Na última década, as taxas de assassinatos de jovens no Brasil cresceram 17%. Quase metade dos índices gerais de homicídio do país em 2018, que foi de 56 mil, corresponde à morte de homens negros, com idade entre 15 e 29 anos. Os dados foram compilados no estudo “Prevenção da violência juvenil no Brasil: uma análise do que funciona”, produzido pelo Instituto Igarapé com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
O estudo aponta também o dado recente de que a violência letal declinou de forma considerável desde que atingiu recordes em 2017. Entretanto, o documento ressalta que a proporção de assassinatos envolvendo policiais e milícias aumentou drasticamente desde 2018.
As chamadas “mortes por intervenção legal” atingiram recordes no Brasil em 2019, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.
“Enquanto as taxas gerais de homicídios caíram, os assassinatos da polícia dispararam. Mais de 1.800 civis foram mortos pela polícia no Rio de Janeiro no ano passado. A polícia matou pelo menos 6.160 pessoas em 2019, quase seis vezes o número de mortos dos Estados Unidos”, explica Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé e um dos autores do diagnóstico junto com Ana Paula Pellegrino.
Para o pesquisador é importante ressaltar que as taxas de homicídio caíram, mas a tendência de queda precede a atual administração política. Muggah aponta que o desafio está na abordagem repressiva, ou “mano duro”, que ele classifica como ineficiente no longo-prazo, devido à maneira como perpetua a violência e mina a confiança nas comunidades.
“É essencial sublinhar a relação entre educação e violência. Existe uma forte correlação entre baixa escolaridade, alto abandono escolar e violência. Quando os jovens não concluem o ensino fundamental, fundamental ou médio, os riscos aumentam”, afirma Muggah, que também indica a desigualdade social e racial como um dos fatores cruciais do problema.
"Onde os jovens são excluídos e marginalizados, aumenta o risco de se tornarem perpetradores ou vítimas. Essas tendências são comuns em todos os 26 estados e no distrito da capital federal", explica.
O diagnóstico lança luz não apenas sobre o escopo, a escala e os determinantes da violência juvenil, mas também para as soluções criativas e inovadoras que os jovens estão mobilizando para melhorar a segurança e a proteção individual e comunitária.
Entre elas ONGs como o Laboratório de Análise de Violência, Observatório de Favelas, Luta Pela Paz, Afroreggae, Instituto Bola Pela Frente, Fundação Gol de Letra, Instituto Reação, Pró Activo e outras alcançaram efeitos significativos de redução da violência através de um trabalho direto com jovens de baixa renda.
Além de programas e estratégias culturais para fortalecer os laços comunitários também são fundamentais para romper a violência, incluindo grupos como Arte da Paz, Oficina Cultural Consciência Negra, Programa Jovens Urbanos e Papo de Responsa.
“As intervenções mais eficazes tendem a ser aquelas que focam em garantir que os jovens permaneçam na escola e estratégias que melhorem a qualidade de vida e a auto-estima”, defende o consultor, que destaca que programas anteriores como o Plano Nacional de Juventude, os Conselhos para a Juventude e o Estatuto da Juventude foram "marcos críticos na luta contra a violência, principalmente em seu apelo à segurança pública".
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Bolsa Família estão presentes no documento como estratégias estruturantes para interromper a alta de morte de jovens no Brasil. O ECA por incluir disposições básicas para prestadores de cuidados, guardiões e famílias; além de sublinhar direitos fundamentais das crianças à escola, recreação e proteção contra a violência. E o Bolsa família em larga escala por garantir que os jovens permaneçam na escola.
Para ele, ao contrário do que o governo federal atualmente tem feito, é preciso “ampliar radicalmente” estas experiências promissoras no Brasil para reduzir a violência juvenil. “A combinação de medidas, políticas e programas legais pode ser eficaz na diminuição da violência contra jovens. Estratégias que priorizam a prevenção e redução da violência são essenciais para definir o tom e fornecer recursos para os programas”, direciona Muggah.
Entretanto as atuais propostas do governo Bolsonaro, tais como o Pacote Anticrime do ex-juiz e ministro da Justiça, Sérgio Moro, estão mais focadas em punir o crime, do que em estratégias para impedir que ele aconteça.“Há pouca evidência de que penas maiores, inclusive para menores de idade, contribua para reduzir estaticamente o crime letal. Investimento em apoio à primeira infância, apoio a pais e responsáveis, ambientes escolares estáveis, fornecendo caminhos alternativos para jovens e o combate à reincidência teriam mais impacto e seriam menos custosos na redução dos crimes violentos”, conclui.
Edição: Leandro Melito