O procurador Wellington Divino Marques de Oliveira deve ser enquadrado na Lei de Abuso de Autoridade (nº 13.869) por denunciar sem provas Glenn Greenwald, co-fundador do The Intercept, afirmam juristas ouvidos pelo Brasil de Fato. A acusação contra o jornalista é de participação na invasão de celulares de autoridades brasileiras.
Segundo advogados, Oliveira fez uso do cargo para defender bandeiras ideológicas próprias e tentar criminalizar o trabalho estritamente jornalístico desempenhado por Glenn – exposto em diálogos contidos na ação do Ministério Público Federal (MPF), impetrada na terça-feira (21). Neste caso, a ação do procurador se enquadraria no artigo 30 da Lei de Abuso de Autoridade, que prevê punição de um a quatro anos à autoridade que der início a um processo "sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente".
“Na hora que um procurador da República utiliza a sua condição de Ministério Público para apresentar uma denúncia que ele sabe que é insubsistente, que inclusive a Polícia Federal estava investigando o caso em cima dos mesmos áudios e disse que não tinha qualquer tipo de participação do Glenn, ele tem que ser enquadrado no artigo 30 da Lei de Abuso de Autoridade”, explica o advogado Marcelo Uchôa, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Os diálogos utilizados pelo procurador para justificar a denúncia contra Glenn já haviam sido analisados pela Polícia Federal (PF) anteriormente. Na ocasião, a conclusão foi de que não era possível identificar “participação moral e material” do jornalista nos crimes investigados.
Para o Marcelo Uchôa, Wellington de Oliveira fez uso da denúncia com o claro objetivo de perseguir o editor do Intercept. “Ele [o procurador] está brincando de usar o múnus público [obrigação decorrente de acordo ou lei] dele para intimidar as pessoas, para coagir, para desrespeitar o Estado Democrático de Direito, para criar instabilidade jurídica, para fazer confusão na cabeça de uma massa de pessoas que são mobilizadas via rede social e fake news. A Justiça não pode servir para isso. A Justiça serve para aplicar o Direito”, complementa.
Ao oferecer a denúncia, o procurador também ignorou liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que vetava investigações contra Glenn Greenwald pelo seu trabalho como jornalista.
A advogada Carol Proner, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFJR) e também da ABDJ, concorda que a denúncia se enquadra em um caso de abuso de autoridade que deve ser denunciado. Ela classificou a ação como “abusiva, intimidatória e autoritária”, além de afrontosa ao STF.
“Para mim é claríssima a forma intimidatória como esse procurador tenta atuar, o uso político do Ministério Público neste caso específico do procurador, deturpando o teor das gravações de uma maneira desonesta. É uma denúncia autoritária. Do ponto de vista jurídico, a questão é simples: é a liberdade de imprensa e a questão do sigilo da fonte, já garantida pelo Supremo Tribunal Federal e garantido pela Constituição como exercício da profissão”, diz a jurista.
A advogada ressaltou que o Wellington de Oliveira tem histórico de perseguir pessoas que ele considera inimigas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro – o procurador já havia feito denúncias sem provas contra o ex-presidente Lula e contra o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, por exemplo.
“A vinculação desse procurador com o lavajatismo, como essa cultura punitivista fora da lei, e principalmente a proximidade, pelo menos a afeição que ele tem com o ex-juiz Sérgio Moro, é muito evidente. Ele foi sargento do Exército por 13 anos. Tem toda uma visão de mundo que coincide com uma forte conotação política, contrária àquilo que ele considera inimigo do ministro Sérgio Moro”, opina Carol Proner.
Outras manifestações
Diversas autoridades e entidades brasileiras se manifestaram a favor de Glenn e da liberdade de imprensa após a oferta da denúncia do MPF.
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou uma representação no MPF pedindo que o procurador seja enquadrado na recém-criada lei de Abuso de Autoridade. Em nota, a entidade destacou que foi justamente o uso do aparelho do Estado em desrespeito aos direitos dos cidadãos que levou à aprovação da lei.
De acordo com a representação protocolada, a acusação do procurador "tenta criminalizar a livre manifestação do pensamento e a divulgação de informações, atingindo em cheio o direito fundamental à liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa (art. 5º, incisos IV e IX, e art. 220 da CF)".
Também em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) reforçou o entendimento de que a denúncia viola a liberdade de imprensa. “É um absurdo que o Ministério Público Federal abuse de suas funções para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos. A Abraji repudia a denúncia e apela à Justiça Federal para que a rejeite, em respeito não apenas à Constituição, mas à lógica”, diz a diretoria da associação no comunicado.
O jornal The New York Times também se posicionou a favor do jornalista e do exercício de sua profissão ao publicar um editorial, nesta quarta-feira (22), defendendo a liberdade de imprensa. “A denúncia do governo brasileiro contra o jornalista americano Gleen Greenwald é um caso cada vez mais familiar de atirar no mensageiro e ignorar a mensagem”, manifestou-se o jornal.
O senador estadunidense Bernie Sanders foi outra voz a favor de Glenn. “A imprensa livre nunca é mais importante do que quando expõe transgressões dos poderosos. Por isso Bolsonaro ameaça Glenn Greenwald pelo "crime" de fazer jornalismo”.
Edição: Leandro Melito