Integrantes do movimento indígena protocolaram, nesta quarta-feira (12), na Câmara dos Deputados, um pedido oficial de devolução do Projeto de Lei (PL) 191/2020, de autoria do governo Bolsonaro, que libera a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas.
A solicitação é dirigida ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem a coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Joênia Wapichana (Rede-RR), entregou o documento após um protesto que reuniu lideranças de diferentes comunidades na Casa.
A deputada apresentou uma nota técnica que aponta ilegalidades na proposta, cujo texto foi encaminhado pelo presidente da República à Câmara no ultimo dia 5. Os opositores argumentam, por exemplo, que a medida conflita com a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Chega de matar a mãe terra, chega de tanto desmatamento. Já derramaram muito o nosso sangue em mais de 500 anos.
Ratificada em 2002 pelo Brasil, a norma determina que as comunidades tradicionais sejam previamente consultadas sobre ações e projetos que possam lhes afetar diretamente. Joênia Wapichana afirma que o PL também estaria marcado por problemas de constitucionalidade.
“Esse PL apresenta vícios, erros. Uma proposta de mineração, segundo a Constituição, por exemplo, tem que ser através de uma lei complementar. Não se pode regulamentar ou alterar o artigo, como esse texto propõe, através de uma lei ordinária. No caso, teria que ser uma PEC. No nosso entender, essa proposta deveria retornar ao Poder Executivo”, defende, acrescentando que o conteúdo da medida também seria um problema porque a abertura dos territórios para mineradoras aumentaria a vulnerabilidade dos povos tradicionais.
“Chega de matar a mãe terra, chega de tanto desmatamento. Já derramaram muito o nosso sangue em mais de 500 anos. Eu estou aqui com minha neta de 10 anos de idade. Quero saber se ela vai ter que continuar brigando por causa disso também”, bradou a cacica Iracema Kaingang, do Paraná.
Atuante na região amazônica, o deputado Airton Faleiro (PT-PA) assinala a importância de ampliação da rede de apoio aos indígenas por conta da tentativa do governo de avançar com a medida ao longo deste ano. O presidente tem mineradoras e latifundiários entre os principais aliados da gestão. O grupo tem elo com a bancada ruralista, que conta com mais de 200 parlamentares no Congresso.
“Estamos juntando uma trincheira aqui no parlamento, com parlamentares de diversos partidos, em especial os de oposição, mas nós queremos ir além. Esse debate tem que ultrapassar as barreiras partidárias e tem que chegar no entendimento de construirmos uma maioria social pra derrotar esse projeto de lei e qualquer iniciativa do governo que tente implantar mineração em terra indígena.”
A cantora paulista Maria Gadú esteve na Câmara e se uniu à mobilização, fazendo um apelo em prol das comunidades indígenas.
“Eu venho representando não só a classe artística, mas também pra fazer um grande chamamento popular pra que a população se inteire sobre esses assuntos, que são de máxima importância pra existência da nossa cultura popular, pros povos indígenas e pra proteção dos nossos biomas. É um chamamento como cidadã, mais do que como artista. Vim aqui como filha do Brasil”, disse.
O engajamento da classe artística no tema é visto como estratégico pela oposição. Ao longo dos últimos anos, a categoria tem contribuído para ajudar a popularizar debates e campanhas que tratam da proteção à Amazônia, aos povos tradicionais e aos recursos naturais como um todo. Com o Congresso hegemonizado por parlamentares de tendência neoliberal, a expectativa é de que a participação dos artistas ajude a capilarizar o movimento contra o PL, que inclui uma forte mobilização nas redes sociais.
Outras ações também integram o roteiro da luta indígena. Na manhã desta quarta-feira, por exemplo, lideranças de várias comunidades do país fizeram uma caminhada pela Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional para protestar contra o projeto.
Edição: Rodrigo Chagas