A pandemia do coronavírus obrigou o Chile a adiar o plebiscito constitucional, que inicialmente estava marcado para o dia 26 de abril. A nova data estipulada pelo Servel (Serviço Eleitoral, similar ao TSE do Brasil) é o dia 25 de outubro.
No dia 18 de março, o presidente neoliberal Sebastián Piñera decretou Estado de catástrofe no país, o que incluiu uma nova intervenção militar, com toque de recolher (entre 22h e 7h) nas regiões mais afetadas pelo vírus.
A medida deve durar pelo menos três meses, mas poderia ser estendida durante todo o inverno, dependendo da evolução dos números do covid-19 no país. Até a segunda-feira (23), o Chile tinha 743 casos confirmados, e 2 mortes.
Novo calendário
A mudança também fez com que todo o calendário eleitoral fosse alterado. As eleições municipais do país, que estavam marcadas para acontecer justamente em outubro, foram reagendadas para abril de 2021, para não coincidirem com o plebiscito. As eleições presidenciais chilenas, que escolherão o sucessor de Piñera, continuam marcadas para novembro de 2021, mas segundo analistas locais, também é possível que esta seja alterada, dependendo da situação.
O plebiscito constitucional foi uma conquista da revolta social iniciada no Chile em outubro de 2019, e que teve como principal alvo a atual carta magna do país, que foi imposta em 1980 pelo ditador Augusto Pinochet.
Além disso, o início do processo constituinte era visto pelos movimentos sociais como uma oportunidade para realizar a primeira assembleia constituinte da história do país, já que nenhuma das dez constituições chilenas foi elaborada por processo democrático. Também é esperada a possibilidade de que o Chile tenha a primeira constituição do mundo criada por um órgão composto por um número igual de mulheres e homens, algo que foi definido por uma lei aprovada no Congresso, semanas atrás.
::Revolta social chilena pode gerar 1ª Constituinte da história com paridade de gênero::
Manter a mobilização
Diante desse cenário, os movimentos sociais tentam se organizar para que o clima de transformação instalado no país em outubro passado possa resistir aos meses de quarentena. Muitas das chamadas assembleias comunitárias, que vinham sendo realizadas nos últimos cinco meses, boa parte delas com reuniões semanais, tiveram que interromper suas atividades presenciais. Algumas delas tentam organizar encontros por vídeo conferência, mas nem todos os participantes dispõem de tecnologia suficiente para isso.
Ainda assim, muitos líderes de movimentos acreditam que será possível sim sustentar esse clima. Um dos que acredita nessa teoria é o advogado constitucionalista Fernando Atria, fundador do partido Fuerza Común e um dos maiores defensores do plebiscito dentro da esquerda chilena.
Segundo Atria, a situação de pandemia não é desfavorável para manter o clima de mobilização e o sentido de necessidade de mudanças no país. Para ele, muito pelo contrário, “em uma situação de pandemia, o sentido comum neoliberal, do cada um por si, choca com essa experiência que teremos que viver, onde veremos que estamos todos no mesmo barco, e somos obrigados a pensar também nos demais, é a única na que se pode enfrentar uma pandemia”.
Em uma situação de pandemia, o sentido comum neoliberal, do cada um por si, choca com essa experiência que teremos que viver, onde veremos que estamos todos no mesmo barco, e somos obrigados a pensar também nos demais, é a única na que se pode enfrentar uma pandemia.
Sobre a organização popular que se gerou no Chile durante a revolta social e que foram interrompidas desde o decreto de Estado de catástrofe, Atria considera que as iniciativas continuarão se mantendo de alguma forma durante os meses de quarentena, mesmo sem poder realizar reuniões.
“Eu mesmo participei de uma conferência online dias atrás. Claro que deve haver, sobretudo, menos entusiasmo do que em uma reunião presencial, mas também porque você divide a preocupação com a quarentena em si, que também é um problema importante. Mas creio que, quando terminarem as restrições, as assembleias voltarão com a mesma força de antes”, comentou o advogado.
Plebiscito assegurado
Atria também assegura que o acordo entre os partidos políticos para mudar a data do plebiscito exigiu que esta fosse a única mudança no processo. Portanto, as duas perguntas que serão feitas no dia 25 de outubro serão as mesmas que constariam na que estava programada para 26 de abril.
A primeira pergunta será “você quer uma nova constituição?”, e as opções são “aprovo” e “rechaço”. Segundo a média das pesquisas, cerca de 77% dos chilenos estaria a favor do “aprovo”, atualmente.
A segunda pergunta, que já supõe que a primeira terá uma maioria de votos a favor da opção “aprovo”, indaga sobre “que tipo de órgão deveria redigir a nova constituição”. Neste caso, as duas alternativas são “convenção constitucional” e “convenção mista”.
A “convenção constitucional” seria como uma assembleia constituinte. Todos os seus representantes serão eleitos por voto popular e deverão ser pessoas que não têm mandato político vigente – os seja, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, ministros, secretários e outros não poderão concorrer.
No caso da “convenção mista”, metade dos representantes também serão eleitos conforme a fórmula anterior, e a outra metade será composta por parlamentares (deputados e senadores) do atual Congresso.
Edição: Rodrigo Chagas