Mesmo com uma população um pouco menor que a do município de São Paulo -- 11 milhões --, e sendo um dos principais centros logísticos do país, na exata intercessão entre os eixos norte-sul (que liga Beijing à Guangzhou) e leste-oeste (ligando Shanghai à Chengdu), é bem possível que, para a maioria dos brasileiros, a histórica e arborizada cidade de Wuhan tenha passado despercebida, pelo menos até 2020.
Infelizmente, a fama recente se dá por uma calamidade de saúde pública ocasionada pelo surgimento de uma nova cepa do coronavírus, semelhante à que causou preocupação entre os anos de 2002 e 2003, a Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars).
Tudo indica, pelos estudos do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, que a nova variação do vírus, oficialmente batizada 2019-nCoV (Novo Coronavirus de 2019), tenha surgido a partir da interação humana com animais silvestres, no mercado de frutos-do-mar em Wuhan. A cidade concentra cerca de 35% dos contágios, sendo 60% na província de Hubei ao todo, da qual Wuhan é sua capital.
Desde o surgimento dos primeiros casos de infecção até o momento da publicação deste artigo já são 4633 casos confirmados de infecção, com milhares a mais de suspeitas, e pelo menos 106 fatalidades conhecidas. E estes números ainda avançam rápido, a cada hora. A contagem oficial, ao tempo de leitura deste artigo, pode ser conhecida pelo este link -- apesar de estar em chinês, é bastante autoexplicativo.
A comparação entre o número acima e o número ao tempo de leitura dá ao leitor uma noção mais apurada da gravidade da situação. Mas é importante lembrar também, antes de entrar em pânico, que o número de novas confirmações se dá não só pelo número básico de reprodução, ou seja, a velocidade de infecção de novos indivíduos, como também pelo crescente controle, diagnóstico e disponibilidade de novos e mais eficientes kits para testes.
Em todo caso, sabe-se hoje que o vírus já se espalhou por toda a China (com exceção da Região Autônoma do Tibete), além de pelo menos 14 outros países. São eles, por ordem de número de casos, ao tempo da redação: Tailândia (14), Cingapura (5), Estados Unidos (5), Austrália (5), Japão (6), Coréia do Sul (4), Malásia 3), França (3), Vietnã (2), Nepal (1), Canadá (1), Camboja (1), Alemanha (1) e Sri Lanka (1).
Ainda pouco se sabe sobre o quão infeccioso e letal é o 2019-nCoV, à medida que os números ainda estão sendo conhecidos, mas ao que tudo indica ela é uma variação menos fatal que a Sars -- cujo índice médio de fatalidade foi de 9,6% --, mas mais infecciosa, uma vez que tem se demonstrado transmissível ainda na fase de incubação do vírus, no período de até duas semanas, antes da aparição de qualquer um dos sintomas. Ou seja, ainda há bastante gente infectada, mas que, sem o saber, sem apresentar sintomas, é capaz de passar o vírus adiante.
O que tem sido feito?
Dada a proliferação assintomática da doença e a sua disseminação por toda a China, o assunto já se tornou de responsabilidade do Governo Central Chinês e hoje é comandado pelo atual primeiro ministro, Li Keqiang, pessoalmente.
Dentre as principais medidas tomadas, foi ordenada a construção de dois hospitais de 1000 e 1300 leitos, respectivamente, no prazo recorde de 7 e 15 dias. Isso tudo, durante o feriado de Ano Novo Chinês. Já imaginou o quanto demoraria na sua cidade para a primeira reunião de deliberação acontecer, durante um feriado de Carnaval?
Além disso, o feriado de Ano Novo Chinês está sendo prorrogado até o dia 3 de fevereiro por todo o país, sendo que cada província tem discricionariedade para estabelecer prazos ainda superiores. Em Shanghai, a maior cidade do país, o feriado irá até o dia 9 de fevereiro para os trabalhadores e 16 de fevereiro para as instituições de ensino.
