Os governadores dos estados brasileiros têm se queixado da omissão do governo federal frente à pandemia do novo coronavírus. Os nove estados da região Nordeste endureceram o tom das críticas a Jair Bolsonaro (sem partido) – relação que já não é boa desde o início do governo – e também passaram a buscar soluções internas. Um dos caminhos encontrados foi o da cooperação internacional com a China, nação que conseguiu controlar e tem superado os desafios impostos pela pandemia, mas que também tem sido alvo de ataques do núcleo político bolsonarista.
Entre a rotina intensa com diversas videoconferências diárias, a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos (PCdoB), tem exaltado o papel do Consórcio Nordeste e, como presidenta nacional de seu partido, tem trabalhado em uma agenda para lidar com as crises sanitária, política e econômica que se aprofundam no país. Ela também tem participado de encontros com representantes do governo chinês no Recife.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, Santos acusa o governo Bolsonaro de tentar criar caos para oferecer saídas autoritárias, lamenta episódios diplomáticos com a China e exalta parcerias comerciais de Pernambuco e outros estados nordestinos com o país asiático. Luciana Santos é engenheira elétrica de formação, já foi deputada estadual (1997-2000), prefeita de Olinda (2001-2008), secretária de Ciência e Tecnologia de Pernambuco (2009-2010) e deputada federal (2011-2018).
Brasil de Fato: Como a senhora avalia o atual momento social, político e econômico do país em meio à crise do coronavírus?
Luciana Santos: No Brasil, o quadro de crise se torna mais complexo por vivermos uma justaposição de crises. Crise na saúde, na política, na economia e na proteção social. É, de certo modo, o momento mais agudo de nossas dificuldades enquanto nação. Estando diante de um dos maiores desafios dos últimos tempos, nos encontramos sem uma liderança capaz de unir o país para fazer o enfrentamento à epidemia, que assola o mundo e que se dissemina no Brasil.
Bolsonaro tem adotado a postura de negar a gravidade da covid-19, considerada por ele como uma “gripezinha”, chamando de histeria as inciativas adotadas para a sua contenção. Esta atitude se agrava pelo fato de que o presidente, ao invés de liderar os esforços de coordenação no combate ao coronavírus, busca politizar a situação e estabelecer um enfrentamento aberto aos governadores e prefeitos que vêm seguindo as orientações do próprio Ministério da Saúde e da OMS [Organização Mundial da Saúde]. E mesmo quando recua no discurso, a exemplo do pronunciamento do último dia 31 de março, não acelera nenhuma medida efetiva. Um governo que aposta no caos e na confusão para ter como implementar saídas autoritárias.
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E, saindo da esfera federal, como você tem visto a atuação dos estados e municípios?
Vejo as iniciativas de governadores e prefeitos no combate à pandemia sendo fortalecidas. O parlamento tem cumprido seu papel de fazer avançar, de modo célere, as medidas destinadas a mitigar o sofrimento da população mais carente e vulnerável, como a própria aprovação da renda mínima. O Congresso cumpre papel importantíssimo também no intuito de conter os arroubos autoritários e possíveis aventuras que Bolsonaro venha a tomar.
Em outra frente, as forças vivas da sociedade atuam e pressionam para que este desnorteamento tenha um fim. A Frente Ampla que defendemos como saída para a crise política que o país atravessa ganha múltiplos e variados contornos a partir de cada momento da luta política. Ela vem demonstrando ser o caminho viável para impor uma derrota ao governo Bolsonaro e construir um novo caminho para o Brasil.
Em Pernambuco, o governador Paulo Câmara (PSB) vem tomando medidas imediatas para tentar romper a disseminação do vírus no estado e para garantir a estabilidade no meio de tantos conflitos. Foram organizadas várias frentes de trabalho para o enfrentamento da epidemia na preparação dos hospitais e UPAs, atos e propostas para o isolamento social foram encaminhadas e um comitê de crise se reúne diariamente para outras providências. Temos buscado ampliar o número de vagas de UTI. Nossa meta é montar 400 leitos de UTI e mais 600 de retaguarda.
