As críticas à Medida Provisória (MP) 927/20, editada no domingo (22), fizeram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sinalizar um recuo parcial no início da tarde desta segunda-feira (23). Em anúncio feito pelo Twitter, ele informou que revogou o artigo do texto que autorizava a suspensão do contrato de trabalho pelos empregadores por um período de até quatro meses com corte de salário.
A proposta, no entanto, ainda mantém uma série de outras normas que devem vigorar durante o estado de calamidade pública, que segue até 31 de dezembro deste ano. Entre elas, estão a autorização para redução de até 25% dos salários, o atraso nos depósitos do FGTS feitos pelo empregador durante a crise, além de iniciativas como teletrabalho, antecipação de férias, concessão de férias coletivas, antecipação de feriados e suspensão de normas de caráter administrativo, como questões de segurança do trabalho.
A advogada trabalhista Camila Gomes chama a atenção para um trecho da MP que instaura um regime especial de compensação de horas para trabalhadores da área de saúde por meio de acordo coletivo ou individual, permitindo que eventuais horas extras computadas durante o período da crise possam ser compensadas em até 18 meses.
A advogada aponta que a medida vai penalizar especialmente os trabalhadores que têm atuado no combate aos casos de coronavírus nos hospitais, com jornadas estendidas para dar conta da demanda.
“Pense numa enfermeira que é mãe de família, que tem um monte de criança em casa e precisa ficar no hospital por 15 dias, vai e volta. Prorrogam a jornada e ela fica o dia inteiro fora, [chegando a ficar] 12 horas fora. Ela não vai nem receber hora extra pra colocar, por exemplo, alguém pra cuidar dos filhos. Então, é você jogar um peso muito grande sobre os trabalhadores”, avalia.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também se posicionou contra a nova medida. “Vem na contramão de medidas protetivas do emprego e da renda que vêm sendo adotadas pelos principais países atingidos pela pandemia”, disse a entidade, em nota, mencionando França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos como exemplos.
“A MP nº 927, de forma inoportuna e desastrosa, simplesmente destrói o pouco que resta dos alicerces históricos das relações individuais e coletivas de trabalho, impactando direta e profundamente na subsistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e de suas famílias, assim como atinge a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas, com gravíssimas repercussões para a economia e impactos no tecido social”, completa a entidade.
Sindicatos
Um ponto de realce na MP é a retirada do sindicado da negociação, que poderá ser feita diretamente entre trabalhador e empregado. O secretário nacional de Assuntos Jurídicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir Ertle, disse ao Brasil de Fato que a medida não surpreende a entidade por conta do perfil do governo Bolsonaro. Ele afirma que a central vai batalhar contra a proposta.
“É um desrespeito totalmente. É uma prova de que esse governo não quer o mínimo de diálogo social. É um absurdo isso”.
A CUT informou que analisa possíveis medidas judiciais contra o texto. A entidade se reúne ainda nesta segunda-feira com outras centrais sindicais para definir um encaminhamento conjunto sobre a oposição à medida.
No Distrito Federal, por exemplo, a direção local da CUT já programa uma primeira reação popular à MP, que deverá ser alvo de um “barulhaço” nas janelas nesta segunda, às 20 horas.
Legislativo
No Congresso Nacional, parlamentares também já se mobilizam contra a proposta. O líder da minoria, José Guimarães (PT-CE), informou ao Brasil de Fato que os opositores articulam um pedido de devolução da MP para ser encaminhado nesta segunda ao presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Também está em fase de produção uma ação que será ajuizada pelo grupo no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Essa medida vem no momento em que o Brasil vive sua pior crise. Bolsonaro, mais uma vez, edita uma MP que é um verdadeiro confisco do salário dos trabalhadores brasileiros. Num momento de crise, é o Estado que tem que proteger o seu povo, e não o Estado se omitindo, do jeito como Bolsonaro está fazendo”, afirma.
Mais cedo, o líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), investiu numa iniciativa semelhante, de forma paralela. Ele encaminhou ao presidente um pedido de devolução da MP. “De um lado, [o governo] socorre as empresas, o que é importante para que não quebrem, mas, de outro, entrega os trabalhadores à própria sorte, forçando-os a escolher entre o emprego e a vida”, criticou o parlamentar.
Edição: Leandro Melito