas políticas de austeridade impulsionadas pelo governo de Duque, que incluem cortes do orçamento das universidades públicas, do sistema de aposentadorias e das políticas sociais.

Esta paralisação foi convocada por uma unidade entre vários sindicatos (CUT, CTC, CGT e CPC), autodenominado Comando Unitário Geral, ao qual se somaram diversas organizações sociais e estudantis, foi ampliada após um levante massivo contra o governo de Duque.

Edgar Mojica, secretário-geral da Central Unitária de Trabalhadores (CUT) e porta-voz do Congresso dos Povos, esteve na linha de frente dos protestos diariamente, sendo parte do protesto da sociedade colombiana que já não queria ser refém dos caprichos da insana oligarquia e do governo dos EUA. Este era o estado de ânimo, evidenciado nas palavras de ordem e nas pichações que surgiram em Bogotá, capital do país, e, imediatamente depois, nas cidades e povos mais pequenos.

As duas demandas, o cumprimento do Acordo de Paz e o fim da austeridade, estão relacionadas. A oligarquia colombiana teme que, caso a paz total seja alcançada, a chegada das FARC ao cenário político possa fortalecer a oposição, e uma oposição mais forte poderá enfrentaria melhor não só a agenda de austeridade, mas também a orientação política pró-EUA das classes dominantes colombianas.

O Exército de Libertação Nacional (ELN) tentou negociar, de boa fé, um Acordo de Paz com o governo de Duque, mas viu a porta ser fechada repetidas vezes. Pablo Beltrán, dirigente da organização político-militar, disse à Claudia Korol no ano passado que “Duque intensificou a campanha militar contra o ELN”.

Se os Acordos de Paz com as FARC e as conversas com o ELN se aprofundassem, poderiam minar o poder político e econômico da oligarquia colombiana e de Washington, porque “existe um setor da oligarquia colombiana que se beneficia da guerra”, como sustentou Olimpo Cárdenas, porta-voz do Congresso dos Povos.

A Venezuela como distração

Há dias em que parece que o presidente Duque não pode tomar uma decisão sem consultar o governo dos EUA e seu mentor, o senador Álvaro Uribe. O conselho que ele recebe é entrincheirar-se na aliança com a Casa Branca, mesmo às custas da opinião pública na Colômbia. Seria apropriado chamar a política de Duque para os Estados Unidos como uma "política de esteira", uma política na qual ele oferece a Colômbia como um tapete para o poder norte-americano limpar seus pés antes de marchar para a vizinha Venezuela.

"O governo colombiano é um governo submisso e propenso às decisões do governo dos EUA", disse Mojica a respeito. Isto não é algo novo. O que há de novo, segundo o líder da CUT, é que Duque faz o possível para facilitar tanto o bloqueio à Venezuela quanto a possível intervenção militar no país vizinho.

Quando o Canadá e os EUA exigiram que seus parceiros na América Latina criassem uma plataforma contra a Venezuela, que se converteu no Grupo de Lima, em 2017, a Colômbia foi uma das nações participantes mais entusiastas. Em fevereiro de 2019, Duque deu as boas-vindas ao Grupo Lima em Bogotá em meio a uma aposta de alto risco por parte de Washington para derrubar o governo venezuelano de Nicolás Maduro. Em janeiro daquele ano, o governo Donald Trump escolheu um obscuro político venezuelano Juan Guaidó para ser seu fantoche, e intensificou a guerra híbrida.

Naquela época, Mojica e outros líderes dos movimentos populares criticaram a maneira como a oligarquia colombiana e os Estados Unidos utilizavam o país para determinados fins e contra os interesses do povo colombiano. "Denunciamos isso durante o ano passado, começando quando o presidente Duque se prestou a legitimar Guaidó e as posições do Grupo de Lima em relação à Venezuela", afirmou.

O aumento da tensão militar com a Venezuela se adapta à agenda do governo Duque. Isso significa que é possível adiar qualquer conversa sobre a implementação integral dos Acordos de Paz e deixar de lado qualquer crítica às suas políticas de austeridade. Isto num cenário em que, desde 2016, centenas de líderes de movimentos sociais foram assassinados em toda a Colômbia. No entanto, essa violência é ofuscada pela atenção da mídia na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela.