Há também o cuidado com o abastecimento, com um comitê acompanhando diariamente o setor e medidas para proteger também o setor produtivo, como a prorrogação de prazos relativos ao cumprimento de obrigações tributárias e contestações, suspensão de execuções fiscais e notificações de débitos. Seguimos com boa integração no Consórcio Nordeste, onde foi criado, recentemente, um comitê científico coordenado pelo ex-ministro Sergio Rezende, junto com o médico Miguel Nicolelis, para ajudar nas decisões relacionados à covid-19. Essa integração e trabalho conjunto tem se mostrado estratégico tanto para as medidas de governança como para amparar as leituras sobre os impactos políticos do governo federal na gestão dos estados.
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Nas últimas semanas, os governos do Nordeste fizeram pedidos à China para colaboração. Essa colaboração é apenas de informação ou inclui ajuda material?
No dia 18 de março, os governadores do Nordeste procuraram a embaixada da China, em Brasília, com um ofício no qual o grupo pede ajuda do governo chinês, que acabara de enfrentar e vencer um problema semelhante ao que estamos enfrentando no Brasil, no sentido de conseguir o envio de materiais médicos, insumos e equipamentos. Em especial, com leitos de UTI e de respiradores. No ofício, o Consórcio reafirma “admiração pela forma como o povo chinês enfrentou a epidemia e pela imensa amizade que une nossos povos”.
Essa iniciativa foi devido a uma preocupação cada vez maior de setores da sociedade com o avanço da covid-19, que demanda dos governantes o seguimento de medidas das autoridades sanitárias e da Organização Mundial da Saúde – como o isolamento social, a ampliação da infraestrutura de atendimento no sistema de saúde, entre outras – e também uma resposta a falta de iniciativas do governo federal que, ao invés de procurar estreitar relações e firmar parcerias, se manteve às voltas com declarações de hostilidade ao governo chinês.
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Qual a sua opinião sobre as rusgas entre os governos brasileiro e chinês e as possibilidades de colaboração entre as duas nações?
O que Bolsonaro e seu núcleo ideológico – apelidado de “Gabinete do Ódio” – querem é desqualificar as orientações da ciência e da OMS, tentando distorcer os fatos e sustentando um discurso único no mundo inteiro contra o isolamento social, que nem os seus ídolos como Donald Trump [presidente dos EUA] e Boris Johnson [primeiro-ministro do Reino Unido] estão adotando atualmente.
O governo da China e seu presidente, Xi Jinping, ao contrário de Bolsonaro, estão focados em vencer a pandemia, não só em seu país como no concerto das nações. A China vem atendendo a todas as solicitações feitas pelos países mais afetados pela crise, enviando médicos e materiais médicos na medida de suas possibilidades. Mesmo em relação ao Brasil, Xi Jinping ofereceu ajuda em um telefonema para o presidente brasileiro. Mas a linha adotada por Bolsonaro não tem sido a de contribuir para o esforço de guerra ao novo coronavírus.
Devo dizer que essa atitude de solidariedade e cooperação internacional não é somente praticada pela China, mas também por Cuba – que está enviando seus médicos para vários países e tem contribuído cientificamente para o desenvolvimento de remédios para o combate contra o vírus –, assim como a Federação Russa, que envia soldados de seu exército para ajudar o governo da Itália, especialmente nas tarefas de prevenção contra a doença.
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Você identifica quem são os atores e quais os objetivos das recentes campanhas, no Brasil, de críticas contra a China e o povo chinês? Esse tipo de campanha pode atrapalhar as relações entre a China e os governos da região Nordeste?
