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Artigo | Reforma tributária é também sobre redução das desigualdades

A população mais pobre paga proporcionalmente mais impostos que os ricos, configurando um sistema tributário regressivo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A nossa carga tributária incide majoritariamente sobre o consumo, ou seja, está embutida nos preços dos produtos que adquirimos
A nossa carga tributária incide majoritariamente sobre o consumo, ou seja, está embutida nos preços dos produtos que adquirimos - Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O debate sobre as propostas de reforma tributária tende a avançar ao longo do primeiro semestre de 2020 e a tramitação deste processo será permeado de disputas políticas. Estamos diante de uma oportunidade importante de fomentar um amplo debate sobre a viabilização e
implementação de uma reforma tributária mais justa socialmente, que vise promover simplificação tributária, aumento da competitividade e maior progressividade.

Atualmente três propostas estão em tramitação e avaliação no Congresso Nacional. A PEC 45/2019, que foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), objetiva criar o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), do tipo Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que substituiria
cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS). Além disso, considera a criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços com impactos negativos para a população, como fumo e bebidas.

A PEC 110/2019, apresentada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP),juntamente com outros 66 senadores, também tem como principal objetivo a simplificação. Essa PEC propõe criar o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e o Imposto
Seletivo (IS) sobre operações com bens e serviços específicos, substituindo nove tributos (IPI), IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide Combustíveis, ICMS e ISS).

Já a Emenda Substitutiva Global nº 178/2019 à PEC 45/2019 foi elaborada pela oposição (PT, PCdoB, PDT, PSB, Psol e Rede), denominada “Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável”. Essa proposta baseia-se em 7 pilares que visam não só a simplificar o sistema
tributário e torná-lo mais eficiente, mas também, dentre outros aspectos, a fomentar a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento regional, a preservar recursos para o financiamento da Seguridade Social, educação e saúde e a melhorar a progressividade do
sistema em relação à renda.

Dentre as propostas em tramitação, as duas primeiras (PEC 45 e PEC 110) apresentam maior viabilidade política para serem aprovadas. No entanto, elas não avançam em temas que são de suma importância à população brasileira. A nossa carga tributária incide majoritariamente
sobre o consumo, ou seja, está embutida nos preços dos produtos que adquirimos. Atualmente no Brasil, do total de impostos recolhidos anualmente, 49% são recolhidos desse modo; entretanto, nos países mais desenvolvidos, que compõem a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a tributação sobre o consumo é em média de 32% da carga tributária.

Esse modelo acaba por onerar mais fortemente as camadas com menores rendimentos, que gastam maior fatia do seu orçamento em consumo. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), do total de impostos arrecadados pelo consumo,
57% são oriundos de gastos com alimentação e habitação.
 
Segundo o IBGE, essas despesas equivalem a 61% dos gastos totais dos que ganham de 1 a 2 salários mínimos. Em contraposição, os que ganham mais de 25 salários mínimos gastam apenas 30% do seu orçamento com essas despesas. Ou seja, a população mais pobre paga
proporcionalmente mais impostos que os ricos, configurando um sistema tributário regressivo.

Essa é uma questão essencial que deve ser considerada no atual debate sobre reforma tributária. Em um país como o Brasil, a regressividade do sistema tributário aprofunda ainda mais os problemas estruturais da nossa sociedade, como a concentração de renda e a desigualdade
social e regional. Para superar essa contradição, é preciso reorientar a base da nossa estrutura tributária, dando maior ênfase aos impostos diretos, que estão associados à renda e ao patrimônio que as pessoas possuem, tornando o sistema mais progressivo.

Atualmente, no Brasil, o imposto de renda e o imposto sobre patrimônio contribuem 18% e 4%, respectivamente, no total arrecadado. No entanto, nos países da OCDE, em média 34% da sua arrecadação é oriunda dos impostos sobre a renda e 5% sobre patrimônio. A reestruturação do nosso sistema tributário com ênfase nos impostos diretos possibilitaria a redução dos tributos sobre consumo sem necessariamente diminuir a carga tributária, em outras palavras, poderia promover uma maior progressividade do sistema.

Para o atual governo a mudança no sistema tributário está inserida no conjunto de reformas que vem sendo aprovado no período recente - como a reforma trabalhista e a previdenciária - e é uma das principais apostas econômicas para 2020. Contudo, o debate está aberto e envolto por possibilidades de avanços e retrocessos. Uma comissão mista foi instaurada com a participação da Câmara dos Deputados, do Senado e do Governo, com o objetivo de elaborar um texto único de reforma que unifique as propostas já em tramitação, no caso a PEC 45 e a PEC 110, e os aspectos defendidos pelo Governo.

Nesse contexto, temos a oportunidade de colocarmos na ordem do dia a necessidade de se discutir um outro sistema tributário que atenda às demandas da população brasileira e, de fato, funcione sob o prisma da justiça social.

É fundamental, portanto, ampliarmos esse debate para os mais diversos setores da nossa sociedade. Dessa forma, devemos acumular forças não só para barrar as possíveis modificações que possam aprofundar os aspectos negativos do nosso atual sistema, mas também para pressionar nossos representantes a defenderem um sistema tributário que compreenda redução de desigualdades no desenvolvimento econômico, regional e social.

*Artigo elaborado pelos economistas Iriana Cadó e por André Paiva Ramos.

Edição: Leandro Melito