Além dessas medidas, diversas cidades, sobretudo Wuhan, tiveram suas comunicações por terra e ar suspensas, com o intuito de se reduzir a mobilidade interna, comum no feriado de Ano Novo, quando muitas pessoas viajam para passar o Ano Novo com seus familiares. Ainda, diversos espaços de aglomeração de pessoas, como bares, cinemas, teatros e parques estão fechados por tempo indeterminado, sendo que os serviços básicos para atendimento da população, supermercados, restaurantes, etc., continuam funcionando normalmente.
Devemos nos desesperar?
De maneira alguma. Há pouco mais de 100 anos, quando a Gripe Espanhola se tornou uma pandemia global, dizimando entre 3 e 5% da população mundial, há uma tendência comum ao alarmismo, sendo que muito mais grave que a taxa de fatalidade é o pânico entre as pessoas, para não falar de uma consequência ainda pior, a xenofobia.
Como dito, não só a taxa de fatalidade tem sido baixa, o número de casos e fatalidades na maioria dos novos casos de infecção pelo cononavírus (Sars, Mers e agora o Novo Coronavirus de 2019), não chegam ao número de infecções e fatalidades causadas anualmente pelo vírus influenza, ou seja, a gripe comum.
O mais importante é conhecer os sintomas (febre, tosse seca, dores musculares e, em alguns casos, diarreia e vômito) e evitar aglomerações em locais afetados, ampliando os cuidados com a higiene, lavar as mãos com frequência, adotar o uso de lenços descartáveis e manter uma rotina de dieta e exercícios saudável. Isso, sobretudo, entre a população considerada de risco (idosos, jovens e pessoas com a imunidade comprometida), responsáveis por praticamente todos os casos de fatalidade conhecidos, até o momento. Para a maioria das pessoas, os sintomas não passam de uma simples gripe, moderada.
O que os brasileiros têm a ver com isso tudo?
Conforme informações já prestadas à Embaixada do Brasil em Beijing pela comunidade brasileira em Wuhan, há pelo menos 31 brasileiros isolados na cidade, impossibilitados de deixar a região, e desejosos de retornar ao país, com as devidas precauções de quarentena.
De acordo com notícias recentes, pelo menos 7 países já anunciaram o envio de transporte aéreo para a evacuação de seus cidadãos de Wuhan: Japão, Estados Unidos, França, Sri Lanka, Austrália, Alemanha, Tailândia, Portugal e Suécia.
Enquanto isso, a única medida ofertada pelo Itamaraty, até o momento, foi a de evacuação gradual daquele contingente, por terra, e para outra cidade chinesa, o que obviamente tem sido rejeitado pela comunidade local. É importante dizer, ainda que o índice de fatalidade seja baixo, as medidas restritivas de mobilidade, bem como o risco de se ter que arcar com altas despesas hospitalares e de hotéis em outras cidades, por si têm justificado a remoção aérea entre países mais preocupados com a vida e o bem-estar de seus nacionais.
A justificativa dada pelo Itamaraty até o momento é de que a distância e o custo não justificam a evacuação aérea dos cidadãos brasileiros, o que é um argumento no mínimo controverso, em um país onde os gastos no Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF), conhecido popularmente como cartão corporativo, excederam R$ 4,5 milhões somente em 2019, sem qualquer transparência à população.
Isso, para não falar das despesas federais com publicidade, em campanhas por reformas antipopulares dentre outros desperdícios.
Enquanto isso, 31 brasileiros aguardam e arriscam as suas vidas e é importante que no Brasil se inicie uma campanha nacional para pressão no governo federal, sobretudo o Itamaraty, até que nossos compatriotas possam retornar às suas casas e às suas famílias. É em momentos como esse, de crise, que conhecemos o valor da vida de cada cidadão brasileiro, a partir de critérios nossos e do governo.
*Consultor, residente em Xangai (China).
Edição: Rodrigo Chagas