O grito de luta das mulheres sem terra ecoou em todo o país nesta segunda-feira (9), com a abertura da "Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem-Terra em Defesa da Reforma Agrária". Até o momento, foram 10 mil pessoas mobilizadas em pelo menos 16 ações em todo país.
A ocupação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Brasília (DF), por 3,5 mil mulheres, que participavam do 1º Encontro Nacional das Mulheres Sem Terra, foi a primeira do dia que inaugura o processo de luta enfrentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) às políticas do governo Bolsonaro, um notório inimigo da reforma agrária.
“Convocarmos todos a se mobilizar, a defender seus direitos, a defender a soberania nacional, a defender todas as nossas conquistas e nossos territórios, que estão ameaçados. O processo de mobilização de hoje é importante para a gente conseguir dizer que é possível sim a classe trabalhadora se mobilizar nesse governo, é possível sim a gente se mobilizar mesmo diante de tanta ameaça e tanta violência. Pra nós significa um processo de despertar realmente para a luta e defender de fato a reforma agrária, o campo, os nossos territórios”, explica Antônia Ivoneide da direção nacional do MST.
A Jornada de Lutas tem objetivo de denunciar o desmonte da política de reforma agrária. Além de tentar criminalizar os movimentos de luta pela terra, o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) tem protagonizado outras iniciativas como a transferência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a alçada do Ministério da Agricultura.
Como resposta, pelo menos nove superintendências do órgão foram ocupadas em todo o país, entre elas as de Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Palmas (TO), São Luís (MA), Belo Horizonte (MG), Maceió (AL), Florianópolis (SC), Recife (PE) e Porto Alegre (RS).
No caso da capital gaúcha, representantes das 700 trabalhadoras, que ocuparam o órgão, se reuniram com o chefe de gabinete do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio Grande do Sul, Cláudio Moreira, e a superintendente substituta, Raquel May Chula, e entregaram a pauta de reivindicações.
Novas ocupações
Outro foco das mobilizações é a ocupação de áreas públicas como denuncia à Medida Provisória (MP) 910, que pretende legalizar, até 2022, cerca de 600 mil imóveis rurais e, na visão, do MST entrega as terras brasileiras para a grilagem e o agronegócio.
Uma das ações ocorreu em Ribeirão Preto (SP), onde cerca de 100 famílias de trabalhadoras e trabalhadores do movimento ocuparam a área da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), hoje administradas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), no quilômetro 336, da rodovia Anhanguera, em Jardinópolis. O MST aponta que a área vem sendo utilizada ilegalmente para a produção de cana-de-açúcar e também como lixão de rejeitos agroindustriais e industriais.
Política econômica e privatizações
Na capital paulista, o MST se uniu a Frente de Luta por Moradia (FLM) e ao povo indígena do Jaraguá nas ruas do centro e marchou da ocupação Mauá até o Ministério da Economia para denunciar a política econômica "ultraliberal" do governo Bolsonaro, que, segundo movimento "corta sistematicamente os direitos da classe trabalhadora, as verbas dos programas sociais e ataca o meio ambiente, em detrimento das condições de vida nas cidades e no campo".
Rodovias e estradas de todo o país também foram bloqueadas. No Rio Grande do Norte, a organização bloqueou a BR 304, na altura do quilômetro 273 na cidade de João Câmara, e a BR 406, no quilômetro 105 de acesso para Ielmo Marinho.
Já na Bahia, 600 mulheres Sem Terra tomaram nas ruas da cidade de Juazeiro (BA), em repúdio às políticas de privatização das terras e das águas implementadas pelo governo Bolsonaro para o campo.
Em reivindicação conjunta com as militantes que ocuparam a sede do Incra em Recife (PE), as mulheres de Juazeiro denunciaram a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o governo federal pelo não cumprimento do acordo de assentar 800 famílias sem-terra, conforme termo de acordo celebrado em 2008, entre a Casa Civil, a Secretaria Geral da Presidência da República, a Codevasf, o Incra, a Ouvidoria Agrária Nacional e as famílias sem-terra.
Violência de Estado
A direção nacional pontua que outro objetivo da Jornada é denunciar a violência do governo Bolsonaro que tem as “mãos sujas de sangue” de camponeses, indígenas, quilombolas e mulheres. “Os processos que tem sido implementados nesse governo com licença para matar, dando direito a fazendeiros, a policiais, a milícias armadas a serem violentos contra o povo que quer manter seus territórios e querem manter o direito de viver, de comer, de produzir e de morar com dignidade no campo”, exclama a dirigente Antônia Ivoneide.
Os processos que tem sido implementados nesse governo com licença para matar, dando direito a fazendeiros, a policiais, a milícias armadas a serem violentos contra o povo que quer manter seus territórios e querem manter o direito de viver.
A dirigente relata que as ações foram pacíficas e que, por enquanto, nenhum trabalhador ou trabalhadora foi preso ou agredido durante as mobilizações da ação nacional, apesar das tentativas de ameaça das forças de segurança.
“Não tivemos nenhum ato de violência físico contra nós, mas de tentativa de amedrontar foi o que aconteceu. Foi de fato uma ação de muita solidariedade e apoio sobre a luta das mulheres e o que nos conseguimos foi provar que não somos nós que queremos violência, nós queremos só denunciar o processo da violência que nós estamos sofrendo”, afirma Ivoneide.
Em Brasília, após ocupação do Ministério da Agricultura, a Polícia Federal deteve um ônibus da região do Piauí e uma advogada do MST, mas todos foram liberados.
A luta continua
Para Ceres Hadich, da direção nacional do MST, o ato de ocupação do Mapa, que marcou o encerramento do Encontro Nacional de Mulheres Sem Terra, deu o tom dessa abertura dos atos do mês de março. "Acho bastante simbólico. Demos o tom, o ritmo, e a cor que o 8 de março imprime ajuda a motivar muito as demais lutas da classe trabalhadora", destaca.
Além dos eventos do Dia da Mulher, março será marcado por protestos pelos dois anos dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, que serão realizados no próximo dia 14. Já no dia 18 de março, estudantes e professores sairão às ruas contra os cortes no orçamento da educação.
"Então a gente segue em luta em março e convoca as mulheres e toda a classe trabalhadora para seguirem mobilizados, exigindo justiça e que se esclareçam os assassinatos de Marielle e Anderson e em defesa da educação. E todas as bandeiras que os trabalhadores levantarem, nossa missão é se somar e ajudar a organizar o povo brasileiro e despertar", finaliza.
As diversas ações da Jornada de Lutas desta segunda-feira trazem para o centro do debate a pauta da reforma agrária. No entanto, Antonia Ivoneide, da direção nacional do MST, também ressalta a importância dos protestos que acontecerão nos dias 14 e 18 desse mês. "Temos que ir para rua para descobrir quem mandou matar Marielle e quem está mandando matar as mulheres e trabalhadores. Assim como a luta de 18 de março, para denunciar todo o processo de privatização da educação."
Edição: Rodrigo Chagas