“Minha família está abandonada”, foi o desabafo de uma das primas da primeira vítima fatal do novo coronavírus que faleceu na última segunda-feira (16) na cidade de São Paulo, após ter sido internado no sábado (14) no Hospital Sancta Maggiori, da rede PreventSenior, e apresentado os sintomas no dia 10 de março.
Ao contrário das informações que circularam, o homem de 62 anos com diabete e hipertensão não era taxista, mas sim porteiro aposentado e raramente saia de casa. A transmissão foi confirmada como comunitária, ou seja, quando não é possível identificar a trajetória da infecção.
A família relata que outras cinco pessoas que moravam com ele, entre elas os pais, com 83 e 82 anos, o irmão de 61, e as duas irmãs, de 60 e 55, a mais nova com deficiência mental, estão apresentando os sintomas e denuncia que não há nenhum cuidado por parte do governo estadual e da prefeitura, assim como dos serviços privados de saúde.
Mesmo estando dentro do grupo de risco, nenhum dos familiares foi testado em relação ao novo coronavírus.
“Qual a providência a Secretaria da Saúde fez em prol desses pais e desses irmãos da vítima? Porque até o momento estão todos eles com o problema e ninguém se manifestou, ninguém falou nada e nem fez nada. Eles vão procurar recurso e não encontram, é uma situação crítica. Hoje a imprensa toda do Brasil inteiro ficou sabendo o que aconteceu, mas os familiares estão a ver navios, porque ninguém fez nada. Vai morrer a família inteira”, relata a prima.
Nos últimos dias, ela conta que eles foram algumas vezes ao pronto atendimento do Hospital Sancta Maggiori e do Hospital do Servidor Público, da rede municipal, mas foram mandados de volta para casa, sem atendimento adequado ou teste para o covid-19.
“O pai é diabético, já foi no Sancta Maggiori e lá não fizeram o teste. O menino foi no hospital municipal e também não foi feito. O Samu hoje esteve na casa dele, e a irmã está internada no hospital na vergueiro [Servidor Público] e até o momento não foi feito teste nenhum.”
O pai chegou a ir mais de cinco vezes ao Hospital Sancta Maggiori, mas todas as vezes a unidade informou que não havia necessidade de fazer o teste.
Só ontem (17), quando uma das filhas brigou com os gestores para o atendimento do doente, enviaram uma ambulância e o internaram ainda nesta madrugada. O estado de saúde é grave em decorrência da idade avançada, diabete e problemas renais.
Além da irmã e pai internados, o irmão foi levado ao Hospital das Clínicas e também está hospitalizado para o tratamento. Ainda não há informações se houve o teste ou não do novo coronavírus. Apenas a filha mais nova de 55 anos com deficiência mental e a mãe ainda estão em casa, mas também com os sintomas.
Uma das outras irmãs da vítima, que não mora na casa, também apresenta os sintomas e, devido a isso, não pôde acompanhar o enterro no irmão ontem na Zona Sul de São Paulo ou ver os pais, que também não puderam se despedir do filho.
Segundo a prima, o argumento dado para a família para não fazer o teste foi de que as unidades não possuíam o serviço. Ela alerta para todas as pessoas que a doença é séria e que as "piadas" em torno da epidemia não ajudam o entendimento de que é preciso isolamento e evitar contato com as pessoas.
“É uma perda que a família não esperava, embora ele tivesse doenças crônicas. Ninguém fez nada excepcional, não foi ao aeroporto e não viajou. Ele estava em casa, a doença foi parar dentro de casa e em menos de uma semana ele morreu”, conta ela ao reafirmar que há mais casos do que se noticia.
Negligência
A denúncia da família é ainda mais grave, porque, segundo a prima, o Hospital Sancta Maggiori, da rede PreventSenior, chegou a fazer o atendimento da vítima que veio falecer e mandar para casa apenas com antibióticos.
Eles chegaram a pedir o teste para o novo coronavírus, mas a unidade cobrou R$ 200 para a realização, o que é proibido pelas novas normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Meu primo quando deu entrada no hospital ele já não abria os olhos e já não falava mais, só por isso que levaram na UTI. O hospital errou e tem uma parcela grande de culpa, ia cobrar dele e da minha tia para fazer o teste R$ 500, R$ 250 para um, para outro”, desabafa a prima, que relata que toda a família não soube do motivo do óbito pelo hospital, mas sim pelo anúncio dos jornais televisivos
Até o fechamento da reportagem do Brasil de Fato, não houve retorno da Secretária Estadual de Saúde de São Paulo, Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Hospital Municipal do Servidor Público e Hospital Sancta Maggiori, da rede PreventSenior.
Testes de Coronavírus
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) desde segunda-feira (16) é que todos os casos suspeitos do Covid-19 sejam submetidos a exames laboratoriais. Mas no estado de São Paulo o procedimento orientado pela Secretaria Estadual da Saúde é que apenas pacientes internados sejam submetidos ao teste laboratorial na rede pública e que o diagnóstico clínico seria adotado para outros casos suspeitos.
Ontem, o coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, David Uip, reafirmou em coletiva na tarde de ontem (17) que o estado não tem estrutura para fazer os testes em todos os casos suspeitos.
“Nesse momento nós continuaremos fazendo exames dos pacientes internados, as clínicas sentinelas, profissionais de saúde e pesquisa. Nesse momento mantém-se esta decisão e já há uma missão de ampliação dos centros de diagnósticos em todo o estado”, explica Uip, que não deu nenhuma previsão para o aumento de testes.
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, também confirmou em coletiva de imprensa nesta terça-feira (17) a limitação da capacidade de exames laboratoriais para verificar os casos de coronavírus – a pasta diz que vai se reunir com laboratórios públicos e privados de todo o país para ampliar a abrangência dos testes, mas não indicou quando isso deve ser feito.
Já no âmbito privado a inclusão do exame de detecção do novo coronavírus no rol de procedimentos obrigatórios dos planos de saúde foi aprovada pela a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Com a medida, os planos passam a ser obrigados a oferecer o teste.
Conforme a resolução, a cobertura é obrigatória quando o paciente se enquadrar como caso suspeito ou provável de doença pelo novo coronavírus, conforme definição do Ministério da Saúde. Será necessária a indicação médica para a realização do exame.
Edição: Leandro Melito