A regra estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (4), sobre o compartilhamento de dados sigilosos por órgãos de controle, abre caminho para que a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) tenha que ser refeita ou possa até ser invalidada.
Isso porque os ministros decidiram, por dez votos a um, que o compartilhamento de dados deve ser feito apenas por meios de comunicação oficiais, com garantia de sigilo.
No caso do senador, o relatório que apontou movimentações suspeitas e baseou as investigações foi repassado ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) por e-mail pelo antigo Coaf (atual Unidade de Inteligência Financeira [UIF]), segundo os defensores de Bolsonaro. O filho do presidente é investigado por desvio de dinheiro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
De acordo com o autor da tese vencedora no STF, ministro Alexandre de Moraes, o e-mail não é um meio de comunicação formal.
Demora para resolução do caso deve ser creditada à má atuação desses membros do MP
As provas, portanto, podem ser consideradas ilícitas, de acordo com o advogado criminalista Fernando Hideo Lacerda, doutor em Direito e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Se for o caso, a investigação volta ao começo.
“Se as provas forem ilícitas, é natural que demore mais porque a investigação terá de ser refeita. Mas o único responsável por isso é o próprio MP. Sendo confirmada a ilicitude das provas, foram os promotores que utilizaram meios ilegais na investigação e eventual demora para resolução do caso deve ser creditada à má atuação desses membros do MP”, afirma o advogado.
Hideo afirma que, diante da decisão da Corte, há ainda a possibilidade de a defesa pedir o trancamento do inquérito, o que invalidaria toda a investigação feita até aqui. “Não acredito que chegue a esse ponto. Acho que o próprio MP vai refazer a investigação para evitar isso”, opina o especialista.
Meios oficiais
A tese vencedora foi a do ministro Alexandre de Moraes, de que é constitucional o envio amplo de informações bancárias e fiscais para fins criminais sem autorização judicial, desde que repassadas exclusivamente por meios oficiais.
O voto foi acompanhado por todos os demais ministros, com exceção de Marco Aurélio Mello, contrário ao compartilhamento sem autorização judicial.
Também foi confirmado os órgãos de investigação podem pedir informações complementares, além dos relatórios iniciais, à Receita Federal ou à UIF, exceto em casos de quebra de sigilo.
A decisão é de repercussão geral – ou seja, deve ser seguida pelos demais tribunais do país. A tese final ficou da seguinte forma:
- É constitucional o compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal do Brasil com o Ministério Público e as policiais para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, "devendo ser resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional".
- O compartilhamento pela UIF e pela Receita Federal do Brasil deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios.
Instrumentalização da Receita
Para Fernando Hideo, a decisão não ataca um ponto importante da discussão, que é o passo anterior ao compartilhamento: ou seja, como a Receita obtém os dados possíveis de repasse ao MP.
“O grande problema não é o que a Receita faz com os dados, mas sim como ela recebe. Ela não poderia ter acesso aos extratos bancários sem autorização judicial. Isso é inconstitucional. Depois, quando ela percebe movimentações suspeitas, tudo bem ela compartilhar com o Ministério Público. É o certo. Mas permitir acesso irrestrito aos dados bancários sigilosos faz com que a Receita passe a ser instrumentalizada para fins penais, o que não sua função”, afirma o advogado.
Ela também é contrário à decisão de permitir que o MP solicite à UIF dados complementares, fora dos relatórios iniciais, sem permissão da Justiça. “Se essas informações [iniciais] forem insuficientes e precisar de mais detalhes, o que entendo é que precisa de ordem judicial para ampliar”.
Edição: Rodrigo Chagas