O mercado petroleiro internacional finalizou o mês de março com redução de 30% no preço do barril de petróleo, a maior queda desde a Guerra do Golfo Pérsico, em 1991. A expectativa para 2020 era de crescimento econômico mundial de 3%, mas passados três meses de pandemia global, a estimativa diminuiu para 2,4%, de acordo com o último balanço mensal da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Na segunda-feira (30), com US$22 se poderia comprar um barril de petróleo tipo Brent, e com US$20 um barril dos poços de West Texas – duas bases petrolíferas de referência no mercado mundial, da Europa e dos Estados Unidos, respectivamente.
O isolamento social e a contenção da produção industrial estancaram a economia a nível mundial, conteve a demanda por petróleo e fez despencar o preço do combustível. Para manter estabilizar o valor do combustível, que já vinha em queda desde 2014, a Opep, que reúne 40% do mercado petroleiro do mundo, com a Rússia (OPEP+) havia acordado um limite à produção de petróleo.
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Segundo o pacto, quase todos os membros da Organização – excetuando aqueles que sofrem sanções, como a Venezuela e o Irã – e a Rússia deveriam reduzir uma cota definida de maneira proporcional à capacidade produtiva de cada país, que somadas chegariam à cifra de 1,2 milhão de barris de petróleo diários. Esse tratado duraria até 31 de março. Porém, antes do prazo, a Arábia Saudita já havia rompido o compromisso e anunciado que aumentaria sua produção para 12,3 milhões de barris por dia.
Para o especialista em geopolítica do petróleo, Miguel Jaimes, a postura assumida pelo reino saudita é uma mostra de poder do país junto com os Estados Unidos, seu maior aliado. “O preço do barril no mundo está em guerra, existem muitos inimigos. E o principal inimigo está dentro da Opep, que se converteu em uma inimiga do próprio grupo quando são violadas as cotas de redução, como fez a Arábia Saudita. A Arábia Saudita faz isso porque é o maior produtor da Opep. No mundo se produzem 90 milhões de barris de petróleo por dia, Arábia Saudita proporciona 12% desse petróleo que o mundo consume. O papel da Arábia Saudita é assustar os mercados internacionais e nessa corrida também atacar outros adversários”, assegura.
No mundo se produzem 90 milhões de barris de petróleo por dia, Arábia Saudita proporciona 12% desse petróleo que o mundo consume. O papel da Arábia Saudita é assustar os mercados internacionais e nessa corrida também atacar outros adversários.
A Opep havia anunciado uma videoconferência para a última segunda-feira, (6), no entanto a reunião foi adiada para a próxima quinta (9), por falta de acordo prévio em relação ao corte de produção. “Tem que chegar a um consenso, senão grande parte da indústria do petróleo mundial vai desaparecer. O que é perigoso? Que os maiores vão se apoderar do mercado internacional”, afirma Jaimes.
Acumulação, superprodução e armazenamento
A tendência de concentração de riquezas se expressa não só no mercado petroleiro, mas na economia mundial. Segundo relatório divulgado pela Oxfam, 2.153 bilionários detêm a riqueza equivalente a 60% da população mundial.
Além da diminuição da demanda, o mundo do petróleo já vinha em crise por conta da superprodução. O perigo era tamanho que uma série de consultoras já havia alertado para a falta de capacidade de armazenamento do combustível. Em março, cerca de 10 milhões de barris de petróleo estavam armazenados em barcos, o que representa 10% do consumo diário mundial.
No entanto, para os países produtores é mais barato buscar alternativas de estocagem, paralisar uma refinaria, no lugar de fechar um poço de petróleo.
“O capitalismo depende de sismos econômicos para poder acomodar seu alcance. Para esses sismos econômicos, geopolíticos e geográficos, necessita de grandes eventos: lançar uma bomba atômica, incendiar o mundo com guerras, tirar vantagem de uma pandemia. Os mercados vão se equilibrar novamente e o capitalismo vai acomodar o preço do petróleo, porque poderão comprar muito barato dos países produtores”, garante o analista venezuelano.