O filho de Bolsonaro, Eduardo, e outros integrantes do “Gabinete do Ódio”, composto por setores absolutamente isolados, têm feito uma campanha sórdida copiada das campanhas de Trump contra o governo da China. Tentam dizer que o vírus é de origem chinesa, questão plenamente desmentida pela ciência e pelas experiências de outras pandemias como a da gripe H1N1, que por sinal apareceu e se desenvolveu primeiramente nos EUA.
Essa campanha contra a China foi combatida por amplos setores, inclusive dentro do próprio governo Bolsonaro, que foram a público desmentir Eduardo Bolsonaro e se desculpar diante do embaixador da China no Brasil e diretamente para o presidente Xi Jinping. Essa tentativa frustrada de criar uma crise entre os dois países está fadada ao fracasso. O governo chinês desprezou solenemente este tipo de provocação e continuará trabalhando com os diversos governos estaduais para fortalecer e ampliar as relações comerciais, sociais e políticas entre o Brasil e a China.
Que ensinamentos você avalia que podemos obter de como a China enfrentou a pandemia da covid-19?
A questão é aproveitar a experiência adquirida pela China no enfrentamento ao vírus, assim como a experiência de outros países que, num primeiro momento, adotaram medidas equivocadas que, hoje, Bolsonaro defende. São os casos do prefeito da cidade italiana de Milão – que foi obrigado a se desculpar diante da população italiana por ter subestimado a pandemia – e mesmo de outros governantes que também não enfrentaram a doença logo no início e tiveram de mudar de política, como no caso dos Estados Unidos e do governo da Inglaterra, que tomaram providências com atraso. No caso inglês, as medidas iniciais sucumbiram e até Boris Johnson foi infectado.
Diante de uma crise como esta, fica ainda mais claro o papel do Estado. Está visível que a alternativa para os impasses que estamos vivendo não é o Estado mínimo que o capitalismo defende como pilar do seu pensamento, ao contrário, o que prevalece na prática e no enfrentamento da crise é a falência desse tipo de conceito. Se exalta o Estado necessário como indutor do desenvolvimento e da própria ação social. Está clara a necessidade de investimentos na pesquisa, na ciência e nos serviços públicos, sobretudo na saúde pública universal. E, neste sentido, segue sendo estratégico construir uma ampla convergência contra as medidas equivocadas do governo Bolsonaro. Se opor aos excessos do governo e fazer com que se estabeleça uma agenda paralela para enfrentar os desafios da pandemia.
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Na sua opinião, o que se pode vislumbrar para as relações Pernambuco-China e Nordeste-China neste cenário de governo Bolsonaro?
Os últimos governos estaduais em Pernambuco – há tempos – não vêm dando importância às relações internacionais. Essa é uma questão nova que devemos aprofundar. Anteriormente tratávamos de relações com outros países apenas de Estado brasileiro a Estado de outros países. Hoje, desenvolvemos, em grande medida, as questões de cooperação e solidariedade internacional a partir de nossas relações com os consulados estabelecidos em nosso estado.
Aqui em Pernambuco, nós temos mais de 40 consulados regulares instalados em Recife e outras tantas representações de consulados honorários. É a maior concentração consular do Nordeste brasileiro. Especialmente com a China, desenvolvemos grande cooperação com o Consulado Geral na pessoa da cônsul-geral, senhora Yan Yuqing. Recentemente comandei uma delegação à província chinesa de Sechuan, que é uma província irmã do estado de Pernambuco. Realizamos uma série de atos de cooperação entre esta cidade chinesa e nosso estado em várias áreas como a educação, o comércio e a segurança. Outras delegações vieram ao Brasil para aprofundar esta relação.
Creio que não haverá solução de continuidade e, certamente, iremos elevar as relações econômicas, comerciais e culturais a novos patamares entre China e Pernambuco. Da mesma forma, outros estados do Nordeste se relacionam muito bem com a parte chinesa. O caso do Maranhão [governado por Flávio Dino, também do PCdoB] é notável, assim como o governo da Bahia [Rui Costa, PT], com vários projetos de infraestrutura em andamento.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Monyse Ravena e Vivian Fernandes