O governo Bolsonaro foi denunciado nesta sexta-feira (6) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), por violações à liberdade de expressão e por ataques à imprensa. A audiência foi realizada em Porto Príncipe, capital do Haiti.
As entidades apresentaram casos emblemáticos da criminalização da prática jornalística, como ataques criminosos aos jornalistas Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, e Vera Magalhães, do Estado de S. Paulo e TV Cultura.
“O que eram violações difusas passaram a constituir um quadro institucional de ataques à liberdade de expressão. As medidas para calar veículos de comunicação e jornalistas, para censurar manifestações artísticas e culturais, para calar movimentos sociais e extinguir espaços de participação social partem diretamente da presidência da República, de seus filhos, com mandatos parlamentares, dos seus ministros, de outros membros do governo e dos políticos de sua base de sustentação”, pronunciou-se Renata Mielle, coordenadora geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.
Olívia Bandeira, do Intervozes, afirmou que o governo federal e seus aliados adotaram o discurso – e a prática – de combater um hipotético inimigo da nação, o "marxismo cultural". Ela reforçou que a censura também se dá na falta de transparência com dados públicos.
“Estamos aqui para denunciar, também, que o Brasil passou a conviver com a censura aos dados públicos e assuntos considerados ideológicos têm sido adotados como políticas de Estado, num retrocesso às políticas de transparência e acesso à informação implementadas em 2011”, declarou.
O produtor audiovisual Émerson Maranhão também relatou perseguição aos presentes. Ele ressaltou que vários espetáculos e exposições foram cancelados pelo governo por meras questões ideológicas.
“Não há dúvidas que a liberdade de expressão no Brasil esteja sob ataque, e o que é mais grave: sob ataque institucional e declarado. Desde que assumiu o governo, em 2019, Jair Bolsonaro já manifestou publicamente, mais de uma vez, sua intenção de controlar ideologicamente a produção cultural no país. Sob o que ele chama eufemisticamente de ‘filtros morais’ esconde-se uma prática que nós, brasileiros, acreditávamos ter conseguido sepultar: a odiosa censura”, afirmou Emerson.
O relator Especial para a Liberdade de Expressão da OEA, Edison Lanza, pediu explicações sobre a retórica anti-imprensa adotada por autoridades públicas e rebateu o argumento do governo de que há um programa de proteção aos defensores de direitos humanos que contempla a categoria de jornalistas.
“Nenhuma política de proteção à liberdade de expressão pode ser consolidada sem haver política de prevenção. E prevenir ataques à liberdade de expressão inclui promover e valorizar o trabalho jornalístico. O que o governo Bolsonaro tem feito é apostar numa retórica anti-imprensa. Não há política efetiva se propaga-se, de forma sistemática, que tudo que a imprensa faz é fake news e mentira”, disse Lanza.
Os representantes do governo na audiência fugiram das perguntas e se limitaram a citar a lei de proteção ao direitos humanos existente no país. "No Brasil, não existe censura. O governo, por meio do presidente, expressa divergências com setores da imprensa, o que faz parte do jogo democrático. Reafirmarmos nosso compromisso com a mais ampla liberdade de expressão da sociedade brasileira e da imprensa. A imprensa, cotidianamente, faz todas as críticas e ataques que acha pertinente, e não há nenhuma iniciativa de censura por nossa parte", respondeu Alexandre Magno, secretário-adjunto de Políticas Globais do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.
Diante do cenário apresentado, as organizações que participaram da audiência pediram que o tema da liberdade de expressão no Brasil seja tratado como prioritário no âmbito da CIDH, ressaltando a importância da Comissão emitir comunicados para os casos mais graves, recorrendo a medidas cautelares quando necessário. Também foi solicitada uma visita oficial conjunta do Relator Especial de Liberdade de Expressão da CIDH/OEA, o Relator de Liberdade de Expressão da ONU, junto também ao comissionado para o Brasil e a Relatora para os Direitos das Mulheres.
Edição: Rodrigo Chagas