Impacto
Além das disputas macroeconômicas, a situação de crise também afeta o abastecimento e a economia diária das nações. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), os países produtores de petróleo podem perder de 50 a 85% dos seus ingressos por conta da crise do mercado petrolífero.
Na América Latina, alguns países exportadores de petróleo já sentiram com a queda do seu valor no mercado internacional. México, Equador, Colômbia, Venezuela, Brasil e Argentina dependem em maior ou menor medida das exportações do combustível fóssil.
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Segundo a Opep, no último mês, o valor do combustível equatoriano caiu 22,7%. Já no caso venezuelano, país que concentra mais de 90% das suas exportações no mercado petrolífero, a queda foi de 35,6% em apenas um mês.
“Quase todas as importações venezuelanas (97%) vem dos dólares que são utilizados no negócio do petróleo, ou seja, do que vendemos. A previsão que fazíamos há seis anos para 2020 era de produzir 6,9 milhões de barris diários, dos quais 1,8 milhão deveriam ser enviados à China. Essa previsão não se cumpriu. Nesse momento temos uma grande oportunidade que devemos aproveitar, porque se não aproveitamos acabamos com a Revolução. Essa oportunidade é criação de uma comissão de reestruturação da PDVSA. Nossa indústria petroleira está sendo reestruturada para ser relançada”, garante Miguel Jaimes.
Hoje a Venezuela produz 760 mil barris de petróleo diários. Desde agosto de 2019, os Estados Unidos impõem um bloqueio total ao país e interromperam todas as suas importações, que representavam cerca de 35% das vendas da PDVSA, estatal petroleira venezuelana.
Na última semana, o presidente Donald Trump anunciou um operativo militar antidrogas no mar do Caribe que, na prática, tem representado um bloqueio naval à Venezuela. O vice-presidente de Economia Tareck El Aisami denunciou que o país não conseguia importar reagentes para refinar o petróleo por conta do embargo estadunidense e que essa medida seria a causa da escassez de gasolina no país.
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Nova ordem mundial
Analisando o cenário de crise, a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal) prevê uma retração de 1,8% no PIB da região nesse ano por conta da covid-19.
No estudo, divulgado na última sexta-feira (3), a Cepal indica que somente com um novo modelo de desenvolvimento a região evitará voltar a percorrer os caminhos que levaram a uma situação em que os efeitos da pandemia podem não ser apenas devastadores no curto prazo, mas também deteriorar as condições de recuperação e do desenvolvimento.
Para Miguel Jaimes, a situação de pandemia e o trato dos Estados Unidos – epicentro da doença – comprovam que o sistema econômico capitalista não vê o ser humano como elemento central.
“Como podemos entender que a Big Apple-Nova York esteja colapsada de coronavírus? Quais serviços faltam em Nova York? Não falta nada. Ou seja, o capitalismo é capaz de arriscar a saúde da sua população”, questiona.
Sociólogos, economistas e analistas em várias partes do mundo têm se dedicado a analisar como será a economia pós-coronavírus. O especialista em geopolítica do petróleo acredita que desse momento de depressão econômica virá um novo período de fortalecimento das potências imperialistas e que a resposta à crise do mercado petroleiro será uma mostra disso.
“Logo depois da pandemia do coronavírus vão imperar os maiores, assim como foi depois da crise de 1929. As crises são cíclicas. E o que fizeram os Estados Unidos? Se reposicionaram no planeta. Eu me pergunto se seria o coronavírus a doença esperada para que os Estados Unidos lancem seu segundo momento de hegemonia? O terror, o poder é o seu discurso. Esses são seus ganhos, essa é sua nova hegemonia”, finaliza Jaimes.
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Edição: Rodrigo Chagas