Agora que o governo dos EUA afirma, absurdamente, que a Venezuela é a fonte do narcotráfico, apesar de todas as evidências apontarem para a Colômbia, a pressão sobre Bogotá para enfrentar seu problema com as drogas está suspensa; de fato, os vínculos íntimos entre a oligarquia e os traficantes de drogas são ocultados pela afirmação alucinante de que Maduro está envolvido nesse tráfico.

Narco-distração

Quando Duque visitou a Casa Branca no dia 2 de março, sentou-se ao lado de Trump e, com uma linguagem muito servil, disse a seu colega estadunidense que novamente começaria a pulverizar o campo colombiano com pesticidas altamente tóxicos, como arma contra a produção de cocaína.

No ano passado, o Tribunal Constitucional colombiano proibiu esse tipo de fumigação, a menos que o governo cumprisse certos requisitos, incluindo o monitoramento das condições de saúde dos camponeses na região afetada; uma norma que o governo considera muito rigorosa e impossível de cumprir.

Cabe recordar que, com base em um estudo da Organização Mundial da Saúde, o governo colombiano parou de usar a fumigação à base de glifosato que a Monsanto tinha vendido ao país em 2015.

Para Mojica, toda a política antidrogas colombiana é uma "distração", porque ele não aborda os problemas reais. "Rejeitamos as políticas de fumigação dos cultivos e as políticas de chantagem do governo colombiano porque a produção de pequenos agricultores na Colômbia é o elo mais fraco da cadeia", afirmou.

Esses pequenos agricultores - cujas fazendas e corpos serão saturados com agrotóxicos - não são a principal preocupação do governo de Duque. O principal elemento são os grandes cartéis de drogas colombianos que traficam drogas do México e da América Central para a América do Norte, a máfia da droga na América do Norte e a enorme demanda de cocaína sul-americana por parte dos consumidores. Nenhum deles enfrenta o impacto da política de erradicação de drogas.

"Os cocaleiros e suas famílias", continua o líder da CUT, "não têm alternativa em termos de diversificação e garantias de sustento produtivo e alimentar para a erradicação de suas plantações". Eles se tornaram, injustamente, a linha de frente da guerra.

Os Acordos de Paz de Havana de 2016 forneceram um mecanismo para ajudar os agricultores na substituição de cultivos ilícitos. No entanto, como em outros elementos do processo de paz, o protocolo foi descumprido; as comunidades camponesas denunciaram repetidamente incidentes de erradicação forçada pelo exército. O assassinato de líderes dessas comunidades geralmente é realizado por grupos paramilitares, cartéis e por um setor das Forças Armadas conhecida como Força Pública.

Intervenção militar

Mojica também observou que os EUA e o governo Duque estão utilizando a questão das drogas para promover uma agenda de mudança de regime na Venezuela. As questões são tão sérias que o governo colombiano permitiu que as tropas americanas entrassem em seu território, tanto na costa do Caribe quanto na fronteira da Colômbia com a Venezuela e na área do Catatumbo. "Acreditamos que a partir desses lugares eles estão planejando uma invasão terrestre", enfatizou o líder sindical.

De fato, Washington enviou um grupo de porta-aviões para o Caribe e têm tropas preparadas para sua expansão na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia. Este é um período tenso, com a possibilidade de que as manobras militares se transformem em uma guerra iminente.

O presidente Duque "violou a soberania nacional e ignorou completamente o Senado", acrescentou Mojica.

A Colômbia rechaça a decisão de Duque

A bancada da oposição do Senado expressou sua oposição ao uso do território colombiano para desestabilizar a Venezuela. Em abril, um grupo de congressistas escreveu uma carta pública a Duque dizendo que o país não deveria participar do projeto de mudança de regime. Se Duque quisesse seguir alguma dessas agendas, teria que pedir permissão ao Congresso.

Por outro lado, os movimentos populares colombianos "rejeitam completamente" a agenda de Trump. "Nós não somos o quintal deles", disse Mojica em relação aos EUA e, portanto, tampouco são seu tapete. “Não aprovamos suas políticas de drogas; não aprovamos suas políticas de roubo dos nossos recursos e bens naturais", concluiu.

*Ana Maldonado é parte da Frente Francisco de Miranda (Venezuela); Vijay Prashad é historiador, jornalista e editor indiano e Zoe PC escreve para o Peoples Dispatch.

Edição: Luiza Mançano