Mulheres que se organizam no âmbito do movimento feminista se articulam para fortalecer a luta contra a proposta que equipara o aborto ao homicídio. Aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados na quarta (12), em uma votação-relâmpago, a urgência do texto revoltou diferentes segmentos da sociedade, em especial as organizações populares. A Marcha Mundial das Mulheres (MMM), por exemplo, publicou nota na quinta-feira (13) pressionando os parlamentares para que retirem do horizonte a previsão de apreciação do mérito da medida, que tramita como Projeto de Lei (PL) 1904/2024. A organização é uma das que compõem a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.
Apesar de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ter indicado nos bastidores que não pretende agilizar a apreciação do mérito do PL, a bancada fundamentalista se articula para tentar emplacar o texto no plenário nas próximas semanas. Em paralelo, feministas ampliam a mobilização nas redes sociais e nas ruas. Na quinta-feira (13), houve protestos organizados em Brasília (DF), Florianópolis (SC), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Manaus (AM) e Recife (PE). Nesta sexta (14) haverá também ato em Porto Alegre (RS); no sábado (15), é a vez de João Pessoa (PB) e mais uma vez em São Paulo (SP); no domingo (16), as feministas se reúnem em Vitória (ES); e, na segunda (17), é a vez de Recife (PE) novamente.
“A marcha se junta a esse movimento com outras organizações. Como a frente é nacional, ela tem puxado atos em várias cidades e a gente vai deixar o recado de que as feministas não vão aceitar caladas esse projeto de lei”, diz a militante Carliene Sena, da MMM. Ela afirma que o segmento está atento a todos os movimentos do Legislativo e que seguirá fazendo pressão para tentar evitar um aval final ao PL.
“A gente acompanha [o trâmite legislativo] através da bancada feminista do Congresso, nós estamos mobilizadas nas redes e vamos intensificar a mobilização aqui fora porque o próprio Lira disse que não vai colocar em pauta agora porque vai esperar [o debate] esfriar. Mas a gente quer dizer que a gente não vai esfriar. A gente está aqui firme e forte na luta e nós vamos continuar mobilizadas.”
De interesse da bancada fundamentalista, composta sobretudo por parlamentares evangélicos mais reacionários, a pauta emerge no cenário político em meio ao contexto que antecede o pleito de 2024, no qual os deputados do campo tentam mobilizar suas bases em torno do tema para colher dividendos eleitorais. Apesar de Lira ter indicado que pretende aguardar outro momento para submeter o texto à votação, nos bastidores da Câmara, o entendimento é de que o presidente pode colocar o PL temporariamente na gaveta para usar adiante como moeda de troca com a bancada evangélica quando quiser angariar votos para algo de seu interesse. A prática é corriqueira no Congresso Nacional.
O PL propõe um limite de 22 semanas para o aborto em caso de estupro. As normas atuais autorizam a interrupção da gravidez em três casos: gestação resultante de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal. Este último caso foi incluído na lista a partir de jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, enquanto os outros dois constam no Código Penal de 1940, mas não é imposto a nenhum deles um prazo para que seja feito o procedimento.
“Essa proposta é uma verdadeira aberração porque ela retrocede em relação ao que já foi definido em 1940, por isso não se justifica de forma alguma, muito menos em caráter de urgência. Nós entendemos que o país tem outras urgências reais”, afirma Carliene Sena.
Do ponto de vista do jogo legislativo, Lira afirmou que pretende escolher uma deputada de centro para relatar o tema em plenário. O nome ainda não foi definido. Enquanto isso não vem a público, interlocutores do governo Lula na Câmara têm sido procurados para se manifestar sobre o assunto. Até o momento, porém, os acenos não foram no sentido de favorecer o combate à pauta. O líder da gestão na Casa, José Guimarães (PT-CE), chegou a dizer, em entrevista à GloboNews, que “o governo não vai se meter na opinião de cada um dentro do parlamento” e que o tema “é problema do parlamento”.
Questionada sobre como avalia a postura da gestão diante do assunto, a representante da Marcha Mundial das Mulheres afirma que o movimento não se surpreende diante desse cenário. “Apesar disso, é algo que nos decepciona. Querendo ou não, a gente sabe o que o governo enfrenta por conta do seu caráter muito amplo. Estamos diante de um governo que a gente apoiou, mas sabe que ele tem suas limitações, por isso a gente caminha junto até onde dá e apoia o que eles fazem de positivo, mas numa hora dessas a gente discorda da posição deles, até porque o movimento é autônomo. Da nossa parte, vamos seguir acenando para os parlamentares que estamos bastante insatisfeitas com esse PL.”
Edição: Nathallia Fonseca